O Projeto Crânio-Face Brasil é a primeira iniciativa para reunir informações em nível nacional sobre tratamento e prevenção de anomalias craniofaciais, com o objetivo de promover a troca de conhecimentos entre os profissionais e melhorar o atendimento aos pacientes. À frente do projeto está o Departamento de Genética Médica da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, que já concluiu uma etapa inicial de coleta de dados junto a 200 serviços do país. Este cadastro nacional, à medida que for sendo ampliado, permitirá mapear a distribuição geográfica dos serviços, otimizando o atendimento.
"Na prática, a proposta é instituir um ramo novo da genética, a genética comunitária, que transforma os conhecimentos científicos em ações de prevenção, tornando-os acessíveis à população. Temos apenas cerca de cem especialistas em genética clínica no Brasil. Conseqüentemente, os serviços também são poucos,concentrando-se no Sudeste e Sul. Podemos, futuramente, oferecer assessoria na área de genética e melhorar a assistência", afirma a geneticista Vera Lúcia Gil da Silva Lopes, professora da FCM e coordenadora do projeto.
Cinco por cento dos bebês nascem sob risco de apresentar algum defeito congênito, independentemente de país, raça ou condições socioeconômicas. Segundo dados do Mistério da Saúde, as anomalias congênitas foram a segunda causa de mortes no primeiro ano de vida em 1999. Os 5%englobam problemas decorrentes,por exemplo, do uso do álcool, doenças como a rubéola, causas genéticas ou outros fatores indefinidos. Nesta população, as alterações craniofaciais são muito freqüentes,principalmente as fissuras de lábio e de palato e os defeitos de tubo neural, seguidos de casos mais raros como craniossinostoses, holoprosencefalias e defeitos dos arcos branquiais.
Prevenção - O tratamento é complexo e normalmente demora até a idade adulta, exigindo o acompanhamento de uma equipe multidisciplinar. "O tratamento é global. A criança precisa de uma ou mais cirurgias para correções, de tratamento fonoaudiológico para problemas de audição que são freqüentes, e de acompanhamento psicológico também para a família, pois a convivência com uma deficiência física acarreta reações emocionais bastante complicadas", explica Vera Lopes. Se a anomalia envolve a arcada dentária, necessita-se de tratamento ortodôntico. Em algumas situações, o problema não é isolado e, no distúrbio de tubo neural, é preciso associara fisioterapia ocupacional.
A médica observa que o tratamento acaba se completando na genética, já que o paciente pode querer ter filhos e precisará de orientação quanto ao risco de uma criança igualmente com alterações craniofaciais. "Acompanhando o indivíduo e a família, temos como determinar uma ação específica e discutir os riscos. Nem sempre uma fissura tem causa única, podendo advir de um quadro mais complexo,assim como é possível eliminar o estigma da herança genética, mostrando que o risco está restrito à faixa dos 5% habituais. O aconselhamento genético exige um diagnóstico preciso.Depois de várias consultas, caberá à família avaliar os riscos e decidir",observa a geneticista.
A posição do paciente ou de um parente dentro da árvore genealógica é importante para avaliação do risco na procriação e para medidas de prevenção. Da mesma forma, as estatísticas sobre cada caso oferecem previsões confiáveis de recorrências de anomalias, mas são dados que convém não mencionar. "A probabilidade varia de acordo coma família e, lendo sobre isto, a pessoa pode achar que se encontra em uma situação quando está em outra", justifica Vera Lopes. Em contrapartida, a médica garante que tratamentos cirúrgicos e fonoaudiológicos são possíveis em todo tipo de anomalia craniofacial, com a ressalva sobre complicações resultantes de quadros mais complexos.
Números- O Projeto Crânio-FaceBrasil espera trazer um controle epidemiológico adequado, conhecendo exatamente quantos bebê nascem com anomalias craniofaciais e em quais áreas do país, pois geralmente os casos não são notificados. "O objetivo primeiro é o de identificaras carências, os serviços que prestam atendimento e quais deles têm acesso à genética. Às vezes, os profissionais sabem que o paciente precisa de encaminhamento, mas não sabem para onde. Neste levantamento inicial detectamos 200 hospitais, alguns deles no Norte e Nordeste, bem aparelhados. Mas a falta de integração entre os serviços acaba trazendo um paciente de Manaus para Campinas, quando teria um lugar mais próximo", alerta a geneticista.
Em outubro começa um programa de educação continuada voltado ao profissional não-geneticista, capacitando-o a detectar problemas na criança durante o período neonatal, oferecer informações à família e registrar cada caso. Também estão previstas entrevistas com as famílias sobre as orientações que receberam para o tratamento dos portadores de deficiências. "É um projeto aberto,financiado pela Fapesp. Outros serviços que quiserem participar têm acesso ao e-mail pelo qual receberão o questionário para preenchimento. Nossa idéia é agregar não apenas os geneticistas do país, mas cirurgiões, psicólogos, terapeutas ocupacionais, dentistas e outros profissionais em torno de projetos comuns", afirma Vera Lopes.
Notícia
Jornal da Unicamp