Mais da metade de todas as espécies animais conhecidas são insetos. Mas como espécies com um sistema imune tão pouco desenvolvido - principalmente se comparado aos mamíferos - evoluíram ao longo de 350 milhões de anos e sobrevivem hoje nos mais diversos ambientes do planeta, até nos mais hostis?
Estudos indicam que o segredo está em substâncias presentes na hemolinfa, o fluido que exerce a função de sangue nos insetos. Trata-se, no geral, de substâncias que, nesses animais, têm a capacidade de combater vírus, bactérias e fungos. Tem, portanto, potencial para reduzir a ação dos microrganismos em humanos. Conhecer essas substâncias e seu mecanismo de ação é um grande passo para o desenvolvimento de medicamentos.
Pesquisadores do Instituto Butantan, em São Paulo, têm identificado substâncias promissoras em lagartas. "Há muito se produz substâncias antivirais originárias de organismos e produtos animais ou vegetais, como ouriço-do-mar e própolis. Mas pouco se investiga em insetos, e menos ainda em lagartas", disse à Agência FAPESP o virologista Ronaldo Zucatelli Mendonça, responsável pela pesquisa "Bioprospecção de proteínas de interesse farmacológico e biotecnológico na hemolinfa de lagartas da família Megalopygidae", que conta com apoio da FAPESP.
A equipe de Mendonça encontrou substâncias de alta potência antiviral em lagartas da família Megalopygidae. "Ainda não sabemos exatamente a composição química dessa substância", disse. "No entanto, ela já demonstrou ter ação inequívoca: tornou 2 mil vezes menor a replicação do picornavírus (parente do vírus da poliomielite) e 750 vezes menor a do vírus do sarampo, além de ter neutralizado o vírus da influenza H1N1."
Segundo o coordenador da pesquisa, esses dados são preliminares. "Até a conclusão do trabalho, podemos chegar a uma redução ainda maior", disse.
O estudo com a Megalopygidae dá sequência a uma pesquisa anterior, na qual a equipe isolou e purificou uma proteína em outra lagarta, da família Saturniidae, a Lonomia obliqua.
A proteína encontrada na Lonomia tornou a replicação do vírus da herpes 1 milhão de vezes menor e a replicação do vírus da rubéola, 10 mil vezes menor. O trabalho foi publicado na revista Antiviral Research, em 2012.
As duas pesquisas, sobre a Lonomia e sobre as lagartas da família Megalopygidae, têm foco em substâncias que apresentam duas propriedades específicas: ação apoptótica e antiviral. A primeira promove a apoptose (morte celular programada ou desencadeada para eliminar de forma rápida células desnecessárias ou danificadas), um processo importante no mecanismo para controle do câncer. O foco atual da pesquisa com as lagartas Megalopygidae é sua ação antiviral.
As proteínas em estudo são produzidas pela tecnologia de DNA recombinante. O gene codificador da proteína é extraído da hemolinfa, clonado em um baculovírus (vírus que ataca insetos). Depois, é replicado em células de insetos, que, por sua vez, produzem as proteínas de defesa (as chamadas proteínas recombinantes) em grande quantidade.
"A principal vantagem em produzir a proteína recombinante é que isso torna possível a extração da substância de maneira mais simples e em maior escala", comentou Mendonça. "Antes de chegar à indústria, porém, é preciso verificar sua ação em organismos, em testes in vivo, e avaliar sua viabilidade econômica".
As lagartas estudadas pela equipe de Mendonça estão entre as taturanas urticantes que fazem mal ao homem. Suas cerdas liberam veneno capaz de levar à morte. A escolha delas para as duas pesquisas se deveu ao acúmulo de centenas de carcaças desses insetos no Instituto Butantan, que sobram depois da retirada do veneno para a produção de soro contra queimaduras. É dessas carcaças que é retirada a hemolinfa, de onde se extrai o gene codificante das substâncias de defesa.
A família Megalopygidae engloba mais de 200 espécies, entre elas a Megalopyge lanata, chamada lagarta-do-cartucho, cuja mariposa ataca as culturas de milho no Brasil, e a Megalopyde albicollis, a lagarta-de-fogo.
Segundo Mendonça, os estudos com a Lonomia e com as lagartas da família Megalopygidae constituem uma porta para outras pesquisas de grande relevância. "O Brasil tem uma megabiodiversidade em insetos. E todos podem ter substâncias desse tipo, de ação até maior do que as encontradas até agora", disse o pesquisador, que realizou três pós-doutorados com bolsa FAPESP, dois em Portugal e um no México.
Fonte: Agência FAPESP