Notícia

Gazeta Mercantil

Quando profissões afins se desencontram

Publicado em 31 maio 1998

Por The Economist
Não é apenas pela natureza dos projetos que os arquitetos em geral são mais conhecidos que os engenheiros Ted Happold, um engenheiro que trabalhou na Sydney Opera House e no Centro Pompidou de Paris, certa vez comentou que enquanto todo mundo conhecia a avó de George Washington Whistler, ninguém sabia que seu pai era um eminente engenheiro. Poderia ter acrescentado que o tio de Whistler também era um. Os dois jovens americanos, George Washington Whistler e Gibbs McNeill, viajaram para a Grã-Bretanha em 1828 para estudar as novas ferrovias. Voltaram para os Estados Unidos e foram trabalhar como engenheiros na Baltimore & Ohio, a primeira estrada de ferro pública. Happold tinha certa razão; todos Conhecem o homem com quem Whistler e McNeill foram se encontrar - era com George Stephenson, o famoso pai da ferrovia. Na época de Stephenson, os engenheiros eram famosos. Por quase um século, após 1760, eles se embeberam na fama de suas incríveis criações. Quando Robert Stephenson (filho de George), Joseph Locke e Isambard Brunel, conhecidos como "o triunvirato", morreram no período &e poucos meses um do outro, entre 1859-1860, toda a nação lamentou. Rols escreveu: "Nunca mais um engenheiro britânico merecerá tanta estima e afeição; nunca mais a profissão atingirá um ponto tão elevado." Por que o declínio? Os engenheiros deste século realmente foram menos capazes que seus pioneiros? O engenheiro e historiador L.T.C. Rolt oferece a resposta para a primeira pergunta: "Até certo ponto era inevitável, pois com o acúmulo de conhecimento, a profissão diversificou-se. Cada vez mais, um número de especialistas anônimos tornou-se responsável por novos desenvolvimentos em vez de uma única e brilhante pessoa." Isto não aconteceu com os arquitetos na mesma medida. Assim, nomes como Frank Lloyd Wright, Mies van der Rohe, I.M. Pei, Norman Foster e Richard Rogers são familiares, enquanto os nomes de seus contemporâneos engenheiros não são. Identificar o projetista do Túnel da Mancha, por exemplo, uma importante proeza dos últimos anos em ermos de construção, é praticamente impossível. O túnel não foi projetado por um engenheiro, mas por um exército deles. E já muitas outras coisas envolvidas na construção de um túnel do que meramente projetá-lo. E nenhuma pessoa em particular é encarregada de fazê-lo. Os construtores foram a Transmanche, um consórcio formado por pez empreiteiras francesas e britânicas. Devido ao tamanho e à complexidade do projeto, o crédito da construção foi amplamente partilhado. Não é apenas pela natureza de seus projetos que os arquitetos são mais acessíveis ao público do que os engenheiros. Enquanto o arquiteto é visto (e vê-se a si mesmo) como um mista, o mesmo não ocorre com o engenheiro. Ele tem diferentes imperativos, que variam principalmente conforma a ênfase que o engenheiro coloca em duas coisas: a necessidade de economia, não só nos custos, mas no uso de material; e a noção de força. O mesmo não ocorre com os arquitetos, que têm outros objetivos. Isto leva o engenheiro a delinear da maneira mais direta possível um método para calcular o peso das estruturas e as cargas projetadas para sustentá-las. Ele quer que este fluxo de força seja aparente e explícito na estrutura. Fazlur Khan, um grande engenheiro de Chicago, preocupou-se com o puritanismo filosófico das cadeiras cantiléveres de Marcel Breuer em seu próprio escritório, embora fossem conhecidas como clássicas modernas. Por que fazer de um cantiléver uma cadeira, questionou, quando as cargas que deve carregar podem, quase que imediatamente, apoiarem-se sobre quatro pernas? Khan não se deixou convencer pelas explicações de seus colegas arquitetos, que assinalaram que o cantiléver contribuía com sua elasticidade. Ele concluiu que Breuer utilizou o cantiléver não por sua elasticidade, mas por ser uma novidade. A mente do engenheiro é mais puritana, e em geral se afasta das novidades. Entretanto, o trabalho do engenheiro às vezes chama a atenção. Os engenheiros suíços, por exemplo, estão entre os maiores construtores de torres. Robert Maillart (1872-1940) foi o primeiro projetista a tratar o concreto armado como material de construção e não apenas como mero substituto da alvenaria. Nos 20 anos que se seguiram à Primeira Guerra Mundial, Maillart projetou uma série de pontes, das quais as duas mais notáveis são as de Salginatobel e Schwandbach, na Suíça. Sobre esta última, David Rillington, um