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Panorama Farmacêutico

Quatro instituições brasileiras trabalham para desenvolver vacina contra a Covid-19 (8 notícias)

Publicado em 09 de junho de 2020

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Por O Globo

Se em alguns países as pesquisas por uma vacina para o coronavírus estão avançadas, algumas já em testes clínicos, no Brasil os estudos ainda são muito preliminares. Pelo menos quatro grandes instituições brasileiras trabalham para desenvolver um imunizante, mas o fazem com poucos recursos e estão muito distantes dos testes em humanos, fase crucial para a aprovação de uma fórmula.

As duas iniciativas mais adiantadas — da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) de Minas Gerais e do Laboratório de Imunologia do Instituto do Coração (Incor) — nem sequer chegaram à etapa dos chamados testes pré-clínicos, em animais. Planejam iniciá-los nas próximas semanas. No Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP), o trabalho acaba de passar da fase conceitual, em que se decide a estratégia da pesquisa. O Instituto Butantan, em São Paulo, encomendou o material genético do vírus e aguarda sua chegada para dar início ao estudo.

CNPq dará R$ 50 milhões

Os recursos são modestos se comparados aos bilhões de dólares destinados às pesquisas em outros países. O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), por exemplo, abriu edital para pesquisas científicas sobre a Covid-19, sejam elas de diagnóstico, tratamento ou desenvolvimento de vacinas. Os projetos disputarão R$ 50 milhões, sendo que pesquisas com testes clínicos terão no máximo R$ 8 milhões cada. O resultado está previsto para o próximo dia 15.

— Estamos atrasados e temos pouco dinheiro, infelizmente. Investir numa vacina brasileira é estratégico por dois motivos: soberania nacional e independência tecnológica. Há países que já compraram centenas de milhares de doses antes mesmo de a vacina estar pronta. Haverá vacina para todo mundo? Será que uma única dose dessa vacina vai proteger? E por quanto tempo? Será que um mesmo paciente não terá de ser vacinado duas ou três vezes por ano? — questiona Alexandre Machado, do Grupo de Imunologia de Doenças Virais da Fiocruz Minas, à frente do laboratório em que 12 pesquisadores, a maioria alunos de pós-graduação, dedicam-se a desenvolver uma vacina para a Covid-19.

A equipe de Machado é capitaneada por Alexandre Gazzinelli, líder do Grupo de Imunopatologia da Fiocruz Minas e coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Vacinas (INCTV). Por ora, conta com R$ 500 mil da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig) e aguarda a liberação de R$ 3,5 milhões autorizados pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC).

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Uma das mais avançadas no país, a pesquisa da Fiocruz de Minas deve iniciar os testes em camundongos nas próximas semanas. A plataforma escolhida é a do vetor vacinal — usa-se um vírus modificado, no caso o da influenza, para que ele transporte parte da proteína do novo coronavírus, o Sars-CoV-2, para dentro da célula. O objetivo é desenvolver uma vacina bivalente, que proteja tanto da influenza quanto da Covid-19. Não será injetável, mas usada como aerossol, por via nasal.

— As células da mucosa nasal têm grande quantidade desse receptor do coronavírus. Por isso, achamos que a inoculação nasal é ideal, já que é a mesma via de entrada do vírus. Pode ser mais eficiente do que uma vacina intramuscular para induzir a imunidade local— explica Gazzinelli.

Testes clínicos em 2021

Segundo o pesquisador, “com otimismo”, até o fim do ano serão concluídos os testes de segurança em animais. Só depois, em 2021, terão início os testes em humanos. O cronograma é parecido com o da pesquisa liderada por Jorge Kalil, diretor do Laboratório de Imunologia do Instituto do Coração (Incor), uma das primeiras iniciativas brasileiras por uma vacina para a Covid-19.

