Entre 2012 e 2015, o geólogo norte-americano Eric Tohver rodou milhares de quilômetros por São Paulo, Goiás e Mato Grosso. Então pesquisador da Universidade da Austrália Ocidental, ele visitou pedreiras e paredões rochosos às margens de estradas brasileiras à procura de formações rochosas de 250 milhões de anos atrás. Tohver suspeitava ser possível encontrar estruturas que testemunhassem o poder destrutivo do impacto do meteorito que abriu a maior cratera da América do Sul.
Há pouco mais de 250 milhões de anos, um corpo celeste com estimados 4 quilômetros de diâmetro, que possivelmente se deslocava a 17 quilômetros por segundo, caiu onde hoje é o coração do Brasil e deixou uma cratera de 40 quilômetros de diâmetro na qual estão localizados os municípios de Araguainha e Ponte Branca, em Mato Grosso.
Anos atrás, Tohver e pesquisadores do Brasil, do Reino Unido e da Austrália haviam estimado que esse impacto altamente destrutivo – que liberou uma quantidade de energia milhões de vezes maior que a das bombas atômicas lançadas sobre o Japão no fim da Segunda Guerra Mundial – tenha aniquilado instantaneamente o que havia em um raio de até 250 quilômetros. A força do choque também teria lançado para a atmosfera uma imensa quantidade de poeira e vapor-d’água, além de 1.600 gigatoneladas de metano, um gás de efeito estufa que pode ter contribuído para o aumento das temperaturas, então mais elevadas, e a morte em massa que marcou a maior das extinções registradas no planeta.
Em um artigo publicado em janeiro deste ano na revista Geological Society of America Bulletin, o geólogo norte-americano e seus colaboradores apresentam cicatrizes dessa destruição encontradas a quase 1.000 quilômetros de distância da cratera. “Nos trabalhos anteriores, já supúnhamos que os danos pudessem ter chegado tão longe”, conta Tohver, professor visitante do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP). “Agora, temos evidências de que ocorreram de fato.”
No ponto de colisão, o bólido escavou um buraco de 2 quilômetros de profundidade e fez emergir um grande corpo de granito que forma parte da serra da Arnica, no centro da cratera (ver Pesquisa FAPESP nº 140). Nos instantes seguintes ao impacto, um megaterremoto com magnitude de até 10,5 graus na escala Richter, dezenas de vezes mais elevada que a dos sismos mais arrasadores do planeta, teria feito o chão tremer a até milhares de quilômetros de distância.
Na época, os continentes estavam agrupados em uma única massa de terra firme, a Pangeia, que se estendia de norte a sul do planeta. Os blocos rochosos que formariam o Brasil ficavam a sudoeste do supercontinente, com o território que vai de Mato Grosso e Goiás ao norte da Argentina coberto por água. A trepidação causada pelo sismo teria agitado as camadas de lama e areia no fundo dessa imensa massa d’água e gerado estruturas que, depois de solidificadas, recebem o nome de diques clásticos e aparecem no registro geológico como veios verticais de um tipo de rocha seccionando um corpo rochoso maior.
Diques clásticos e tsunamitos
Nas viagens pelo interior do país, Tohver, o geólogo alemão Martin Schmieder e os geólogos brasileiros Claudio Riccomini, da USP, Lucas Warren, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Rio Claro, e Cristiano Lana, da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), encontraram diques clásticos da época do impacto dispersos por uma vasta região do que teria sido o fundo de um mar raso ou uma laguna, hoje soterrado pela bacia sedimentar do Paraná. Eles identificaram essas estruturas no município de Alto Araguaia, em Mato Grosso, a 50 quilômetros em linha reta do centro da cratera, e até quatro vezes mais distante em Mineiros e Montividiu, em Goiás.
Também encontraram diques clásticos daquele período em maior quantidade nos municípios paulistas de Rio Claro, Piracicaba e Limeira, a quase 1.000 quilômetros de onde ocorreu o choque, e há indícios de que esses diques também existam no Paraná e em Santa Catarina. “Se os efeitos observados a tamanha distância de Araguainha tiverem mesmo sido causados pela vibração do impacto do corpo celeste, o sismo ocasionado pelo choque pode ter alcançado intensidade igual ou até superior à magnitude 10”, comenta o sismólogo Marcelo Assumpção, que coordena o Centro de Sismologia da USP e não participou da pesquisa.
