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FAPESP Na Mídia

Premiados no Santista denunciam obstáculos à pesquisa científica

Publicado em 01 setembro 1998

Por Ivan Mota
Eles ganharam o Prêmio Moinho Santista pelos relevantes serviços prestados à causa da pesquisa científica - um na categoria Sênior, outro na categoria Juventude. Por ser esta uma das mais mais cobiçadas premiações do setor, o Boletim SBI traz a seus leitores o pensamento dos dois cientistas brasileiros que o conquistaram em 98: Ivan Mota e Edécio Cunha. P: A que aspectos do trabalho, desenvolvido ao longo de sua carreira, o senhor atribui a outorga do Prêmio Santista? Quais os caminhos seguidos em suas pesquisas? R: Suponho que os experimentos que levaram à demonstração da função dos mastócitos na anafilaxia e outros fenômenos dependentes da IgE foram os que mais contribuíram à outorga do prêmio. P: Como o senhor se sente, neste momento, tendo recebido tão importante premiação? R: Evidente que me sinto muito satisfeito e honrado por ter recebido o prêmio, que me estimula mais ainda a continuar minhas pesquisas. P: Quais são os principais problemas sofridos, hoje, pela ciência e tecnologia no Brasil? Como o senhor encara as dificuldades para obter camundongos transgênicos, ou KOs? R: As dificuldades para obtenção dos reagentes, instrumentos de pesquisa desenvolvidos no exterior, estão no preço, na burocracia e no tempo que leva para a importação. Isto nós compensamos, quando possível, com criatividade e imaginação (o famoso jeitinho brasileiro). Já por várias vezes usei esta estratagema. P: Alguns dados pessoais: idade, estado civil, número de filhos, naturalidade, titulos. R: Nascido a 09/10/ 1920 em Recife, PE. Casado com Eunice Freire. Filhos: 4 - 2 filhos e duas filhas (1 médico, 1 agrônomo, uma física e uma psicóloga). Títulos: Médico, prof. Titular (aposentado) do Departamento de Imunologia do Instituto de Ciências Biomédicas da USP. Atual Liderança Científica do Instituto Butantã. EDÉCIO CUNHA P: O que significa para você, nesta altura da carreira, ver reconhecido seu trabalho por um dos prêmios mais importantes da sua área? R: Sem dúvida, é uma grande honra e estímulo. Acredito que uma das principais funções de prêmios como este é chamar a atenção do público para o fato de que existe trabalho científico de qualidade feito no País, algo que não costuma ocupar muito espaço na mídia. À medida em que a valorização social da ciência produzida no País aumenta, aumentam também suas perspectivas de crescimento e apoio. P: A que aspectos de suas pesquisas você atribui o reconhecimento do Prêmio Santista? R: Foi levada em consideração uma série de trabalhos onde se estudou a resposta de linfócitos T de camundongos e de pacientes, a nível periférico e no próprio coração, contra antíge-nos cardíacos definidos molecularmente, em reação cruzada com antígenos do Trypanosoma cruzi também definidos, e as funções efetoras destes linfócitos, potencialmente desencadeadoras da destruição ao tecido cardíaco na doença de Chagas crônica. Acredito que a tentativa de utilizar conceitos e metodologias de imunologia básica visando em última análise encontrar soluções (prevenção ou tratamento) para um problema de relevância nacional, como a Doença de Chagas, tenha sido um ponto positivo. P: Que rumos pretende dar a seu trabalho, a partir de agora? R: A idéia é continuar a estudar o papel da auto-imunidade na cardiopatia chagásica crônica, estudando também as causas da suscetibilidade diferencial ao desenvolvimento de cardiopatia entre os pacientes infectados pelo T. cruzi. Tentaremos estudar protocolos de controle da doença em modelos animais, visando no futuro transferir os conhecimentos para tratar pacientes. P: Quais os principais problemas que você (e os pesquisadores em geral) enfrentam no Brasil? R: Eu vejo quatro principais problemas para a categoria: o primeiro é a falta de recursos para fomento na maior parte dos Estados. Outro é a extrema dificuldade e lentidão das importações de equipamentos e insumos. Às vezes é quase patético esperar por um reagente por até mais de um ano, e quando ele chega (considerando que não foi danificado pela longa estocagem em condições inadequadas na Alfândega - já tivemos um material que foi devolvido quatro vezes por chegar descongelado) o pesquisador mal lembra para quê iria usá-lo, ou vê o seu experimento já publicado por um colega que more em um país menos burocrático. É extremamente difícil atuar em áreas áreas muito competitivas a nível competitivas a nível internacional por causa dessa falta de agilidade nas importações. O Governo ainda trata insumos para pesquisa da mesma forma que carro e uísque importado. O segundo problema é a relativa escassez de postos de pesquisa dificultando a colocação de pesquisadores em centros com razoável infra-estrutura. E o terceiro são os salários muito achatados de professores e pesquisadores. Isto acaba afugentando boas cabeças, especialmente para carreiras onde a área profissionalizante é mais bem paga - por exemplo, a medicina. P: Que soluções você apontaria para esses problemas? R: Para o problema das importações, a sua desregulamentação. A agência de financiamento daria uma autorização de importação a priori para o valor aprovado no projeto e as compras se fariam de modo direto. A agência e a Receita Federal controlariam a prestação de contas final. Não há necessidade de pensar que o pesquisador é suspeito de fraude e sonegação a priori, com tantos controles para cada passo como existem hoje. A escassez de recursos de fomento poderia ser diminuída com uma decisão política de aumento de gastos com ciência e tecnologia, assim como com uma maior participação da sociedade civil. Empresas privadas também poderiam fazer doações dedutíveis dos impostos a fundos de pesquisa. Para o problema das colocações, duas soluções se poderia imaginar. Uma, centralizadora, o fomento a grupos de pesquisa já estabelecidos, por exemplo para pós-doutorados ou estadias mais longas em laboratórios do país, de forma a captar pessoal formado para esses grupos de alta produtividade. Outra, descentralizadora, de se financiar um "enxoval" para a montagem de um laboratório em centros emergentes, como vem sendo feito pela FAPESP em São Paulo. Seria necessário um programa deste tipo a nível nacional, ou que as Universidades, ou a sociedade civil, a partir de doações dedutíveis do imposto, pudessem constituir fundo para esse fim. Esse fundo também poderia prover recursos para a melhoria salarial, especialmente dentro de um programa de incentivo à produtividade. As bolsas do CNPq têm esse grande mérito, mas devido ao grande achatamento atual dos salários, os valores ainda são insuficientes. Outra alternativa seria que os recursos liberados por agências de fomento incluíssem um complemento salarial para o responsável, como é feito em vários países. P: Informe alguns dados pessoais: idade, atuais atribuições, cargos, funções, estado civil, filhos. R: 32 anos, natural de Recife (PE), graduado médico em 88 pela Universidade de Brasília, Doutorado em Imunologia pelo ICB/ USP em 1994. Ganhador do Prêmio Roche à Pesquisa em 1994. Pesquisador nível I do Incor-Fac. Medicina da USP e chefe do grupo de pesquisa em Chagas do Laboratório de Imuno do Incor, orientador credenciado do programa de pós graduação em Imuno do ICB/ USP, orientador de 4 alunos de mestrado/doutorado. Casado com Lúcia Marin, pai de Daniel e Paula, com uma terceira a caminho.