Programa conclui seqüenciamento e análise funcional do DNA de três microrganismos com aplicações potenciais. Para Ana Tereza Vasconcelos, coordenadora-geral do projeto, a continuidade das pesquisas dependerá de investimentos privados
O Programa Genoma Brasileiro foi lançado em dezembro de 2000, formando uma Rede Nacional de Seqüenciamento com cerca de 200 pesquisadores ligados a 27 laboratórios em 18 Estados.
O CNPq investiu R$ 10 milhões em pesquisa e bolsas, com o objetivo de decifrar o genoma da Chromobacterium violaceum.
Havia indicações de que o pigmento produzido pela bactéria, a violaceína, teria atividade antibiótica contra microrganismos importantes, como os agentes causadores da tuberculose (Mycobacterium tuberculosis), da doença de Chagas (Trypanosoma cruzi) e da leishmaniose (Leishmania sp.).
Ao terminar o seqüenciamento, o programa passou a tentar decodificar o genoma de outros dois organismos causadores de doenças que prejudicam a produção pecuária brasileira: o micoplasma do frango (Mycoplasma synoviae) e a pneumonia em suínos (Mycoplasma hyopneumoniae).
Este último foi feito em colaboração com o projeto Genoma do Sul financiado pelo CNPq e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs).
Desde 2004, com o seqüenciamento completo finalizado, o programa passou à segunda fase, dedicando-se a testes de bancada para confirmar as funcionalidades identificadas. O resultado foi promissor e gerou uma série de pedidos de patentes.
Segundo a coordenadora-geral da Rede Nacional de Seqüenciamento, Ana Tereza Vasconcelos, o Programa Genoma Brasileiro cumpriu sua função.
Agora, começa a parte mais difícil: para que a iniciativa continue e transforme resultados em produtos, será preciso contar com o apoio de empresas e de indústrias para um novo ciclo.
"A iniciativa privada ainda é muito tímida nessa área de pesquisa", diz a cientista.
Pesquisadora do Laboratório Nacional de Computação Científica do MCT, em Petrópolis (RJ), e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Ana Tereza coordena a rede desde 2002.
A cientista é responsável pelo laboratório de bioinformática do Programa Genoma Brasileiro, que recebe e processa todas as informações enviadas pelos laboratórios participantes.
Em entrevista à Agência Fapesp, Ana Tereza descreve as principais conquistas e indica rumos possíveis para o futuro do programa.
- A Rede Nacional de Seqüenciamento do DNA, do Programa Genoma Brasileiro, concluiu o projeto que testa funções do código genético seqüenciado de alguns microrganismos. Quais foram os principais resultados?
A rede seqüenciou o genoma da Chromobacterium violaceum. Na época, desenvolvemos um software chamado Sabia (System for Automated Bacterial Integrated Annotation), que permitiu identificar desde a fase inicial características importantes desses microrganismos. No fim desse projeto, começamos a fazer o genoma funcional. Durante dois anos, estudamos alguns genes com interesse do ponto de vista tecnológico. Como obtivemos sucesso, passamos para o seqüenciamento dos outros dois microrganismos: Mycoplasma synoviae e Mycoplasma hyopneumoniae.
- Por que a Chromobacterium violaceum foi escolhida e o que foi descoberto?
Essa bactéria é bastante competitiva e ocorre de modo abundante na água e nos bancos de areia do rio Negro e na Amazônia brasileira. Suspeitávamos que o pigmento produzido por ela, a violaceína, tivesse potencialidade biotecnológica. Acredita-se que ela possa ser utilizada como antibiótico sobre algumas espécies de bactérias gram-positivas [com um compartimento e limitadas por uma membrana] e gram-negativas [com citoplasma e periplasma, porção localizada entre duas membranas, interna e externa]. Estima-se que também tenha atividade fungicida e possa ser aplicada na agricultura contra alguns fungos do feijão. Outro ponto importante é que a Chromobacterium violaceum apresenta excelente potencial para a produção de polímeros plásticos biodegradáveis. Esses novos polímeros poderão ter aplicações importantes nas áreas médica, industrial, bem como em outras áreas comerciais. Nós já mostramos algumas dessas atividades.