Na camada de rocha imediatamente superior à dos diques, Tohver e seus colaboradores encontraram um tipo de rocha que denuncia outro efeito secundário do impacto: um potente tsunami. Com o nome óbvio de tsunamitos, essas rochas contêm detritos e pedaços de rochas, algumas estranhas à região em que estão depositadas. “Nos minutos que se sucederam à propagação do sismo, um gigantesco tsunami teria varrido uma região de milhares de quilômetros”, supõe Tohver.
Os tsunamitos atraem a atenção dos pesquisadores porque, além serem indícios de fenômenos específicos, podem abrigar cristais de zircão, um mineral muito resistente (os mais antigos têm quase a idade do planeta) que funciona como um relógio geológico. Cristais microscópicos de zircão extraídos de tsunamitos encontrados próximo a Porangaba, em São Paulo, e em Santa Rita do Araguaia, em Goiás, formaram-se por volta de 253 milhões de anos atrás, segundo a datação feita por Tohver. Esse valor é bem próximo à idade (254,7 milhões de anos) que ele e outros pesquisadores haviam estimado para o impacto ao datar rochas do interior da cratera.
“É difícil conhecer a idade da cratera porque a imprecisão dos métodos de datação para essa faixa de idades ainda é grande, da ordem de 3 milhões de anos”, explica o geólogo Alvaro Crósta, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), um dos maiores especialistas em crateras do país. “Acredito que o valor obtido agora seja bem próximo à idade do impacto.” No início dos anos 1980, Crósta demonstrou que Araguainha se formara pelo impacto de um meteorito e estimou a idade em 285 milhões de anos. “Na época, eu sabia que devia haver erro porque a técnica disponível não era a mais adequada.”
Tohver se anima com a possibilidade de que a idade mais provável do impacto seja de 253 milhões de anos. Ela aproximaria mais a queda do meteorito da extinção que eliminou cerca 90% das formas de vida do planeta 252 milhões de anos atrás e marcou o fim do período geológico Permiano e o início do Triássico.
Com Riccomini, Lana e outros colaboradores, Tohver propôs em 2013 que o choque que abriu a cratera de Araguainha não seria a causa imediata da extinção, mas o disparador de alterações climáticas em escala global que teriam eliminado quase toda a vida. Seus efeitos indiretos teriam sido tão devastadores quanto os do corpo celeste que mais tarde abriria a cratera de Chicxulub, com 180 quilômetros de diâmetro, no golfo do México, contribuindo para a extinção dos dinossauros 65 milhões de anos atrás. “É plausível que o impacto de Araguainha, acompanhado do terremoto, do tsunami e da expulsão de metano, tenha sido o gatilho de uma grande extinção”, diz Warren, que também trabalha com paleontologia.
É uma proposta controversa. Prevalece entre geólogos e paleontólogos a ideia de que a extinção do Permiano decorreu de alterações no clima provocadas por um extenso derrame de lava na Sibéria. Também já foi proposto que outras supostas crateras de impacto – contemporâneas a Araguainha, mas maiores, como Wilkes Land, na Antártida, e Bedout, na costa da Austrália – tenham contribuído para a catástrofe. Mas nunca se comprovou a origem delas. “O impacto de Araguainha certamente causou uma grande mudança local e até extinção seletiva de algumas espécies da fauna e da flora em escala regional, mas não diria que foi gatilho de uma extinção em massa”, diz o geólogo Elder Yokoyama, professor da Universidade de Brasília (UnB), que já estudou a cratera.
Para Max Langer, professor de paleontologia da USP em Ribeirão Preto, a nova datação de Araguainha pode estimular uma revisão das hipóteses sobre a extinção do Permiano. “Até a descoberta de Chicxulub”, diz, “havia vários cenários para explicar a extinção dos dinossauros”.
Artigo científico
tohver, E. et al. End-Permian impactogenic earthquake and tsunami deposits in the intracratonic Paraná Basin of Brazil. Geological Society of America Bulletin. 2 jan. 2018.
Este texto foi publicado originalmente na revista Pesquisa Fapesp.
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