historiador da Universidade de Princeton, escreveu: "Trata-se, inegavelmente, de uma obra do homem, e não da natureza. Brota não de qualquer forma orgânica, natural, mas da imaginação de um engenheiro. Expressa o ideal de gasto mínimo de material e verba. Ninguém antes ou desde então jamais projetou uma obra como essa." Outro engenheiro suíço excepcional foi Othman Ammann (1879-1965). Embora fosse suíço na origem e na formação, a carreira de Ammann desenvolveu-se nos Estados Unidos, onde ele foi um dos principais expoentes da ponte de grande vão, rivalizado apenas pelo nova-iorquino David Steinman (1886-1960). A rivalidade entre eles era intensa, e suas relações nunca foram cordiais. Eles foram, no entanto, os maiores engenheiros de pontes da primeira metade do século XX. Entre os trabalhos destacados assinados por Ammann estão a ponte de Verrazano-Narrows, de acesso ao porto de Nova York, sua última e maior obra. Com um vão principal, de 1,3 mil metros, esta ponte foi, por certo período, a mais extensa de seu gênero no mundo. Steinman foi o mais requintado dos dois. Sua ponte de St Johns, em Oregon, até certo ponto realiza esse ideal, mas seu impulso de acrescentar arabescos góticos nem sempre era controlável. Pouca, depois da Segunda Guerra Mundial, a influência dos projetos de pontes de grandes vãos atravessou o Atlântico e chegou à Grã-Bretanha, onde o piais destacado escritório de projeto foi a Freeman Fox and Partners (FFP). Ultimamente, a fama da FFP em projetos do gênero tem sido ameaçada pela Mott Mac-Donald, empresa de engenheiros que projetaram a ponte de acesso ao aeroporto de Hong Kong. Outro grande nome é o de Ove Arup (1895-1988), que nasceu em Newcastle, Inglaterra, onde seu pai era um funcionário consular. Ele trabalhou em construções por empreitada, e adquiriu interesse pelo desenvolvimento de materiais, particularmente o concreto. Arup diz ter-se encaminhado para a engenharia quando percebeu que seu talento, em sua modesta auto-avaliação, não prestava para a arquitetura. E permaneceu um arquiteto "frustrado", um aspecto do qual emergiu um desejo de unir a arquitetura e a engenharia para formar o que denominou a "arquitetura total". À medida que se desenvolveu, a empresa de Arup demonstrou que a engenharia é muito mais do que uma serviçal da arquitetura. O papel que ela desempenhou em prédios como a Sidney Opera House e o Centro Pompidou pode até ter sido maior do que a da arquitetura. Os dois prédios envolveram dois engenheiros de Arup, que, 150 anos antes, teriam se tornado mitos por seu próprio mérito: Ted Happold (1930-96) e Peter Rice (1935-92). O projeto do arquiteto Jorn Utzon para a Sidney Opera House mostrou-se inexeqüível. A geometria dos tetos em forma de concha não era uniforme, e construí-los com precisão teria sido muito difícil. Finalmente, a empresa de Arup desenvolveu o formato de teto, e funcionou. A idéia de participar da concorrência para construção do Centro Pompidou surgiu na mente fértil de Happold, e ele convenceu Arup a entrar. A idéia era criar um palácio de diversões com pavimentos móveis e vastos "outdoors" na fachada. Ele nunca ficou bem assim, e Happold acabou dizendo que achava que o prédio era "estruturalmente imoral". No entanto, o Centro Pompidou continua um sucesso singular, ernbora polêmico. Mas o papel desempenhado pelos engenheiros no prédio foi vergonhosamente subestimado. Ove Arup ocupa o ponto alto da engenharia do século XX, mas não está sozinho. Pier Luigi Nervi (1891-1979), Felix Candeia (1910-98) e Eduardo Torroja (1899-1961) estão a seu lado. Esses três foram artistas na utilização do concreto, e criaram novas formas e novos usos para antigas formas. O italiano Nervi foi o que mais aproximou a engenharia da arte. Desconfiado da complexa análise matemática - que, acreditava, impedia engenheiros inexperientes de usar sua intuição -, ele produziu algumas obras de raríssima beleza, como as superfícies estriadas sobre os tetos das abóbadas de concreto que ele projetou para dois estádios esportivos em Roma. O espanhol Torroja era um professor de engenharia e um projetista. Foi influenciado por Gaudi e tentou traduzir as requintadas formas de alvenaria do arquiteto catalão para o concreto. Trabalhando nas décadas de 1920 e 1930, Torroja criou um sistema de construir abóbadas reforçadas em "curva dupla", sendo um notável exemplo disso a cobertura da tribuna de honra em cantiléver do hipódromo de Madri. O último desse trio foi Candeia, um homem de talento incomum. Ele não foi apenas um arquiteto antes de se