Quantas pessoas morreram por covid-19 na sua rua? E no seu quarteirão? Estas perguntas já devem ter cruzado a mente de todo brasileiro durante esta pandemia do novo coronavírus, que já infectou mais 700.000 pessoas e matou mais 37.000 no país. A indagação não tinha resposta: com exceção dos casos próximos dos quais se tomava conhecimento por vizinhos ou amigos, não era possível saber como a doença estava se espalhando pelo território e atingindo a população em um nível mais detalhado do que o dos distritos (conjunto de bairros). Estas unidades geográficas, assim como os municípios, são usados pelo Governo de São Paulo para elaborar suas diretrizes de isolamento e flexibilização da quarentena. Mas a falta de informação mais precisa impacta diretamente as políticas de enfrentamento ao coronavírus.
Com o objetivo de “contribuir e incidir sobre as políticas públicas emergenciais necessárias” de combate à doença, o Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade (LabCidade) da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo criou um mapa interativo que permite saber onde estão os casos graves confirmados e óbitos provocados pela covid-19 na Região Metropolitana de São Paulo. Para além de matar a curiosidade, este grau de detalhamento da pandemia “possibilita análises mais precisas da difusão espacial da pandemia do que os mapas oficiais, que utilizam a escala dos distritos ou das cidades”, explicam os idealizadores.
A iniciativa usa como base os dados do Ministério da Saúde informados ao Datasus, o departamento de informática do Sistema Único de Saúde. O projeto, no entanto, aponta algumas lacunas no mapa “que precisam ser consideradas”, como por exemplo o fato de que uma parcela considerável dos dados “não está representada no mapa, pois não constava a informação relativa ao CEP”. Esta informação por vezes não foi preenchida na ficha médica do paciente, uma vez que a prioridade da equipe sanitária é com o quadro clínico do mesmo, e em momentos de pressão podem haver “falhas” na elaboração do documento. Ainda assim, o mapa “sinaliza fortemente a necessidade de considerar a heterogeneidade dos territórios para entender —no caso específico de cada cidade— as formas através das quais a epidemia tem se difundido”, escrevem os responsáveis pelo projeto.
Na tarde desta terça-feira, a arquiteta e urbanista Raquel Rolnik, coordenadora do LabCidade, informou que “o Ministério da Saúde retirou essas informações [de CEP de internações e óbitos] do seu portal de dados abertos, o Datasus”. Na prática o mapa interativo ficará sem novas atualizações caso a medida não seja revista.
Mortes concentradas nas franjas de São Paulo
Além de subsidiar a elaboração de políticas públicas mais efetivas de combate ao coronavírus, o mapa colabora com a transparência dos dados sobre a pandemia em um momento no qual o Governo Bolsonaro provoca um apagão sobre as informações relativas à covid-19. A Prefeitura de São Paulo também divulga, de quando em quando, a informação de mortos por covid-19 (confirmados e suspeitos) por distrito, distribuídos no mapa da cidade (veja abaixo). De acordo com o levantamento esta segunda-feira, a periferia do município de São Paulo segue sendo a região mais castigada pelo vírus. Desde o início da pandemia, o mapa da cidade mostra que o maior número de casos e óbitos se concentram nas franjas do município. O mapa mais recente confirma essa estatística, novamente com a região da Brasilândia (zona norte) e de Sapopemba (zona leste) na liderança dos números. Entre confirmados e suspeitos, quase 300 pessoas morreram na Brasilândia em decorrência da covid-19, e 245 em Sapopemba. A discrepância é imensa: no Alto de Pinheiros, bairro nobre da zona oeste, com ruas largas e arborizadas, os óbitos não passam de 39, entre suspeitos e confirmados. O mapa e suas cores mostram que, quanto mais afastado do centro, maior é o número de mortes.