Notícia

Jornal do Brasil

Publicações universitárias

Publicado em 30 março 1996

Por LUIZ COSTA LIMA
O crescimento das editoras universitárias traz consigo uma questão que deveria interessar sociólogos e economistas: sendo contemporâneo à baixa do consumo de livros, acusada mesmo na Europa, e não sendo razoável explicá-lo por efeito de algum anjo filantrópico, como se justificaria o incentivo de uma área de produção onde, precisamente, passa a haver menos consumo? Não seria de considerar-se que, dentro do capitalismo avançado, se estabelece uma sensibilidade diferencial quanto à exigência básica do lucro? Sensibilidade diferencial antes significa que o sistema reconhece que, para manter-se a própria qualidade de vida sob ele, é preciso que certas áreas sejam subtraídas do espírito do maior ganho possível. Qualquer que seja a validade da especulação, ela não poderia ser automaticamente transposta para nosso caso. E não por efeito de alguma razão econômica mas sim cultural: com exceção da Universidade de São Paulo, não se criou no Brasil um vínculo dinâmico entre as instituições universitárias e a sociedade. Daí as greves e paralisações sequer noticiadas. Quando falo em ausência de vínculo dinâmico não penso no povão, cujas carências são imediatamente muito anteriores aos possíveis efeitos da ação universitária. Refiro-me às chamadas elites. Para os economicamente bem situados, a universidade brasileira é, quando visível, apenas um trampolim; os mecanismos de bolsas de estudo para o estrangeiro a substituem com vantagens sociopsicológicas evidentes. São consideráveis apenas os cursos cuja conclusão permita o candidatar-se a uma bolsa pós-alguma coisa. E, contudo, a diferença não impede que, mesmo entre nós, haja um certo crescimento das editoras universitárias. O fenômeno não é sequer dos últimos anos. Muito antes que a Editora da USP se destacasse, a da Universidade de Brasília teve tamanho surto que chegou a provocar carta de protesto de um editor privado. Embora não saiba se a retração da UNB esteve relacionada com pressões universitárias sejam menos de ordem técnica - fluidez de capital, parque gráfico apropriado, distribuição - quanto de ordem cultural (o peso do critério político-clientelístico, o inferno criado pela burocracia). Por este fator, equipes e títulos selecionados não são escolhidos apenas em função da qualidade. Daí a não reedição de obras importantes e a incidência de erros grosseiros. Tradução recentíssima, por exemplo, concede ao sociólogo Ludwing Gumplowicz, decisivo na construção do argumento de Os Sertões, o sobrenome de "Pole" - "As teorias racistas de Pole Ludwig Gumplowicz", simplesmente porque era ele de origem polonesa. Em vez de estender-me sobre generalidades, é preferível que me detenha em um empreendimento pouco divulgado. Por iniciativa de alunos de pós-graduação em literatura na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, vem sendo publicada, desde 1992, uma coleção discretamente intitulada Cadernos de pós-graduação. A modéstia é aqui de extremo bom-tom: depende do exclusivo trabalho dos alunos, em papel barato, sem composição tipográfica, apenas com um computador, uma copiadora e o tempo ocioso da gráfica universitária, a coleção se destina, fundamentalmente, a circular entre alunos e professores. Em uma disposição modesta, a coleção tem acolhido alguns textos básicos da reflexão teórica contemporânea, traduzidos por alunos e professores, que não ganham senão o prazer de romper com a pasmaceira e a mediocridade. Já o primeiro número apresentava um texto de Walter Benjamin, "A tarefa do tradutor", antes inexistente em português - e mal traduzido para o francês. Produto do trabalho final de um seminário dado pelo pesquisador berlinense, Karlheinz Barck, "A tarefa" é o resultado do esforço de uma equipe anônima de tradutores, sob a direção de Barck. No momento em que escrevo, circulam 16 números. Entre eles, textos de Peter Szondi, outros mais de Benjamin, de H.U. Gumbrecht, de W. Krysinski, de W. Godzich, de P. Fabri, Bernd Witte etc. Mantendo em princípio o critério de acolher inéditos em português, a coleção tem primado pela qualidade dos títulos. Chamo particularmente a atenção para o texto de Szondi, "Ensaios sobre o trágico". Considerado um dos poucos realmente grandes teóricos contemporâneos e um dos raros descendentes da Escola de Frankfurt, Szondi, embora - bem divulgado em francês, italiano e inglês, nunca foi publicado em português. Por colaboração de Kathrin Rosenfield, da Universidade do Rio Grande do Sul, os cadernos de números 11 e 12 contêm uma seleção de textos de Szondi sobre a questão do trágico em Schelling, Hölderlin, Hegel e Benjamin. A importância da seleção não se resume à questão da língua: ela ajuda a romper o preconceito de que os estudos, enquanto literários, deverão ser... fluentes e fáceis. A divulgação de Joyce e Gadda, de Mallarmé e Jabes já neutralizará a suposta acessibilidade que deveria ser inerente ao texto literário. Mas quanto ao texto teórico ela é a todo instante reafirmada. A impecável tradução de Rosenfield mostra o absurdo da presunção. Os méritos da coleção não se limitam contudo aos textos traduzidos. Além de artigo da própria Rosenfield, destaca-se a redescoberta de ensaio de Vilem Flusser sobre Kafka. Flusser, um tcheco que viveu em São Paulo desde os anos da guerra a meados da década de 1960, tornou-se no Brasil um desconhecido. O resgate de seu "Esperando por Kafka", no momento em que começamos a contar com as boas traduções de Kafka por Modesto Carone, poderia talvez interessar algum editor na tradução de suas memórias, Bodenlos (Sem chão) (1992), em sua maior parte, dedicadas ao Brasil, aos dilemas que via como nossos, a escritores e pensadores com que aqui conviveu. Luiz Costa Lima se reveza neste espaço com Silviano Santiago, Alfredo Bosi e Flora Süssekind