tornar engenheiro, foi também um esquiador campeão e um notável jogador de rugby. Por ter lutado do lado dos republicanos na Guerra Civil Espanhola, foi obrigado a deixar a Espanha logo em seguida, e acabou indo parar no México, onde encerrou seu aprendizado trabalhando com um irmão arquiteto. Foi nessa época que ele resgatou um antigo interesse pelas finas conchas de concreto, sua especialidade. Em 1955, construiu a notável Igreja de Nossa Senhora dos Milagres, em Narvarte, México, que introduziu uma maneira completamente nova de construir, na qual as linhas parabólicas formam a estrutura, as paredes e o teto. Candeia disse uma vez que o projeto "era feito numa tarde, desenhado em croqui numa semana e calculado durante a construção". Além de pontes, projetos pesados de engenharia civil e das proezas em concreto de engenheiros como Nervi, as óbvias façanhas de engenharia deste século são os arranha-céus. Seu principal expoente foi Fazlur Khan (1929-82), engenheiro e sócio de uma das maiores empresas americanas de arquitetura - a Skidmore, Owings and Merrill. Com Bruce Graham como arquiteto, Khan projetou o Centro John Hancock e a Torre da Sears, ambos em Chicago. Com 110 andares, a Torre da Sears foi na época o prédio mais alto do mundo. Ambos prédios foram estruturalmente inovadores e essencialmente estruturados por engenheiros, e não por arquitetos. E ambos refletiram a fidelidade de Khan a um conceito que nos últimos tempos caiu em desgraça - o de que os prédios altos liberam áreas no nível do solo para praças, fontes, galerias e outras obras públicas de finalidade recreativa. Até agora, todos os engenheiros mencionados já morreram, embora alguns deles apenas recentemente. Será que não há grandes expoentes ainda vivos? Bem, pode ser que sim, mas a maioria deles ainda não deixou uma marca indelével. Um que deve estar quase chegando lá é Santiago Calatrava, outro espanhol influenciado por Gaudi. Calatrava começou como arquiteto antes de estudar engenharia em Zurique, na década de 70. "Eu não era muito brilhante na análise de estruturas", diz ele, "mas era o mais hábil em sua visualização". Essas características ele compartilha com seus conterrâneos espanhóis, Torroja e Candeia, bem como com Maillart. Calatrava parece obcecado com o esqueleto de cachorro que ele mantém em seu escritório, e que parece ter acrescentado uma nova dimensão à sua obra - na qual é sempre difícil entender o fluxo de forças. Às vezes, como na estação ferroviária de TGV perto do aeroporto de Lyon, as cargas nunca parecem sequer chegar ao solo. Isso, naturalmente, não é verdade, mas a trajetória tortuosa que elas descrevem é irracional. No entanto, o prédio, com seu teto alado de aço e vidro, é notável. Calatrava é um dos que acredita que "o concreto é provavelmente o mais nobre material de construção que existe". Se os engenheiros não se sentem reconhecidos e amados, o que se pode fazer a respeito? Para começar, eles podem gritar mais alto do que gritam e tentar seguir o exemplo dos arquitetos nesse particular. E, na Grã-Bretanha, pelo menos, existe uma maneira ainda melhor. A Lei de Direitos Autorais de 1988 inclui uma medida chamada "direito moral". Ela dá ao "autor" de um prédio ou estrutura, seja ele um arquiteto ou um engenheiro, o direito de afirmar que ele é o "autor" e a ser reconhecido como tal toda vez que o prédio ou estrutura for mencionado em público por qualquer meio. Basta que ele faça essa afirmação e se mantenha atento para assegurar que lhe seja atribuído o devido crédito. Se os engenheiros fossem mais cuidadosos nesse aspecto, eles poderiam encontrar o lugar que perderam e pelo qual ainda anseiam, principalmente no reconhecimento do público. LEIGOS EM BUSCA DE ALGUMA LUZ The Economist Apesar do aumento do consumo de livros sobre ciência, leitores são incapazes de compreender questões básicas Primeiro, algumas perguntas. O que é menor, um elétron ou um átomo? O que viaja a uma velocidade maior, a luz ou o som? Agora, uma difícil: a Terra gira ao redor do Sol ou o Sol ao redor da Terra? Quanto tempo leva esse movimento? Se você errou as respostas, não se preocupe, você não está só. As pesquisas anuais feitas pela Fundação Nacional da Ciência (FNC) mostram que menos da metade dos americanos sabe que os elétrons são menores do que os átomos ou que a Terra dá uma volta completa ao redor do Sol em um ano. De modo geral, as pessoas desconhecem totalmente os fatos científicos mais básicos e permanecem nesse estado com grande, obstinação. A percentagem dos americanos que acerta