Daniele Ricci
Um milhão de litros de água e 40 quilowatts de energia por mês. Essa é a economia alcançada pelo Programa de Gerenciamento de Resíduos Químicos Perigosos, Água e Energia, implementado em todos os laboratórios do Cena/ USP (Centro de Energia Nuclear na Agricultura/ Universidade de São Paulo), em Piracicaba. Esse material - aproximadamente 500 toneladas de resíduos químicos gerados por ano - é reciclado e reutilizado pelos próprios laboratórios, gerando ainda uma economia de R$ 200 mil por ano, já que com a recuperação não há necessidade de adquirir novos reagentes químicos.
Até há cerca de cinco anos, essa grande quantidade de resíduos químicos era descartada diretamente nas pias dos laboratórios e seguia para o rio Piracicaba, podendo prejudicar de maneira drástica o meio ambiente. Agora, para cada tipo de composto, há uma solução. Os solventes, por exemplo, passam por um sistema de destilação para redução de metais pesados. Alguns compostos, porém, não são passíveis de recuperação e reutilização e acabam sendo incinerados.
A solução partiu da Divisão de Desenvolvimento de Métodos e Técnicas Analíticas e Nucleares do Laboratório de Isótopos Estáveis do Cena, grande gerador de efluentes químicos, onde é feita a coleta e o tratamento de resíduos com vertentes de compostos perigosos. "Estamos dentro de uma instituição de pesquisa e de formação de projetos que vão atuar principalmente em segmentos ligados ao meio ambiente. Embora nossos laboratórios gerem uma quantidade reduzida de resíduos em relação às indústrias, a diversidade de compostos químicos, metais pesados e cancerígenos é muito grande e poderiam trazer más conseqüências ao meio ambiente", ressaltou José Albertino Bendassoli, professor da Divisão.
Ele conta que o projeto surgiu em 2001, aprovado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), com recursos na ordem de R$ 600 mil para o desenvolvimento da pesquisa. Aos poucos, o projeto foi implementado nos laboratórios das três Divisões Científicas do Cena e dois técnicos especialistas foram contratados. Com resultados positivos, o exemplo foi levado à unidade de São Carlos da USP.
Glauco Arnold Tavares, especialista de laboratório e gestor do Programa de Gerenciamento de Resíduos do Cena, contou que essa preocupação teve início a partir das pesquisas feitas por ele como subsídio para sua tese de doutorado. Além da economia de recursos materiais e financeiros, a instalação do programa fez surgir a necessidade de abertura de novas frentes de trabalho na instituição para treinamento adequado aos funcionários. "O principal objetivo do programa é evitar o lançamento de resíduos químicos na rede coletora e de gases ácidos na atmosfera. Nas práticas de rotina, usamos muito ácido sulfúrico e nítrico, empregados em reações a altas temperaturas, que liberam vapores antes lançados in natura na atmosfera", disse Tavares, acrescentando que para controlar a emissão gasosa, foram instalados lavadores de gases nos laboratórios.
Mensalmente, são consumidos entre 40 mil e 50 mil litros de água tratada desionizada (quando são retirados os sais minerais), conseguida a partir da água normal de torneira, que levada a tratamento passa por um processo de destilação até que o líquido alcance baixa condutividade elétrica, ficando próprio para uso em laboratórios de ensino e pesquisa. O consumo de energia para produção de um litro de água é em torno de um quilowatt-hora. Nesse processo, também há a refrigeração, onde se consome de 15 a 20 litros de água para produção de um litro desionizado. "Pelo novo processo, a retirada é praticamente gravitacional, não consome energia e ocorre pela troca iônica, utilizando-se de material sintético, resinas trocadoras de íons", afirma Bendassoli.
Esses conhecimentos estão sendo repassados para estudantes de escolas de ensino médio por intermédio de palestras, como a realizada na semana passada na Escola Estadual João Chiarini, na Vila Fátima. São palestras sobre resíduos, desde os domiciliares até os químicos, abordando a necessidade dos cuidados no uso e incentivando a oficinas de reciclagem. "Hoje nas escolas não têm laboratórios, mas essas aulas servem como complementares na disciplina de química", disse Tavares.
Águas monitoradas
Um grupo local está monitorando o rio Piracicaba, em parceria com a ONG SOS Mata Atlântica. O grupo formou o núcleo local Águas do Piracicaba, como parte do programa "Observando os Rios". O projeto engloba toda a bacia dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ) e prevê inúmeros grupos de trabalho. De acordo com o engenheiro Henrique Marcos Nunes de Campos, coordenador do grupo em Piracicaba, a primeira amostra revelou o que todos já sabiam: o rio está poluído.
A equipe desenvolve o trabalho de monitoramento constante das águas. O programa discute a educação ambiental e a mobilização da população na supervisão da qualidade da água dos rios, como instrumento de sensibilização e engajamento social para gestão participativa de bacias hidrográficas. Segundo Campos, novas parcerias devem ser buscadas para que outros pontos do Piracicaba possam passar por monitoramento constante. "O ideal é mobilizar cada vez mais pessoas e mais lugares", aposta.
A metodologia desenvolvida especialmente por Samuel Murgel Branco para a Fundação SOS Mata Atlântica vem sendo aplicada desde a instituição do Núcleo União Pró-Tietê, em 1991, como uma ferramenta de engajamento da sociedade paulista na campanha em prol da despoluição do Rio Tietê.
O monitoramento avalia o Índice de Qualidade de Água (IQA), resultado de análises laboratoriais e a relação do grupo de supervisão com o rio, de acordo com parâmetros como odor, cor, existência e de peixes e importância cultural. Os grupos de monitoramento reúnem estudantes, professores, lideranças comunitárias, representantes de organizações não-governamentais, pesquisadores e cidadãos engajados em ações de defesa do meio ambiente.
"O Observando utiliza a metodologia do monitoramento participativo como uma das principais ferramentas de sensibilização e mobilização social para fomentar a gestão de bacias hidrográficas", afirma, Malu Ribeiro, coordenadora de projetos da SOS Mata Atlântica.