Na humilde. Teatro e Hip Hop na busca da auto-estima do jovem da periferia é um projeto que surgiu como uma ferramenta para levar os internos do complexo Raposo Tavares da Febem a se tornarem mais críticos e reflexivos em relação a seu cotidiano. Idealizado por Gerson da Silva Rodrigues (Regé), formado em Artes Cênicas pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, o projeto nasceu quando Regé estavam em seu terceiro ano da faculdade, virou o seu trabalho de conclusão de curso e consiste em aulas de artes para os internos.
Quanto ao título do projeto, Regé diz que a expressão Na humilde foi empregada porque é muito usada pelos adolescentes. Como exemplo, Regé cita uma frase que eles lhe falaram certa vez: "a gente te considera porque o senhor está vindo aqui na humilde..."
De acordo com Regé, o projeto surgiu depois de ele ler uma reportagem na revista [Pesquisa] FAPESP, que mostrava que a grande maioria dos jovens da periferia não têm acesso a alguns movimentos de arte — pintura, museus, teatro. "Aí eu pensei: como eu, que trabalho com teatro, posso fazer com que a arte entre na vida dos meninos, não só como entretenimento, mas sim como algo que faça com que eles reflitam?"
Regé associa as atividades de hip hop à vida de seus alunos
Foi neste sentido que o professor percebeu que nas letras do rap, por exemplo, há personagens, uma ambientação e um conflito. "Percebi que o movimento é praticamente completo e abrange a grande maioria das principais formas de arte". Assim, Regé começou a pensar numa forma de juntar a linguagem deles — hip hop - com o teatro, para que eles começassem a refletir sobre suas vidas.
De acordo com Regé, a pior parte foi driblar os preconceitos dos internos em relação ao teatro - visto como "coisa de viado" por grande parte dos jovens da unidade. E, por isso, o professor não começou entrando diretamente no teatro: "comecei fazendo jogos e brincadeiras para depois entrar na encenação", afirma.
Na prática
Se no teatro precisa-se de um personagem, os temos num grafite, numa letra de rap. Se no teatro precisamos de um ambiente, temos tudo isso constatado no rap. Se no teatro precisamos de um conflito, por que não usar as letras de rap, por exemplo, como um mote para um acontecimento teatral. E é através da interpretação teatral das letras de rap que o professor está inserindo o teatro na vida dos adolescentes. Isso é feito através da linguagem deles (hip-hop), e por isso há uma aproximação e um forte interesse dos adolescentes. "Quando você parte de algo que tem sentido na vida deles, há muito interesse. A grande sacada desse projeto é justamente pegar e explicar o mundo para eles a partir da realidade deles. Tem que ter significado", garante Regé.
Através de um grafite, uma letra de rap, uma pichação os internos dizem a que cena teatral a expressão artistica lhes remete. Depois de todos opinarem, eles improvisam uma cena teatral e em seguida essa cena é questionada por todos — é o momento de reflexão e debate, em que eles começam a pensar o que poderia ser mudado ou mesmo solucionado e "com isso a gente acaba simulando o que pode acontecer na vida real deles", afirma Regé, que tem conseguido também que os alunos desenvolvam a sua postura corporal - algo necessário para conversar, por exemplo, em uma entrevista de emprego.
Os cinco elementos e as mudanças
Para juntar o hip hop e a vida, Regé se propôs a fazer seu estágio final da faculdade na Casa do Hip Hop de Diadema, onde aprendeu que o movimento é composto basicamente de cinco elementos: rap (a música), break (a dança), grafite (manifestação gráfica), dj (parte eletrônica), e conscientização. E é neste sentido que Regé associa o hip hop à vida de seus alunos. Para ele, tal como no hip hop, precisamos de cinco elementos básicos para a vida: apurar a observação de mundo (expandir o olhar), buscar conhecimento (através da informação), refletir (fazer associações), comunicar (expressar bem através do teatro) e fazer (tomar a atitude, colocar em prática). É isso que ele tem passado para os alunos nesses nove meses do projeto na Raposo Tavares.
O projeto gerou duas mudanças principais até agora: a primeira foi falar oficialmente sobre hip hop dentro da Febem. "O máximo que já teve foi algumas oficinas que duravam duas semanas", explica Regé. A outra está na presença dos alunos nas aulas: com o método apresentado por Regé, os adolescentes estão tendo uma boa freqüência, pois eles se identificam com o conteúdo. "Eles não estão aprendendo porque 'tem que aprender', mas sim porque aquilo pode servir para usarem nos grafites deles", diz o professor.
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Agência USP de Notícias