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Previsão do impacto do clima em uma doença debilitante (31 notícias)

Publicado em 06 de agosto de 2024

A esquistossomose, disseminada por caracóis de água doce, afeta mais de 200 milhões de pessoas em muitas regiões tropicais do mundo. Pode causar dor de estômago e consequências irreversíveis, como aumento do fígado e câncer. Autoridades de saúde pública temem que o desmatamento, a rápida expansão urbana e a mudança nos padrões de precipitação — como as devastadoras enchentes de maio no Brasil — possam mudar drasticamente os locais onde os caracóis e, portanto, o parasita, podem prosperar.

 

“Com as mudanças climáticas, chuvas mais frequentes e intensas impactarão muitas doenças aqui, incluindo a esquistossomose”, disse Roseli Tuan, pesquisadora sênior da Secretaria de Saúde de São Paulo, onde ela conduziu vigilância e pesquisa sobre esquistossomose no estado de São Paulo, Brasil, por mais de 30 anos. “Entender essas mudanças é uma área necessária da ciência para o controle da doença no futuro.”

Tuan e seus colegas brasileiros têm feito parcerias com pesquisadores de ecologia de doenças de Stanford para desenvolver modelos que podem prever como o risco de doenças mudará em resposta a mudanças ambientais. Suas descobertas foram publicadas recentemente em Comunicações da Natureza e Saúde Pública Global da PLOS.

“Pela primeira vez, conseguimos combinar ferramentas como registros de vigilância de caracóis de longo prazo com imagens de satélite que rastreiam a expansão agrícola, o crescimento de áreas urbanas e o clima em alta resolução em países inteiros”, disse Erin Mordecai, professora associada de biologia na Escola de Humanidades e Ciências e membro do corpo docente de saúde global no Stanford Center for Innovation in Global Health. “Com essas ferramentas, podemos mapear como o habitat dos caracóis transmissores da esquistossomose está mudando no Brasil com uma precisão sem precedentes que nos ajuda a entender onde a esquistossomose pode aparecer em seguida.” Mordecai co-supervisionou o trabalho com Giulio DeLeo, que também é membro do corpo docente de saúde global e professor de oceanos e ciência do sistema terrestre na Stanford Doerr School of Sustainability.

A colaboração ajudou epidemiologistas e pesquisadores a atualizar seus paradigmas sobre a esquistossomose no Brasil e priorizar intervenções de saúde pública considerando mudanças ambientais, disse Tuan, que estuda a genética e a evolução do caracol vetor da esquistossomose há quatro décadas.

Embora o Brasil tenha a chance de eliminar a esquistossomose em algumas partes do país graças à melhoria do saneamento e das condições de vida, as mudanças climáticas e as disparidades econômicas ameaçam o progresso em outras áreas, disse ela.

“Essas análises identificaram claramente, pela primeira vez, assentamentos informais de rápido crescimento, tanto em áreas rurais quanto na periferia de centros urbanos, como o habitat mais provável para os caracóis, bem como potenciais pontos críticos de transmissão da esquistossomose”, disse De Leo, que também é o principal pesquisador da equipe internacional apoiada pela bolsa Belmont Collaborative Forum. “Elas abrem novas oportunidades para vigilância de doenças e intervenções que podem reduzir o risco de transmissão da esquistossomose.”

Aproveitando o aprendizado de máquina para prever riscos futuros de doenças

Em 2021, uma bolsa do Belmont Forum/Fundação de Pesquisa de São Paulo e o Stanford Global Health Seed Grant permitiram que especialistas em ecologia de doenças de Stanford e do Brasil construíssem colaborativamente ferramentas para prever os efeitos das mudanças ambientais nos caracóis transmissores de doenças.

No centro desse esforço está uma ferramenta chamada modelagem de distribuição de espécies. Ela combina aprendizado de máquina e dados de sensoriamento remoto — como imagens de satélite e modelos climáticos de larga escala — para identificar todos os lugares onde uma espécie poderia viver, com base em onde ela foi ou não encontrada no passado. Os modelos podem então prever como mudanças na temperatura, precipitação e urbanização afetarão as distribuições das espécies no futuro.

E, no entanto, quando Aly Singleton, uma aluna de doutorado no Programa Interdisciplinar Emmett em Meio Ambiente e Recursos de Stanford, decidiu construir um modelo para caracóis, ela encontrou pouca informação para ajudá-la a decidir qual metodologia seria a melhor.

“Apesar dos modelos de distribuição de espécies se tornarem ferramentas cada vez mais populares, ainda há muitas questões em aberto sobre como melhor construir os modelos”, disse Singleton. “Eu queria criar um recurso que pudesse informar os esforços da nossa equipe e também ser útil para pesquisadores que usam esses métodos ao redor do mundo.”