— Quando o coronavírus chegou à Itália, em meados de fevereiro, achei que tínhamos que mobilizar o corpo de pesquisadores para desenvolver uma vacina. Reuni oito deles, além de técnicos e alunos de mestrado e doutorado — conta Kalil, que conseguiu financiamento de R$ 4,5 milhões do MCTIC, ainda não liberados.

Kalil realocou recursos já existentes no laboratório para iniciar os estudos conceituais. Ele e os pesquisadores do Incor optaram pela plataforma conhecida como VLPs, sigla em inglês para “virus like particles”, ou partículas semelhantes ao vírus. Proteínas do Sars-Cov-2, sintetizadas no laboratório do Incor, foram acopladas às partículas, e o material deve ser testado em camundongos nas próximas semanas. Testes em humanos, só no ano que vem.

— Se não der certo o método do VLP, vamos partir para outros vetores. O fundamental é estudarmos os alvos do Sars-CoV-2, a fim de entender qual é o melhor caminho para produzir os anticorpos — diz Kalil. — Normalmente uma vacina leva dez, 15 anos para ser produzida. A mais rápida foi a do ebola, em pouco mais de cinco anos. As pessoas estão agora falando em meses, mas é impossível fazer tão rápido. Por outro lado, nunca vi tanta gente trabalhando por uma mesma vacina, com tantas plataformas diferentes.

Para Natalia Pasternak, uma das pesquisadoras da vacina para a Covid-19 do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, “a vantagem de haver tantas estratégias distintas sendo testadas é que se pode supor que ao menos uma ou duas poderão funcionar”.

— É preciso lembrar que estamos falando em vacinação para sete bilhões de pessoas. Não vamos conseguir isso com uma única formulação vacinal — ressalta Pasternak, que tem pós-doutorado em Microbiologia pela USP, é presidente do Instituto Questão de Ciência e colunista do blog A Hora da Ciência, do GLOBO.

Três estratégias na USP

Liderados por Luiz Carlos de Souza Ferreira, diretor do ICB-USP, os pesquisadores apostam em três estratégias distintas, pesquisando vacinas de DNA, RNA e nanopartículas. As duas primeiras são tidas como as mais modernas — usam sequências genéticas do vírus que são inseridas num vetor e introduzidas na célula. Não existem no mercado, no entanto, vacinas que já tenham sido criadas a partir de DNA ou RNA. Já as nanopartículas, ao carregarem proteínas virais, tornam-se mais parecidas com um vírus de verdade e são capazes de induzir imunidade. A previsão é iniciar os testes em animais até o final deste mês.

— Esse é um vírus novo, com características peculiares e, como não se tem uma formulação clara da resposta imune, decidimos usar três possibilidades. A partir da resposta de cada uma, vamos escolher o caminho a seguir. O que me preocupa é o abismo que vamos encontrar quando tivermos uma possibilidade: como produzir isso? E antes: como viabilizar os testes em humanos? — questiona o diretor do laboratório do ICB-USP, que pleiteia recursos no edital do CNPq e trabalha, por ora, com verbas já existentes e outros R$ 200 mil recebidos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

No Instituto Butantan, a pesquisadora Luciana Cezar Cerqueira Leite, do Laboratório de Desenvolvimento de Vacinas, também realocou recursos de que já dispunha e conseguiu mais R$ 500 mil da Fapesp para iniciar a pesquisa de uma vacina para o coronavírus. Seu grupo adota uma estratégia que já vinha sendo testada para a esquistossomose. Usa as chamadas OMV bacterianas (sigla para “outer membrane vesicles”, ou vesículas de membrana externa), partículas liberadas pelas bactérias no corpo para “distrair” o sistema imune.

— O sistema tenta matar as vesículas, e a bactéria “escapa”. Vamos usar essas membranas para que carreguem uma quantidade de proteína do vírus. Elas, assim, mimetizam o vírus e provocam uma resposta imune — explica Luciana. — Nossa proposta é muito diferente, é justamente um plano B caso as outras estratégias não funcionem.

Fonte: O Globo