"Mas a contradição maior no cristianismo nacional se refere ao enorme volume de recursos arrecadados por igrejas , algo diretamente conectado ao fato de seus líderes e integrantes serem também proprietários de grandes empresas, principalmente do setor de comunicação social ", escreve André Ricardo de Souza , em artigo enviado diretamente ao Instituto Humanitas Unisinos — IHU
André Ricardo de Souza é Doutor em sociologia pela USP, professor associado do Departamento de Sociologia da UFSCar, pesquisador do CNPq, coordenador do Núcleo de Estudos de Religião, Economia e Política (NEREP) e autor de O cristianismo brasileiro contemporâneo: aspectos econômicos, assistenciais, políticos e ecumênicos (EdFUSCar e FAPESP).
Eis o artigo.
O cristianismo é tradicionalmente entendido como a soma de católicos e evangélicos , havendo, entretanto, segmentos não protestantes chamados de ‘ neocristãos ' por cientistas sociais da religião, entre os quais sobressaem os espíritas pela quantidade de adeptos e o ressaltado trabalho assistencial. Com base nisso e considerando, no censo de 2010, o contingente dos sem religião (que segue crescendo, como o dos evangélicos ), verificamos que o conjunto dos seguidores de religiões não cristãs era inferior a 3%, havendo constrangimento e acentuada vitimização de intolerância em uma parte deles: a dos adeptos dos cultos afro-brasileiros . Daí podermos dizer que em vez de pluralismo religioso , que pressupõe plena liberdade de culto, o que há no país é uma pluralidade cristã
A face cristã mais longeva é a assistencial, que continua com grande presença na sociedade brasileira, através de entidades e atividades católicas espíritas e ecumênicas de prevalência evangélica , fazendo parte do amplo e heterogêneo campo do terceiro setor . Observa-se aí o explícito uso político-eleitoral por denominações pentecostais , projetando determinados integrantes para que eles venham compor a representação delas em câmaras municipais assembleias legislativas e no Congresso Nacional . Há muitos casos registrados desse tipo, com destaque para os atuais deputados federais: Marcelo Crivella , da Igreja Universal do Reino de Deus , e Marco Feliciano , da Assembleia de Deus Catedral do Avivamento . Neste meio estão as controversas comunidades terapêuticas , como aquela ligada a Feliciano , que são em grande maioria evangélicas pentecostais , seguidas pelas carismáticas católicas . Elas costumam ter problemas estruturais-sanitários, fazem ostensivo proselitismo e uso de recursos públicos, algo que fere a laicidade do Estado
Mas a contradição maior no cristianismo nacional se refere ao enorme volume de recursos arrecadados por igrejas , algo diretamente conectado ao fato de seus líderes e integrantes serem também proprietários de grandes empresas, principalmente do setor de comunicação social . A isenção fiscal , defendida pelos atores envolvidos, em nome da liberdade religiosa, os beneficia diretamente, além das suas corporações devocionais . Aí também há uso político-eleitoral , fortalecendo candidaturas de indivíduos que atuarão em cargos legislativos e executivos em prol de suas denominações e dos negócios a elas e eles vinculados. Tal atuação política se combina com o extremismo de direita , marcado por feições negacionistas , que envolve também espíritas
Essas características todas do cristianismo brasileiro foram abordadas em uma longa pesquisa por mim conduzida, que abrangeu também aspectos mais condizentes com os originários valores cristãos , presentes em práticas econômicas autogestionárias ( economia solidária ) e assistenciais, efetivamente gratuitas, sem busca da projeção de candidatos a cargos públicos e em solidariedade a segmentos sociais bastante vulneráveis e marginalizados, como é o caso da Pastoral do Povo da Rua