David Julius e Ardem Patapoutian dividem o prêmio de Fisiologia ou Medicina Niklas Elmehed / Nobel
A identificação de mecanismos associados à capacidade humana de sentir calor, frio e toque rendeu o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina ao bioquímico e biólogo molecular norte-americano David Julius, 65, e ao biólogo molecular armênio-americano Ardem Patapoutian, 54. Eles dividirão o valor de 10 milhões de coroas suecas, o equivalente a US$ 1,1 milhão, ou R$ 6 milhões. O anúncio, feito pelo Instituto Karolinska, na Suécia, nesta segunda-feira, 4 de outubro, abriu a temporada de premiações nas categorias científicas de 2021. Havia a expectativa, como em 2020, de que os agraciados fossem pesquisadores trabalhando em estudos sobre o novo coronavírus (Sars-CoV-2), causador da Covid-19. No entanto, a academia sueca optou por seguir a tradição de contemplar pesquisas consolidadas no meio científico.
O modo como os sentidos permitem ao ser humano interagir com o ambiente à sua volta há muito intriga os cientistas. No século XVII, o filósofo francês René Descartes (1596-1650) propôs a existência de fios conectando diferentes partes da pele ao cérebro, de modo que um pé, em contato com o fogo, enviaria um sinal que percorreria todo o corpo até o sistema nervoso central. Na primeira metade do século XX, pesquisadores identificaram a existência de neurônios sensoriais especializados, capazes de registrar alterações no ambiente. Em 1944, os fisiologistas Joseph Erlanger (1874-1965) e Herbert Gasser (1888-1963) receberam o Nobel de Fisiologia ou Medicina por terem identificado diferentes tipos de fibras nervosas sensoriais que detectam e transmitem estímulos distintos em respostas ao toque doloroso e não doloroso.
Ficou demonstrado a partir de então que as células nervosas eram altamente especializadas e capazes de detectar e traduzir (ou transduzir, como dizem os cientistas) diferentes estímulos, permitindo uma percepção distinta do ambiente à nossa volta – como quando se sente diferença na textura das superfícies ao passar a ponta dos dedos ou quando se discerne o calor agradável do doloroso. No entanto, pouco se sabia sobre o modo como o sistema nervoso sente o ambiente externo, isto é, como a temperatura e os estímulos mecânicos são convertidos em sinais elétricos que serão interpretados pelo cérebro.
Em 1997, o bioquímico e biólogo molecular David Julius, da Universidade da Califórnia em São Francisco, nos Estados Unidos, trabalhava com um composto químico chamado capsaicina, princípio ativo da pimenta-malagueta – responsável por causar a sensação de queimação que se sente ao comê-la –, para tentar entender como os sinais responsáveis pela temperatura e sensação de dor eram transmitidos ao cérebro por circuitos neurais. Já se sabia que a capsaicina ativava células nervosas causando sensação de dor, mas os mecanismos moleculares dessa reação ainda eram desconhecidos.
Julius e seus colaboradores criaram então uma biblioteca com milhões de fragmentos de DNA correspondentes a genes expressos nos neurônios sensoriais que reagem à dor, ao calor e ao toque. O objetivo era identificar o fragmento responsável por codificar a proteína capaz de reagir à capsaicina. Os pesquisadores expressaram vários genes individualmente em cultura de células que normalmente não reagem à capsaicina. Após muitas tentativas, identificaram um gene capaz de tornar as células sensíveis ao composto químico. Em experimentos posteriores, constataram que o gene identificado codificava uma proteína chamada TRPV1, que funciona como um sensor de calor na superfície dos neurônios sensitivos e é ativado em temperaturas percebidas pelo cérebro como dolorosas.
“A identificação da proteína TRPV1 ampliou as perspectivas de pesquisas, permitindo a identificação de outros receptores semelhantes, como o TRPM8, ativado pelo frio”, esclarece a neurocientista Marília Zaluar Guimarães, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino, no Rio de Janeiro. “Julius e seus colaboradores verificaram mais tarde que essa proteína também era ativada em resposta a temperaturas superiores a 43 graus Celsius”, acrescenta a pesquisadora, que trabalhou com Julius entre os anos 2000 e 2004. Ela foi contemplada com uma bolsa da The Pew Charitable Trusts para desenvolver um estágio de pós-doutorado em seu laboratório. “Julius é um pesquisador espetacular e focado em achar respostas para grandes perguntas que depois resultem em artigos de impacto.”
Originalmente publicado por Pesquisa FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.