- O que falta para ela ser usada, por exemplo, no combate a endemias?
Ainda é cedo para saber. Depende de mais estudos. Comprovamos que a violaceína realmente tem alguma atividade, mas ela é citotóxica, isto é, acaba matando a celula também. Será preciso continuar as pesquisas e aprender a usar essa atividade. Pedimos algumas patentes para as seqüências e vamos fazer estudos de viabilidade para o desenvolvimento de produtos. A ação como antibiótico tem um potencial muito grande, mas não podemos falar muito sobre isso porque ainda temos que investigar melhor. Para isso será preciso que os laboratórios envolvidos se associem com empresas e indústrias.
- Esses contatos estão sendo feitos?
Estamos tentando dialogar com as empresas, mas não é uma tarefa fácil. Quem acaba dando o dinheiro sempre são os órgãos públicos, por uma questão relacionada à cultura empresarial brasileira, que não tem tradição de investir em pesquisa. A iniciativa privada é muito tímida nessa área. No caso da Mycoplasma hyopneumoniae, temos o apoio da Vallée para a identificação de alguns alvos para desenvolvimento de uma vacina.
- Qual o interesse no estudo da Mycoplasma hyopneumoniae?
Ela causa pneumonia em suínos. O porco emagrece causando um prejuízo muito grande para a suinocultura. O interesse é desenvolver uma vacina. Já temos alguns alvos selecionados e estamos seqüenciando outras cepas da bactéria para possibilitar a escolha dos melhores alvos e, dessa forma, permitir uma ampla cobertura da vacina.
- E quanto à Mycoplasma synoviae?
Nesse caso, o objetivo é desenvolver um diagnóstico eficaz. M. synoviae é o agente patológico causador de sinovite em aves. Ela é transmitida verticalmente por meio dos ovos e obriga o sacrifício de matrizes, o que traz prejuízos econômicos. A Argentina, por exemplo, não compra o frango com esse micoplasma. Seria interessante desenvolver um meio de diagnóstico rápido e eficiente.
- O Programa Genoma Brasileiro continua?
Certamente. Depois do seqüenciamento do DNA dos microrganismos, entramos na fase de estudos das possíveis funcionalidades do genoma. Isto é, começamos a tentar entender se aquelas funções identificadas são verdadeiras e partir para testes de bancada. Os últimos dois anos foram todos dedicados a isso. Já entramos com pedido de registro de diversas patentes testadas durante o projeto e a fase de estudo das funcionalidades foi importante para comprovar a relevância dos nossos pedidos. No genoma funcional, fizemos estudos não só do ponto de vista de biologia básica — que são importantes para entender como funciona o organismo —, mas de aplicação. Vimos o que deve ser estudado. Agora, partimos em busca de apoio para dar continuidade às pesquisas. Neste momento a rede foi ampliada, por meio de um edital, e estamos iniciando o seqüenciamento do DNA do Anopheles darlingi, o mosquito transmissor da malária nas Américas.
- Essa identificação de aplicações promissoras foi uma das principais conquistas do programa?
Queríamos concentrar naquilo que poderia ser útil. Por isso, pedimos patentes de funções relacionadas a certas seqüências. Mas o projeto trouxe outro ganho de importância incalculável: serviu para a formação e capacitação de recursos humanos em nível nacional. Todos os grupos envolvidos tiveram bolsas, o que permitiu uma capacitação importante. Eram mais de 160 pesquisadores envolvidos na rede. Todo o conhecimento relacionado à tecnologia de seqüenciamento, bioinformática, proteômica e de genômica funcional está agora consolidado em várias instituições. Além da efetiva formação de recursos humanos o projeto teve destaque pela alta produtividade científica, que pode ser comprovada pelo grande número de publicações em revistas indexadas e pelas apresentações em congressos científicos. Uma das grandes vantagens de trabalhar em rede é ter à disposição competências em várias áreas do conhecimento. Isso terá um efeito multiplicador a longo prazo.
(Agência Fapesp, 7/2)
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