Há agravamento de sintomas em pessoas que sofreram transtorno mental anterior
Além de desconfortos físicos, a Covid-19 pode desencadear problemas emocionais para quem foi acometido pela doença. Os sintomas podem se agravar quando não são tratados com acompanhamento de um especialista.
“Em um processo pandêmico, existe um estresse vivenciado e pode ser agravado com o diagnóstico da doença. Esse estresse pode provocar algumas alterações psiquiátricas e neurológicas, principalmente nos casos mais graves da doença. Apesar de ainda não termos evidencias identificadas concluídas sobre esse impacto da Covid-19 no desenvolvimento de transtorno mentais, é possível observar que muitos pacientes apresentam algumas alterações relacionadas ao desenvolvimento de comportamento ansioso-depressivo, e alterações de psicótico-maníaco”, explica a psicóloga Silvia Helena.
A profissional diz quais as sequelas psiquiátricas mais comuns. “As alterações neurológicas apresentam dificuldades em processamento de informações, lentidão, falta de atenção, raciocínio mais lento, falta de memória e hiper vigilância. Onde há um estranhamento do indivíduo nesse novo comportamento, levando-o a se questionar e desenvolver uma depressão menor (distimia). Por ter vivido um momento de estresse, medo e ansiedade os indivíduos que passaram pela corona vírus em casos até mais leve apresentaram alguma alteração ou patologia.”
Silvia Helena alerta que há agravamento de sintomas no caso de pessoas que sofreram anteriormente com transtornos mentais. “Em relação aos pacientes que já apresentavam algum transtorno mental antes de serem acometidos pelo coronavírus, pode acontecer do agravamento do quadro de saúde mental ou o surgimento de um novo transtorno. Vale lembrar que todo agravamento ou surgimento de sintomas atípicos depois de uma infecção pelo coronavírus merece atenção e cuidados.”
A especialista dá dicas para aqueles que têm dificuldade na recuperação física ou mental após contrair a doença. “Alguns pacientes desenvolvem dificuldades na recuperação, seja física ou mental, e para isso necessitam de ajuda profissional e especializada para a reabilitação na sua vida funcional e social. Uma dica infalível, não se autodiagnosticar, mas procurar ajuda, fazer exercícios físicos, manter a fé em dia, rotina saudável, cultuar a família com cuidados e segurança.”
Silvia alerta que depressão e afastamento social são comportamentos comuns para aqueles que perderam um ente querido para a Covid-19. “A pandemia mudou nossa forma de relacionamentos com a vida e, principalmente, como vemos a morte. Nessa situação estivemos muito próximo dessa relação vida-morte, muitos não puderam estar perto, se despedir de seus familiares e afetos que adoeceram e foram a óbito pela doença e muitos nem foram permitidos a cumprir com os rituais funerário, por exemplo. E assim os padrões foram quebrados e uma lacuna se tornou um gatilho de um luto complicado. Todo processo de luto tem um tempo para ser elaborado e aceitado, porém o luto complicado pode aparecer com sintomas de depressão, hostilidade com os demais, revolta, afastamento social e alguns comportamentos prejudiciais na vida profissional, e pessoal do enlutado.”
A psicóloga orienta que os familiares e amigos também podem contribuir e ajudar o enlutado com uma acolhida, afago e companhia. “Quando estamos diante de um enlutado devemos ter muito cuidado com as palavras. É importante deixar a pessoa chorar, vivenciar a dor, soltar as emoções, pois aquilo que fica guardado, reservado no inconsciente, pode trazer um sofrimento muito maior posteriormente. Na dúvida do que dizer, não diga nada, apenas o abrace e mostre solidariedade a dor que ele sente. Porém a escuta, saber ouvir é uma arte, e a escuta atenta e ativa exige que a pessoa se livre dos seus próprios achismos, principalmente no que diz respeito a morte e as crenças sobre vida e morte. Para ouvir e acolher sentimentos de um enlutado faz-se necessário respeitá-lo no seu sofrimento, e não impor ideias para que se desvie do assunto, pois o indivíduo necessita falar sobre a pessoa que faleceu e isso pode ser importante no momento de dor.”
Ela finaliza destacando a importância de um acompanhamento profissional. “Na maioria dos casos faz necessário uma intervenção psicológica, um profissional da saúde mental, para amenizar essa dor e levar a pessoa enlutada a aceitação e a elaboração do luto complicado.”
ESTUDO COMPROVA
Em estudo feito com 425 pacientes que se recuperaram das formas moderada e grave da Covid-19, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) observaram alta prevalência de déficits cognitivos e transtornos psiquiátricos. As avaliações foram conduzidas no Hospital das Clínicas entre seis e nove meses após a alta hospitalar.
Mais da metade (51,1%) dos participantes relatou ter percebido declínio da memória após a infecção e outros 13,6% desenvolveram transtorno de estresse pós-traumático.
O transtorno de ansiedade generalizada foi diagnosticado em 15,5% dos voluntários, sendo que em 8,14% deles o problema surgiu após a doença. Já o diagnóstico de depressão foi estabelecido para 8% dos pacientes – em 2,5% deles somente após a internação.
Os resultados completos da pesquisa, que contou com apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), foram divulgados na revista General Hospital Psychiatry.
Myllaynne LimaDa
Reportagem Local
Publicado em 14/02/2022