Notícia

Gazeta Mercantil

Produtividade e novas tecnologias

Publicado em 21 março 1996

Por Kil Hyang Park*
Em se tratando da temática produtividade e tecnologia, a primeira indagação é referente à origem, à natureza e à função da tecnologia no processo produtivo. Embora admitamos o impacto exercido pelas inovações técnicas sobre as máquinas e os equipamentos produtivos, a real relação entre eles procede em ordem inversa. Isto é, se considerarmos a tecnologia como sendo o conhecimento humano aplicado à produção, o problema a ser investigado são as formas de determinação do desenvolvimento tecnológico pela dinâmica e pela racionalidade do processo de produção social. Considerando-se o ambiente macroinstitucional brasileiro, sobre o qual versa nossa análise, a tecnologia assume as mais variadas formas, seja em máquinas, seja em equipamento, seja em desenho, e, também, como mercadoria cuja produção e comercialização refletem os interesses daqueles que dominam e controlam a produção industrial e, conseqüentemente, os mercados nacionais e internacionais, nos quais competem com outros por posições monopolísticas. Hoje, é indiscutível que o sistema capitalista se expande e, à medida que isso acontece, provoca movimentos cíclicos de desenvolvimento ou de retração na economia como um todo. Os processos de concentração e de centralização do capital são intensificados por meio desses movimentos. Isso é evidente quando se verifica o fluxo de produção, de comercialização e de transferência da tecnologia em mercados nacionais ou internacionais. Assim, em um mercado competitivo, a escolha da tecnologia adequada e sua conseqüente introdução no processo produtivo permitem a uma empresa manter sua posição de igualdade ou mesmo de superioridade com relação aos produtores concorrentes. Contudo, à medida que o mercado deixa de ser competitivo, a inovação tecnológica perde essa característica de fonte exclusiva da eficiência econômica. Na situação específica do mercado brasileiro, caracterizado por tarifas protecionistas ou pela existência de oligopólios, o preço final do produto não é o resultado final de livre jogo de oferta e de demanda, mas sim um reflexo das estratégias e das manipulações daquelas empresas que exercem o controle sobre o mercado. Nessas condições, não é de admirar flue os empresários recorram à tecnologia de capital intensiva, de impacto negativo para a solução dos problemas de emprego da mão-de-obra semi-qualificada. Esse comportamento empresarial, no entanto, não é conseqüência direta da deficiência estrutural das empresas ou do espírito anti-social de seus administradores, mas, sim, o cumprimento da conjunção de uma série de fatores de caráter estrutural, os quais determinam uma conduta econômica oposta àquela desejável, num ponto de vista social. Pretender e aguardar que, dentro de uma economia capitalista, os empresários tomem suas decisões tecnológicas em concordância com os critérios sociais e não-econômicos, parece-nos pouco realista. Contudo, relevado esse utopismo, podemos admitir que uma política tecnológica em nível empresarial não pode ser isolada nem contraditória da política econômica da sociedade. Comumente, a natureza das mudanças do processo produtivo é tal que reduz os custos de produção mediante uma diminuição dos gastos com o capital variável, ou os salários, e um aumento no capital fixo. Desse modo, os novos processos aumentam a produtividade física do trabalho, produzindo mercadorias a menor custo, e também a menor preço, à medida que diminui o tempo de trabalho necessário para sua produção. Essa redução do trabalho "vivo", substituído por máquinas, que é trabalho "morto", não leva, ao contrário do que postulava a doutrina pseudomarxista, necessariamente, a uma queda na taxa de lucros. A justificativa da queda da taxa de lucros está nas condições vigentes da economia capitalista contemporânea, que mantém no seu bojo a concorrência oligopolística e o controle do volume e da circulação da moeda pelo governo, que, no conjunto, permitem manter os preços constantes com produtividade crescente. O aumento da produtividade, introduzido pelas mudanças tecnológicas no processo produtivo, terá, a curto prazo, dois efeitos negativos sobre o volume do nível de emprego na sociedade. Por exemplo, se mantiver a demanda por bens de consumo no nível atual, como conseqüência da política de preços e salários das empresas, o volume de trabalho necessário para atender a essa demanda tenderá a cair. Por outro, se a mudança do processo produtivo acarretar uma (re)distribuição da renda a favor das camadas mais privilegiadas e, com isso, a propensão para consumo, o volume econômico tenderá a declinar. Em resumo, no período da implantação da mudança do processo produtivo, aumenta o volume de investimento e, em menor proporção, o consumo e o nível de emprego. A segunda indagação é referente ao grau de dependência tecnológica. A dependência cada vez maior da pesquisa tecnológica e o concomitante aumento do custo de desenvolvimento tecnológico resultam numa série de conseqüências que alteram profundamente a organização interna das empresas, assim como a estrutura global das economias industriais. No âmbito interno das empresas, o uso da tecnologia cada vez mais sofisticada tem produzido uma redivisão contínua das tarefas, por vezes rotineiras, sujeitas a um controle rígido de desempenho. Ao mesmo tempo, o papel do planejamento centralizado e da coordenação torna-se, cada vez mais, essencial ao funcionamento da complicada e não mais auto-reguladora organização econômica. Nessa linha de reflexão, as empresas devem tomar-se o que alguns autores denominam de organizações complexas, cujo desempenho tem que ser previsível e imune a quaisquer imprevistos externos, pois não apenas os vencimentos e a subsistência de inúmeros empregados e suas famílias dependem dessa estabilidade, como também o tamanho e o volume dos ativos das vendas dessas empresas tomam a economia, como um todo, extremamente sensível às oscilações no desempenho econômico e financeiro do conglomerado empresarial. O que vemos atualmente são as grandes empresas oligopolistas, as multinacionais ou os conglomerados que simplesmente monopolizam as funções inovadoras nas economias de mercado, obstruindo a emergência de novas fontes de inovação, ou mesmo disfuncionalizando os esforços das empresas menores. Os grandes investimentos iniciais, a intervenção governamental, a regulamentação da mão-de-obra e das condições trabalhistas, o mercado controlado por acordos oligopolistas e a administração de preços são elementos que tornam as inovações tecnológicas uma iniciativa cara, arriscada e indivisível, cujo fracasso pode significar o fim da empresa e de suas atividades. Para tanto, o planejamento como um meio de eliminar a incerteza está-se tornando, cada vez mais, uma prática aceita e difundida no meio empresarial. Portanto, podemos admitir que tanto as condições estruturais internas quanto as externas, para a introdução de nova tecnologia nos processos de produção, exigem muito do planejamento e da capacidade administrativa. A moderna tecnologia, como afirma Galbraith, requer, também, preços estáveis e uma demanda certa, o que só poderá ser conseguido por meio da associação dos esforços do governo e das empresas. Essa associação pode ser considerada uma das principais condutoras do desenvolvimento e da aplicação de uma tecnologia nova e moderna na produção. * Professora do Departamento de Administração Geral e RH da EAESP/FGV e da KEN Assessoria & Participação S/C.