Todos os países que obtiveram êxito em conter a pandemia o fizeram de forma parecida, os que fracassaram cometeram erros, cada um à sua maneira. Essa é a conclusão de “ Corona virus Politics: The compara tive Polí tics and Policy of COVID-19 ”, livro publicado na quinta-feira (22/04) pela University of Michigan Press e que compara os efeitos de políticas públicas e decisões governamentais para enfrentamento da COVID-19 em 77 paises.
Ao parafrasear a frase de abertura da obra literária Anna Karênina, de Liev Tolstói — “ Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira ” —, os integrantes do estudo liderado por Elize Massard da Fonseca (Fundação Getúlio Vargas), Scott Greer e Elizabeth King (Escola de Saúde Pública da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos) indicam que iniciativas de proteção social- como o auxílio emergencial, linhas de crédito para empresas e redução de impostos e tarifas para vulneráveis-, quando implementadas de forma coordenada com medidas de saúde, são determinantes para conter a disseminação do vírus, evitar mortes e instabilidades econômicas.
À boa cadência dessas medidas foi ainda mais determinante do que fatores relacionados à capacidade do sistema de saúde ou até mesmo ao nível de renda per capita de cada pais. “ O grande achado do nosso estudo foi que os países que conseguiram atrelar, lá no começo da pandemia, medidas de saúde não farmacológicas — como distanciamento social, rastreamento de contato e o uso de máscaras- à políticas sociais que permitiram que as pessoas de fato ficassem em casa conseguiram obter uma boa resposta no enfrentamento da pandemia. E isso foi observado em países de alta, média e baixa renda ”, afirma Fonseca à Agência FAPESP. livro, que recebeu apoio da FAPESP, analisa os dez primeiros meses da disseminação do SARS-CoV-2 pelo mundo (até setembro de 2020), quando ainda não havia vacinas disponiveis.
A análise contou com a participação de 66 pesquisadores ue escreveram sobre países espalhados pelos cinco continentes. Há capitulos que abordam e comparam mais de um país ou uma região. Além do livro, o trio de pesquisadores também publicou no dia 20 de abril um artigo na revista Global blic Health sobre as lições aprendidas no combate à COVID-19 no Brasil, Alemanha, Índia e Estados Unidos. Logo que a pandemia foi anunciada pela Oran ização Mundial de de (OMS). em março de 2020. as medidas necessárias para minimizar ou impedir a disseminação do vírus já eram bem conhecidas.
“ Aprendemos todos muito rapidamente sobre os riscos, os meios de disseminação da COVID-19, como evitar mortes e o colapso dos sistemas de saúde. Sobretudo, se a compararmos com a epidemia de Aids, por exemplo, que demorou anos para se fazer o sequenciamento genético do vírus e, inclusive, entender que se tratava de uma DST ”, relata a pesquisadora. Fonseca ressalta que, com a COVID-19, universidades, centros de pesquisa e a própria OMS rapidamente estipularam diretrizes para o enfrentamento da pandemia. “ Tudo bem que só depois descobriu-se a importância de usar duas máscaras, por exemplo, mas sabia-se que era uma doença provocada por um vírus respiratório e os países tinham informações suficientes para dar respostas e implementar medidas para o problema ”, afirma a pesquisadora. Mesmo assim, houve uma variação muito grande na resposta entre os países.
Enquanto Estados Unidos, Brasil, Índia e Espanha viveram resultados trágicos com recordes de mortes e hospitalizações. paises tão diversos como Vietnã, Mongólia, Alemanha, Nova Zelândia, Coreia do Sul, Taiwan e Noruega foram casos bem-sucedidos. Como uma longa maratona, o ano de 2020 terminou com China e Vietnã em maior constância e bons resultados do que Canadá e Alemanha — ambos prejudicados pela reincidência de lockdown s e medidas restritivas.
Dessa forma, a falta de coordenação entre medidas sociais de saúde foi determinante para o mau resultado não só no Brasil, como também em diversos países. “ Por aqui, os ministérios da Saúde e da Economia não conversavam, O que fez com que essas medidas de enfrentamento fossem desenhadas de forma não coordenada. Embora o auxílio emergencial tenha tirado muitas pessoas da pobreza, infelizmente ele não fez com que a população ficasse em casa efetivamente. Isso é um problema quando há necessidade de quarentena e da implementação de medidas restritivas. Havia também a necessidade de campanhas de comunicação para que de fato o maior número de pessoas ficasse em casa ”, diz.
