Notícia

Jornal da USP online

Queima de papelão produz sensor com potencial para detectar explosivo

Publicado em 11 outubro 2017

Por Júlio Bernardes

A queima superficial do papelão é a base para produzir um sensor portátil empregado em análises químicas, com custo de fabricação até 300 vezes menor do que os de dispositivos existentes no mercado. A descoberta aconteceu em uma pesquisa do Instituto de Química (IQ) da USP, coordenada pelo professor Thiago Paixão. A queima cria na superfície do papelão um filme de carbono com capacidade de identificar diversas substâncias, como o ácido ascórbico, usado em indústrias alimentícias e farmacêuticas, e o ácido pícrico, presente em explosivos. O estudo é descrito em artigo publicado na revista científica Angewandte Chemie.

O método desenvolvido na pesquisa baseia-se na utilização de um laser para realizar a queima superficial do papelão, produzindo um filme de carbono condutor que pode ser utilizado como sensor eletroquímico. “O papelão contém celulose, que é uma fonte acessível de carbono”, conta Paixão. Os dispositivos fabricados no trabalho foram extensivamente caracterizados tanto quanto a sua composição, estrutura e algumas propriedades físico-químicas que demonstraram a obtenção de um material de carbono poroso contendo nanoestruturas e grafeno. “É esse material que permite a confecção de sensores visando ao monitoramento de pequenas quantidades de substâncias químicas em um ambiente”.

A resposta dos dispositivos fabricados de carbono foi estável, demonstrando que são reprodutíveis, ou seja, todos funcionarão da mesma forma, sem variações. “Eles são reprodutíveis porque o laser permite um bom controle da área geométrica e da morfologia das estruturas de carbono geradas no papelão”, explica o professor. “Os dispositivos criados no estudo também são estáveis, quer dizer, mesmo armazenados por um longo período de tempo, continuarão a funcionar”

O método de fabricação dos sensores representa uma redução de custo expressiva, cerca de 300 vezes menor em comparação com os métodos comerciais disponíveis. O pesquisador estima que a produção dos sensores disponíveis no mercado custe entre R$ 2 mil e R$ 2, 5 mil, para um lote de 75 unidades. “Como o laser usado para queimar o papelão já é utilizado em indústrias, e uma folha de papelão A3 (29 por 42 centímetros) é vendida por cerca de cinco reais, o custo de produção do dispositivo por unidade seria de apenas alguns centavos”, observa.

O estudo demonstrou que o dispositivo tem potencial para identificar e monitorar ácidos, como o ascórbico, o ácido cafeico e o ácido pícrico. “O ácido ascórbico é um importante composto químico com propriedades antioxidantes, utilizado na indústria farmacêutica na produção de medicamentos. Como ele também está presente no suco de laranja, o sensor poderia ser utilizado nas indústrias de alimentos para fazer controle de qualidade”, aponta o professor. “O ácido cafeico é encontrado no café, vinho e no azeite, e o ácido pícrico é empregado na produção de armamentos. Assim, o dispositivo poderia também ter aplicações forenses, na detecção de explosivos”.

De acordo com Paixão, a utilização de dispositivos portáteis de análise em papel despontou em 2007 com os trabalhos do professor George M. Whitesides, da Universidade de Harvard (Estados Unidos) visando análises de baixo custo para aplicações em regiões carentes ou distantes de grandes centros urbanos, também publicados na Angewandte Chemie. “O papel é um material fácil de obter em qualquer parte do mundo”, destaca. “A maior contribuição do estudo é que ele demonstra a fabricação de sensores utilizando a radiação emitida por um laser diretamente em uma estrutura de papel, permitindo sua produção em grande escala e com boa reprodutibilidade”, destaca.

O professor observa que a principal dificuldade para produzir dispositivos eletroquímicos em papel é o fato de a fabricação necessitar da adição de reagentes ou do controle do ambiente onde os sensores são produzidos. “No estudo apresentado, a fabricação aconteceu em uma única etapa, sem usar reagentes químicos ou fazer controle experimental”. O dispositivo será patenteado para permitir sua produção em grande escala. “O processo de produção utiliza um tipo de laser que já é utilizado pelas indústrias, sem precisar de adaptações”.

O artigo sobre o dispositivo foi aceito para publicação na revista alemã Angewandte Chemie no último dia 5 de outubro. A pesquisa conta com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). O estudo teve a participação do professor Lucio Angnes, de William Reis de Araújo, doutor em química analítica, e dos alunos de doutorado Carolina Maria Resende Frasson, Wilson Akira Ameku, José Ricardo da Silva, do Dr. William Reis de Araujo e do professor Lucio Angnes.

Mais informações: e-mail trlcp@iq.usp.br, com o professor Thiago Paixão