as perguntas básicas sobre ciência aumentou pouco em dez anos, embora, nesse mesmo período, elas tenham adquirido livros de ciência como nunca. O apetite do público por livros sobre ciência foi alimentado pelos próprios cientistas, que produziram livros capazes de explicar as teorias mais tortuosas com elegância e humor. Então por que tantas pessoas ainda acham que o Sol gira ao redor da Terra? O aumento nas vendas de livros sobre ciência é como uma onda, diz Nigel Calder, escritor da área. Em 1930, J.B.S. Haldane, Lancelot Hogben e Julian Huxley eram tão famosos quanto Richard Dawkins, Stephen Jay Gould e Stephen Hawking. Alguns eram socialistas científicos inspirados pela jovem União Soviética, que acreditavam na capacidade da ciência de criar um mundo melhor. Ao contrário deles, a nova onda não está se esforçando para falar às massas sobre uma nova utopia. Em vez disso, acha John Brockman, agente literário de diversos cientistas em Nova York, os cientistas hoje dirigem suas obras uns aos outros. À medida que a ciência se especializa, as perguntas mais interessantes atravessam cada vez mais os limites das disciplinas, tornando difícil sua discussão em publicações tradicionais. Um livro como "Consciousness Explained" ("Consciência Explicada"), de Daniel Dennett, ou "How the Mind Works" ("Como a Mente Funciona"), de Steven Pinker, fala a psicólogos, neurocientistas, cientistas de computação e filósofos. Quantos deles compram esses livros, ninguém sabe. Mas o fato de os autores usarem esses títulos "não científicos" é um indício do mercado que eles têm em mente - "pessoas que compram um número de livros todos os anos com base na importância percebida no título". É assim que eles são descritos por Ravi Mirchandani, um ex-editor de livros científicos da fenguin, que publica obras de muitos dos melhores clientes de Brockman. Não é de estranhar que os best-sellers de ciência são restritos a campos como neurociência, caos ou cosmologia, assuntos que questionam temas filosóficos antigos. A ciência está sendo vista como a nova aspirante à sabedoria, e seus praticantes mais bem relacionados com a mídia como os novos intelectuais públicos. Isso se deve ao fato de que os antigos aspirantes perderam seu fascínio. Em parte, porque a ciência obteve progresso tangível. Um motivo alegado por Pinker para escrever seu livro é que os recentes avanços transformaram muitos mistérios sobre a mente em meras equações. Isso permite que muito seja escrito a respeito - não apenas coisas interessantes a serem explicadas mas também contar histórias sobre como elas foram descobertas e especulações sobre o que os cientistas fazem com as respostas finais, quando as encontram. Mas porque a sabedoria dos leitores também não está aumentando? Um bom motivo é que o mercado para tais livros ainda permanece relativamente pequeno. Mas mesmo para os que fazem o esforço, ler um livro cheio de idéias sutis e não familiares é um pouco parecido com ser alvejado por uma torta no rosto: os poucos pedaços que grudam podem não parecer muito com o original. O livro "Caos", de James Gleick, é bastante claro, mas muitos leitores ficaram com pouco mais do que a impressão de que uma borboleta batendo as asas em Miami pode causar uma tempestade meses depois em Nova York. Bruce Lewenstein, que edita a publicação "Public Understanding of Science", afirma que quando pede aos estudantes que façam uma resenha de um livro popular de ciência, ele percebe que mesmo aqueles que possuem diploma em uma disciplina científica podem não entender o livro. Se as pessoas quiserem aprender genética de modo distorcido, "Parque Jurássico" é uma maneira muito mais eficaz de ensiná-la do que o livro "The Selfish Gene", de Richard Dawkins. Talvez devido a isso, algumas pessoas consideram os livros populares um modo de dar aos seus autores credibilidade para explicar temas polêmicos na TV, que agitam o público. São esses programas, e não os livros, que aumentam o entendimento sobre a ciência. Entretanto, outra tendência reconhecida é o aumento de livros sobre misticismo e ocultismo. Livros de ciência como "Uma Breve História do Tempo", de Stephen Hawking, e "The God Particle", de Leon Lederman, uniram essas duas tendências e seus autores admitiram que inserir a divindade era um bom método de vendas. Mas isso também mostra que os livros de ciência estão vendendo bem, não porque o.público está se voltando para a racionalidade, mas porque ele agarra qualquer coisa que dê a promessa de iluminação. E depois a abandona quando a moda se desgasta.