De acordo com Fonseca, o uso de politicas sociais generosas, desarticuladas com intervenções de saude pública, também foi desastroso para os Estados Unidos, a maior potência econômica do mundo. Outra resposta malsucedida levou a Índia ao colapso. No pais asiático, enquanto duras medidas de saúde pública foram aplicadas, não foi instituído nenhum apoio de política social. Já a Alemanha, que implementou iniciativas de proteção social generosas em compasso com distanciamento social, fechamento do comércio e uma boa comuni o com a sociedade, obteve sucesso na primeira etapa de enfrentamento da pandemia. Colher os louros e distribuir culpas
No Brasil, pode-se notar também outro tipo de problema de coordenação. “ Tivemos políticas sociais muito fortes, mas as medidas de saúde estavam completamente descoordenadas dentro do governo federal e entre os Estados. Em um país grande como o nosso, precisamos de ações coordenadas, não só entre os países vizinhos, mas principalmente entre as unidades subnacionais, para lidar com uma doença infectocontagiosa que não respeita fronteiras ”, diz.
Para a pesquisadora, o efeito dessa desarticulação entre saúde e proteção social criou um efeito apenas paliativo no Brasil e. como ocorreu em quase todos os países, permitiu que presidentes e primeiros « ministros colhessem os louros para si e distribuissem a culpa sobre o que não estava dando certo. O livro destaca que o presidente brasileiro reivindicou os créditos das políticas sociais (auxílio emergencial) propostas pelo Congresso e transferiu a culpa de medidas impopulares de distanciamento social para Estados e municípios.
Nos Estados Unidos, Donald Trump fez o mesmo. Os autores destacam ainda que, em todo o mundo, líderes populistas culparam a China pelo problema e buscaram crédito por responder à pandemia com retórica e política xenófobas. “ No Brasil, cada Estado trouxe a sua medida de distanciamento social, às vezes até O lockdown, mas tudo de forma muito descoordenada.
No início de 2021, com a alta dos casos e mortes, parece que começou a cair a ficha e iniciou-se uma discussão de os Estados tentarem fazer ações mais articuladas. No Brasil, o Ministério da Saúde é o responsável por essa coordenação, mas, por uma série de motivos, não chamou para si essa responsabilidade ”, avalia. À política importa Outro achado do estudo está em indicar as variáveis políticas que ajudaram e atrapalharam o combate à pandemia, resultando em respostas tão heterogêneas entre os países. De acordo com os pesquisadores, essas variáveis políticas fizeram com que a estrutura institucional de saúde pública, como profissionais de saúde e hospitais, tivesse efeito limitado no combate à pandemia. “ A questão do presidencialismo importa.
Os presidentes têm poderes constitucionais para agir ou não. No Brasil,[ Jair] Bolsonaro usou de poderes constitucionais para nomear ministros que são mais próximos às suas ideias de combate à pandemia e para disseminar essa agenda altamente controversa e até excêntrica. Houve uma interferência no Ministério da Saúde nunca vista no periodo democrático, na apresentação de dados, em protocolos clínicos e até na definição da lista de atividades essenciais por meio de decretos ”, comenta.
Outros líderes também apresentaram comportamentos controversos a partir do uso de poderes constitucionais, embora alguns menos excêntricos. Isso foi observado no Chile com Sebastián Pini era, nos Estados Unidos com Donald Trump, no México com López Obrador e no Reino Unido com Boris Johnson — nesse último caso, até que a estratégia fosse completamente alterada no primeiro semestre de 2020. “ Não importa o quanto de recurso pode ser colocado para construir hospitais de campanha, abrir UTis. Presidentes usaram poderes constitucionais à disposição para implementar uma agenda própria, não necessariamente de combate à pandemia ”, diz. Nos Estados Unidos, Donald Trump minimizou os riscos e efeitos do virus e foi um árduo crítico de Anthony Fau cci, líder da força-tarefa da Casa Branca contra o corona virus.
“ Ele também colocou de lado as suas capacidades estatais em detrimento de uma agenda política controversa ”, afirma. Vacinação e uma nova onda de análise O livro analisou a resposta dos países em um periodo da pandemia em que as vacinas ainda não estavam autorizadas e existiam apenas medidas não farmacológicas para a contenção do vírus. “ Nesse primeiro livro, tratamos de uma dinãmica de resposta à pandemia em que se precisava de medidas não farmacológicas. Quando começaram a sair as vacinas, a dinâmica política da pandemia mudou muito. Entraram novas variáveis de economia política. Até outubro não havia nenhuma vacina aprovada, isso só aconteceu em dezembro de 2020 ”, diz. O grupo de pesquisadores pretende agora iniciar uma nova rodada de análises e existe a previsão do lançamento de um segundo livro no final de 2021, com o foco a partir da aprovação das vacinas e sua implementação por meio de campanhas de vacinação.