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Nexo Jornal

Quais os limites da transformação de demandas da sociedade civil em políticas públicas, no Brasil (1 notícias)

Publicado em 01 de agosto de 2024

Dissertação

Os limites da institucionalização: o status quo hermético em ação no Plano Juventude Viva e no Programa Cultura Viva

Autora

Victoria Lustosa Braga

Orientador

Adrian Gurza Lavalle

Área e sub-área

Direito e desenvolvimento, Direito constitucional

Defendido em

Universidade de São Paulo, Programa de Pós-Graduação em Ciência Política em 14/12/2023

1 A QUAL PERGUNTA A PESQUISA RESPONDE ?

2 POR QUE ISSO É RELEVANTE?

3 RESUMO DA PESQUISA

4 QUAIS FORAM AS CONCLUSÕES?

5 QUEM DEVERIA CONHECER SEUS RESULTADOS?

6 REFERÊNCIAS

As interações entre atores do Estado e da sociedade civil no Brasil têm recebido atenção especial da literatura, sobretudo desde a Constituinte. Essas interações socioestatais podem resultar em processos de institucionalização, isto é, na transformação de demandas, interesses e recursos de movimentos sociais e organizações da sociedade civil em instituições ou, mais precisamente, em políticas públicas (Gurza Lavalle et al., 2019).

Essa dissertação, defendida no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade de São Paulo, analisou dois processos de institucionalização de demandas de atores oriundos da sociedade civil. O primeiro está associado a luta contra o genocídio da juventude negra e resultou no Plano Juventude Viva (2012). O segundo se trata de uma política pública que incentivou a articulação de atores sociais, o Programa Cultura Viva (2004).

Para analisar ambos os programas utilizamos a noção de status quo setorial hermético, que permite compreender os limites enfrentados em processos de institucionalização que envolvem reformas de políticas públicas, no nosso caso, reformas relacionadas a demandas e atores que têm posições periféricas no sistema político.

1 A QUAL PERGUNTA A PESQUISA RESPONDE?

Por que, apesar de se realizarem em condições compreendidas pela literatura como favoráveis, algumas trajetórias de institucionalização são marcadas por entraves e limites que restringem seus alcances e efeitos?

Nas trajetórias do Plano Juventude Viva e do Programa Cultura Viva, as instituições participativas foram centrais, houve apoio de atores estatais e os atores coletivos articularam pontos de acesso no Estado, aqui compreendidos como encaixes. Os encaixes são sedimentações institucionais que resultam dos processos de interação entre sociedade e Estado e ganham vida própria (podem ser leis, programas, órgãos, etc), favorecendo a seletividade das instituições em benefício de determinados atores sociais. Ainda assim, ambas as trajetórias enfrentaram limites associados a uma incompatibilidade entre as características do Juventude Viva e do Cultura Viva e as características dos setores de política nos quais os programas estavam inseridos. Tais características são analisadas através da ideia de status quo hermético, uma configuração setorial que opera de modo fechado, resistindo a mudanças e impossibilitando a institucionalização ampla de programas que divergem dessa estrutura.

2 POR QUE ISSO É RELEVANTE?

Primeiro, em relação ao conhecimento acumulado e sintetizado no plano da teoria, apesar dos avanços da literatura sobre institucionalização e interações socioestatais, as trajetórias de transformação de demandas sociais que não ocorrem de modo linear ou incremental, mas são caracterizadas por limites e entraves aos interesses dos atores sociais, ainda não encontram tratamento adequado. Nesse sentido, a pesquisa traz contribuições teóricas na medida em que permite avançar no conhecimento sobre trajetórias de institucionalização que podem ser compreendidas como limitadas do ponto de vista da atuação dos atores sociais e de seus efeitos.

No plano empírico, a reconstrução de ambas as trajetórias contribui para o conhecimento já produzido sobre o Plano Juventude Viva e o Programa Cultura Viva, as interações entre atores sociais e estatais que marcaram os dois processos, os principais avanços e características dos programas e, principalmente, sobre os conflitos que revelam a complexidade das interações socioestatais e a dificuldade de institucionalizar demandas relacionadas a grupos que ocupam posições periféricas no sistema político. Considerando a importância desses programas para grupos historicamente marginalizados e majoritariamente localizados nas periferias brasileiras, essa contribuição empírica é fundamental.

3 RESUMO DA PESQUISA

A literatura sobre institucionalização assume que processos de transformação de demandas da sociedade civil em políticas públicas que ocorrem em níveis superiores da estrutura administrativa do Estado (como em Ministérios, no caso do governo federal) e com ampla articulação de encaixes, tendem a ser bem-sucedidos. Porém, alguns casos desviam desse padrão. Essa dissertação analisou dois processos de institucionalização que, apesar da diversidade de sedimentações institucionais construídas e das condições favoráveis ao seu desenvolvimento, podem ser considerados limitados do ponto de vista de seus alcances e efeitos. Trata-se do Plano Juventude Viva e do Programa Cultura Viva, iniciativas direcionadas a territórios periféricos e focados em demandas de atores marginalizados, o primeiro com origem em demandas de movimentos sociais e o segundo com protagonismo inicial de atores estatais na ascensão da agenda.

