Em evento para o lançamento do Centro de Documentação de Línguas e Culturas Indígenas em SP, a ministra destacou a necessidade de valorização dos saberes e línguas indígenas presentes no território nacional
Apurinã, Ashaninka, Baniwa, Baré, Chiquitano, Guajajara, Guarani (Ñandeva, Kaiowá, Mbya), Galibi do Oiapoque, Ingarikó, Huni Kuin, Kubeo, Kulina, Kaingang, Mebêngôkre, Macuxi, Munduruku, Sateré Mawé, Taurepang, Terena, Ticuna, Timbira, Tukano, Wapichana, Xavante, Yanomami, e Ye’kwana. Esses são os povos indígenas que que têm mais de 5 mil falantes de seu próprio idioma. Além deles, existem muitos outros povos originários, com número menor de representantes, mas que igualmente possuem suas línguas.
De acordo com o Censo Demográfico do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), existem 274 línguas indígenas faladas por 817.963 mil indígenas de 305 diferentes etnias. Cuidar para que essas culturas, línguas – assim como seus falantes – permaneçam vivos é tarefa difícil, mas que já está em curso.
“As nossas línguas indígenas guardam dentro de si florestas inteiras, rios, estrelas e espíritos. Cada uma delas é uma biblioteca viva, uma cosmovisão, um universo em movimento. Cada vez que uma língua indígena desaparece, o mundo perde uma forma de ser”, disse a ministra dos povos indígenas, Sônia Guajajara, durante o lançamento do Centro de Documentação de Línguas e Culturas Indígenas, na última quarta-feira (20).
O evento foi realizado no Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo (SP). O projeto é coordenado pela instituição em parceria com o Museu de Arqueologia e Etnologia da USP (Universidade de São Paulo) e financiado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).
“Esse Centro de Documentação vem com o potencial de reunir materiais linguísticos de culturas indígenas, de maneira que a gente possa articular ações como exposições, publicações e trazer as escolas. Ainda são poucos os que se comprometem com o ensino dessas culturas, então os museus podem enfrentar esses desafios junto com os professores em sala de aula”, destacou Camila Aderaldo, coordenadora do Centro de Referência do Museu da Língua Portuguesa.
O investimento previsto pela Fapesp é de R$ 14,5 milhões, que serão dedicados ao desenvolvimento de pesquisas inéditas. Além de se tornar referência nacional e internacional, um dos objetivos do Centro de Documentação é criar coleções digitais que possuam conhecimentos intangíveis – ou seja, que não podem ser tocados ou percebidos pelos sentidos físicos – e práticas indígenas.
Luciana Storto, pesquisadora responsável pela área de linguística do projeto, detalhou que ao longo dos próximos cinco anos o projeto vai se deter em duas regiões do Brasil: Rondônia e a região das Guianas. Segundo ela, esses são territórios com grande diversidade multilíngue no país e que estão sob maior ameaça.
“Priorizamos essas regiões porque o desmatamento em Rondônia está chegando no mesmo nível que no Mato Grosso, onde só as terras indígenas permanecem com a floresta em pé. Rondônia é soja, milho e gado atualmente. É urgente trabalhar com essa região e também a região das Guianas. A exploração de petróleo está chegando lá e vai haver um movimento populacional e forças econômicas dominantes adentrando essa área, mudando sua configuração socioambiental”, disse a linguista.
Brasil: um país diverso
Manter vivas as culturas e línguas indígenas é um esforço que vêm sendo realizado por muitas instituições. A Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) declarou o período de 2022 a 2032 como a Década Internacional das Línguas Indígenas, em uma estratégia de valorização e cuidado do patrimônio linguístico e cultural dos povos originários.
A informação de que no Brasil há mais de 200 línguas indígenas derruba o entendimento de que o país só fala a língua portuguesa. “O Brasil é um país que tem uma riqueza linguística imensa e essa diversidade é um patrimônio cultural brasileiro que tem que ser melhor entendido e documentado”, destaca Eduardo Goes Neves, diretor do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP.
O docente reconhece que muitos dos saberes indígenas são transmitidos de forma oral, ou seja, por meio da palavra, e, por isso, registrar em áudio e vídeo também faz parte dos objetivos do centro de documentação recém-criado.
A existência de registros desses povos e o esforço em documentá-los serve também como uma maneira de manter vivos esses povos. Camila pontua que a existência das línguas está vinculada à existência de seus falantes e gravar um áudio com determinado idioma faz com que ele seja protegido como registro, mas sem sua principal finalidade, que é o uso cotidiano.
“Para preservar uma língua, a gente tem que preservar pessoas e a relevância do uso dessa língua no cotidiano. Para que falar? Em quais contextos falar? Talvez a gente não consiga preservar uma língua enquanto museu, mas somos aliados nesse propósito de maneira que isso possa fortalecer ações de preservação no futuro”, afirma a coordenadora do museu.
Sonia Guajajara considera a criação de um centro de documentação “marca o florescer de uma memória viva e de um compromisso com o futuro”. A ministra destacou a importância de entender a língua não apenas como uma estrutura gramatical, mas também como território, identidade e forma de ver e sentir o mundo.
O evento também marcou a assinatura do Protocolo de Intenções para ações voltadas para a área, parceria firmada entre o Ministério dos Povos Indígenas e a FAPESP.
“Não se trata de falar sobre nós, mas sim de falar com e a partir de nós. Esse protocolo é mais uma forma de afirmar o que repetimos tantas vezes: ‘Nada sobre nós, sem nós’. Nenhuma política, nenhuma pesquisa, nenhuma decisão pode ser tomada sem escutar a voz dos nossos povos, sem respeitar nosso tempo, nossa forma de existir, nosso modo próprio de pensar a vida e o mundo”, discursou.
O gesto, para ela, é um chamado global por justiça aos povos indígenas. “Seguimos assim reflorestando mentes, palavras e corações para descolonizar os saberes e reafirmar que a cultura indígena não é relíquia. É pulsação. É presente e é futuro.“
por Ruam Oliveira