O presidente do CNPq, Esper Cavalheiro, em entrevista ao "JC E-Mail", informou que "não conhece" o estudo mencionado pela "Folha de SP" na matéria "Genética ameaça a soberania da física", assinada por Flavio Dieguez e André Chaves.
A matéria afirma: "Um levantamento recém-concluído pelo CNPq confirma o que todos já desconfiavam: a física está perdendo terreno e prestigio para a biologia, em particular a genética, segundo diversos indicadores. Trata-se da mais extensa serie histórica de dados já montada no país."
A matéria cita Glaucia Maria Gleibe de Oliveira, pesquisadora da Universidade de Brasília, como uma das responsáveis pelo levantamento.
Esper Cavalheiro fez questão de salientar que "há uma grande distancia entre utilizar e tirar conclusões sobre dados publicados anualmente pelo CNPq e dizer que se trata de um levantamento feito pela instituição".
O "JCE-Mail" ouviu a respeito o editor de Ciência da "Folha de SP", Marcelo Coelho, que anunciou a publicação de uma nota corrigindo a informação. E de fato, nesta quinta-feira, o jornal divulgou na p. 3 o seguinte esclarecimento na coluna "erramos":
"Diferentemente do que afirmou a reportagem "Genética ameaça a soberania da física" (Ciência, pag. A12, 2/1), os dados sobre bolsas de pós-graduação em física e genética em 1980 e 2000 apresentados no gráfico "Perdendo a primazia" são provenientes da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), e não do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). O levantamento ao qual a reportagem se refere foi feito pela pesquisadora Gláucia Maria Gleibe de Oliveira, da UnB, e não pelo CNPq. Ele teve inicio quando a pesquisadora coordenava, no CNPq, a implantação do programa de Avaliação e Acompanhamento do Mestrado e Doutorado."
Agora, leia a entrevista de Esper ao "JC E-Mail", em que ele se mostra claramente favorável a processos de indução no desenvolvimento científico, não aceitando apenas os impulsos da "demanda espontânea" e veja no final o quadro que o próprio presidente do CNPq nos enviou sobre a distribuição de bolsas da instituição nos vários campos da ciência, nos anos 1999 e 2000:
JC E-Mail - Como vê o maior crescimento da área de genética, na pesquisa científica brasileira, em relação a de física, segundo levantamento do CNPq noticiado pela "Folha de SP", em 2 de janeiro? Em 2000, o numero de bolsas para as ciências biológicas foi de 707, enquanto para a física foi de apenas 190. Isso, a seu ver, e' um fato normal ou mereceria um esforço indutivo do CNPq para corrigi-lo?
Esper - Esta Presidência não conhece este estudo, seus objetivos e resultados. Ha' uma grande distancia entre utilizar e tirar conclusões sobre dados publicados anualmente pelo CNPq (os de 2001 ainda não estão consolidados) e dizer que se trata de um levantamento feito pela instituição.
A física é uma das áreas mais tradicionais e que se estruturou muito antes que outras, incluindo a genética. Neste aspecto, é importante verificar no Programa Institutos do Milênio (Grupo I), que dos 15 projetos aprovados, pelo menos 5 estão diretamente relacionados com a física e 2 com a biotecnologia (genética).
Dizer que a genética, no período de 87 a 2000, aumentou o numero de doutores em 4,5 vezes (de 18 para 81) e que a física cresceu APENAS 3 vezes (de 62 para 178), é questão estatística delicada. Algum geneticista poderia dizer: em números brutos, necessitamos crescer ainda mais.
Questiono se é pertinente comparar a área de ciências biológicas (biologia, biofísica, bioquímica, etc.) com a física. Em ciências, assim como em varias atividades humanas, a situação de predomínio momentâneo de uma área do conhecimento em relação a outras e' real e salutar. Ela reflete interesses (dos mais variados, incluindo o social, o econômico, o político etc.) e anseios da comunidade que se manifestam através daquilo que temos denominado "demanda espontânea".
É fato reconhecido pelos cientistas que determinado assunto pode dominar a literatura especifica por vários anos para depois desaparecer por completo por décadas. Esse assunto, e isso e' bastante comum, pode voltar anos depois, com novo enfoque.
Mas isto não deve ser considerado como suficiente na determinação de políticas mais amplas. Nesse sentido, o MCT promoveu, em 2001, a Conferencia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, onde homens públicos, empresários, pesquisadores e estudantes das mais diferentes áreas participaram de discussões muito frutíferas na tentativa de delinear um caminho adequado para a C&T nacionais.
O CNPq, já há vários anos, vem formulando ações com caráter mais indutivo em varias áreas do conhecimento, incluindo a genética e a física (para nos determos apenas ao assunto em questão). Como exemplo, vale lembrar que, em 2001, foi lançado um edital especifico para as nanociências. O Programa de Biotecnologia e Recursos Genéticos é uma das ações do Programa PluriAnual (2000-2003) do Governo Federal.
JC E-Mail - O prof. Roberto Romano, da Unicamp, em artigo publicado no "Correio Popular", de Campinas, em 7/1 (reproduzido pelo "JC E-Mail", nesta quarta-feira), critica a opinião dos que consideram "natural" o descompasso entre as ciências. Ele apóia a visão de que todas as pesquisas são relevantes de modo igual na Universidade. E sustenta que "sem física forte e bem aquinhoada em termos financeiros e institucionais, a genética não apresentaria os avanços que hoje ostenta" e que "sem os desenvolvimentos das matemáticas, as investigações físicas e biológicas estariam ainda hoje patinando em seus protocolos". Diz Roberto Romano: "Trata-se de uma rede fina e delicada de informações, métodos, instrumentos de analise e de calculo, que não podem resultar de forcas cegas ou abstratas, como o 'mercado' ou 'a sociedade'. Quem administra a pesquisa deve possuir a prudência e o conhecimento necessários para não cair nos engodos ideológicos, inimigos da investigação científica digna de seu nome." Ele conclui assim: "Esperemos que as distorções anunciadas pelo CNPq sejam corrigidas e que todos os núcleos de produção dos saberes sejam igualmente respeitados, para o bem da inteligência nacional." Como reage a estes comentários?
Esper - Aqui, vale ressaltar, como mencionado na resposta anterior, que "as distorções" não foram anunciadas pelo CNPq. O CNPq, ao estabelecer sua política e ações, tem, tradicionalmente, ouvido e trabalhado em conjunto com a comunidade científica e tecnológica, quer através do Conselho Deliberativo, de seus Comitês Assessores e outros membros da comunidade que são convidados a participar de discussões de temas específicos, principalmente quando se trata de ações mais claramente induzidas. O prof. Roberto Romano, com o qual já tive a satisfação de manter conversas interessantes, coloca, com sua clareza habitual, os pingos nos "is".
José Monserrat Filho
Notícia
Jornal da Ciência online