As duas trajetórias ocorreram no governo federal, com implementação descentralizada para o nível subnacional e com estruturas participativas amplas e inovadoras, mas podem ser consideradas casos de institucionalização limitada. A partir da reconstrução das trajetórias de interações socioestatais e de produção desses programas, busca-se iluminar como os processos de institucionalização podem ser limitados por características estruturais dos setores de políticas públicas que formam configurações resistentes à mudança, compreendidas através do conceito de status quo hermético. Argumentamos que o status quo setorial hermético impossibilita a institucionalização ampla e bem-sucedida de determinados programas e demandas incompatíveis com tais características estruturais. A pesquisa foi realizada através da comparação dos casos, baseada em entrevistas e em análise documental.

4 QUAIS FORAM AS CONCLUSÕES

A comparação ilumina como a sociedade civil pode incidir sobre a produção de políticas públicas e como as políticas públicas também podem influenciar a organização de atores coletivos. Mesmo em condições favoráveis, com uma variedade de encaixes, os processos de institucionalização podem ser limitados. Tal limitação está associada a uma incompatibilidade entre as demandas sociais, as reformas necessárias e as características estruturais do setor responsável pela agenda em questão e se intensifica quando há um status quo hermético que impõe entraves à ascensão de programas que divergem de seus atributos centrais. Esse status quo setorial é composto por dimensões relacionadas ao paradigma e estrutura da política, aos atores e interesses internos e externos ao status quo, aos fatores conjunturais e à arena pública.

As semelhanças e diferenças entre os casos contribuem para avançar no debate sobre institucionalização. A análise das trajetórias evidencia como os processos de institucionalização do Juventude Viva e do Cultura enfrentaram obstáculos relacionados a características setoriais, como a fragilidade institucional dos setores de juventude e igualdade racial no primeiro caso, e à falta de capacidades técnico-administrativas no segundo. Porém, foram principalmente os entraves impostos pelo status quo hermético do setor de segurança pública e do setor de cultura que limitaram ambos os processos de institucionalização. Em confluência com outros estudos, a pesquisa argumenta que alguns programas e políticas públicas dependem de reformas setoriais abrangentes que envolvem mudanças de paradigma, de objetivos e de instrumentos da política (Hall, 1993; Mayka, 2019). Ainda assim, é importante ressaltar que nos dois casos houve avanços de relevância política e institucional.

5 QUEM DEVERIA CONHECER SEUS RESULTADOS?

Os resultados interessam a diferentes públicos. Primeiro, são relevantes para leitores do Nexo interessados em conhecer mais sobre como a sociedade civil pode influenciar diretamente a produção de políticas públicas e sobre como políticas de prevenção à violência contra a juventude negra e de fomento à cultura produzida nos territórios têm sido debatidas e formuladas.

A profundidade das descrições das trajetórias do Juventude Viva e do Cultura Viva também pode interessar a gestores, estudiosos, movimentos sociais e organizações da sociedade civil relacionadas a esses programas. Apesar de terem sido descontinuados nas últimas gestões do governo federal, ambos voltaram a compor a agenda em 2023. Ao conhecer e explicitar parte dos entraves que limitaram os efeitos do Plano Juventude Viva (hoje Plano Juventude Negra Viva) e do Programa Cultura Viva, é possível tentar articular ações que visem superá-los, e, consequentemente, ampliem a possibilidade de incidência dos atores sociais e a capacidade de atender os objetivos iniciais de cada programa.

Por fim, essa dissertação pode ser relevante para pesquisadores que estudam, com diferentes focos, temas relacionados a interações socioestatais, participação e institucionalização. A análise das trajetórias do Plano Juventude Viva e do Programa Cultura Viva possibilita compreender a complexidade das interações entre atores societais e estatais, o peso dos conflitos presentes em processos de institucionalização e os limites e entraves que dificultam a transformação de demandas e interesses societais em políticas públicas.

6 REFERÊNCIAS

Braga, Victoria. Os limites da institucionalização: o status quo hermético em ação no plano Juventude Viva e no programa Cultura Viva. Dissertação (Mestrado em Ciência Política). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2024.

Gurza Lavalle, Adrian; Carlos, Euzeneia; Dowbor, Monika; Szwako, José (Org.). Movimentos sociais e institucionalização: políticas sociais, raça e gênero no Brasil pós‐transição. Rio de Janeiro: Eduerj, 2019.

Hall, Peter. Policy paradigms, social learning, and the state: The case of economic policymaking in Britain. Comparative Politics, v. 25, n. 3, p. 275-296. 1993.

Mayka, Lindsay. Building participatory institutions in Latin America: reform coalitions and institutional change. Cambridge: Cambridge University Press, 2019.

Victoria Lustosa Braga é doutoranda e mestre em Ciência Política pela USP (Universidade de São Paulo), além de bacharel em Gestão de Políticas Públicas pela mesma universidade. É pesquisadora júnior no CEM (Centro de Estudos da Metrópole), no NDAC/CEBRAP (Núcleo Democracia e Ação Coletiva do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) e no INCT Participa (INCT Transformações da Participação, do Associativismo e do Confronto Político). É também consultora e pesquisadora do Projeto Reconexão Periferias, da Fundação Perseu Abramo.

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