O estudo de Singleton comparou modelos usando diferentes métodos de aprendizado de máquina para ver qual poderia prever com mais precisão como as espécies de caracóis responderam às mudanças em seu ambiente. Ela usou vastos conjuntos de dados com mais de 11.000 registros de localização de caracóis coletados por cientistas brasileiros de 1992 a 2019. Singleton observou a precisão com que os modelos previram onde os caracóis poderiam estar, dadas várias mudanças no clima, hidrologia, uso da terra e tipo de solo. Ela consultou especialistas locais, como Roseli Tuan, Antonio Miguel Vieira Monteiro do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais do Brasil em São Paulo, Brasil, e Roberta Lima Caldeira da Fiocruz Minas em Minas Gerais, Brasil, que usaram sua experiência em primeira mão para julgar a precisão dos mapas resultantes.

Singleton disse que muitos dos modelos tiveram desempenho similar em termos de exatidão e precisão, mas produziram mapas muito diferentes de distribuição de caracóis. “Foi absolutamente crítico ter o conhecimento especializado de pessoas que conhecem bem a área e estão neste campo há muitos anos para poder comentar sobre qual modelo eles acham que é melhor e por quê”, disse ela.

Alguns modelos forneceram estimativas muito mais amplas de quais áreas eram favoráveis aos caracóis, enquanto outros foram muito mais rigorosos e estreitos em suas previsões de onde o caracol poderia estar. Ambos os tipos de modelos podem ser úteis em diferentes circunstâncias, disse Singleton. Por exemplo, em uma região com recursos mais limitados para lidar com a esquistossomose, o modelo mais rigoroso pode ajudar a identificar áreas a serem priorizadas — aquelas áreas onde o caracol era quase certo de ser encontrado. Por outro lado, se um país desejasse eliminar a esquistossomose, as autoridades poderiam optar por usar o modelo mais amplo que previa todos os habitats possíveis para os caracóis.

Rastreando ‘um alvo em movimento’

O próximo passo foi aplicar as descobertas de Singleton sobre o mapeamento eficaz da distribuição de espécies para entender melhor como as mudanças climáticas e no uso da terra impactaram a distribuição de caracóis no Brasil.

A colega de Singleton, Caroline Glidden, cientista sênior do Mordecai Lab, liderou esta pesquisa enquanto também era bolsista do Stanford Institute for Human-Centered Artificial Intelligence (Stanford HAI). Ela descobriu que as mudanças induzidas pelo clima — especialmente nos padrões de precipitação — impulsionaram grandes mudanças no alcance dos caracóis nos últimos 30 anos. A urbanização, enquanto isso, impulsionou mudanças mais localizadas, como o surgimento de novos bolsões de habitat adequados para caracóis em áreas que experimentaram um crescimento populacional significativo.

À medida que os padrões de precipitação mudam e o Brasil passa por uma rápida mudança no uso da terra, espera-se que novas áreas se tornem favoráveis aos caracóis, que prosperam em fontes de água doce de movimento lento, disse Glidden. Isso inclui valas de drenagem e canais, como aqueles associados à irrigação em fazendas de pequena escala.

“A tendência geral é que as mudanças ambientais não expandam apenas o habitat dos caracóis — elas mudam completamente a localização, tornando a esquistossomose um alvo móvel para intervenção e controle de saúde pública”, disse Glidden. “Sem essas análises, seria muito difícil tentar eliminar a esquistossomose no Brasil.”

Tuan disse que a pesquisa ajudará as autoridades de saúde pública a identificar zonas prioritárias de eliminação da esquistossomose.

Impacto global

Singleton espera que seus esforços para identificar métodos eficazes de modelagem de distribuição de espécies ajudem pesquisadores fora do Brasil a prever riscos de doenças transmitidas por vetores e mediadas pelo ambiente.

“Essas ferramentas vão se tornar cada vez mais valiosas à medida que buscamos entender como as populações de espécies podem mudar com o clima e a mudança no uso da terra”, disse ela. “Espero que este artigo possa ajudar cientistas iniciantes nesses métodos e seja o recurso que eu estava procurando no início deste projeto.”

Organizações colaboradoras brasileiras críticas para este projeto incluíram o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) do Brasil e o Instituto René Rachou, uma unidade da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ Minas). Os coautores de Stanford ainda não mencionados incluem: Andrew Chamberlin, profissional de pesquisa em ciências biológicas, e Susanne H. Sokolow, cientista pesquisadora sênior. Outros coautores são do Instituto Pasteur — Secretaria de Saúde de São Paulo, o Instituto René Rachou, uma unidade da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz Minas), o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais do Brasil, a Universidade Harvard e a Universidade Stony Brook.

De Leo e Mordecai também são membros seniores do Stanford Woods Institute for the Environment, membros do Stanford Bio-X e professores afiliados do Stanford HAI.

O projeto foi apoiado pelo Belmont Collaborative Forum on Climate, Environment and Health e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, FAPESP, juntamente com o Global Health Seed Grant de 2021 financiado pelo Woods Institute for the Environment, Bob & Kathy Burke e Stanford Center for Innovation in Global Health.