Estudo pontua relações entre as duas condições, que têm protocolos de atendimento distintos
Durante a pandemia de COVID-19 , médicos e pesquisadores perceberam um padrão preocupante: gestantes infectadas pelo coronavírus apresentaram mais casos de pré-eclâmpsia . A condição, caracterizada pelo aumento da pressão arterial na gravidez, pode trazer riscos para a mãe e o bebê. Mas havia um desafio extra: os sintomas das duas doenças eram parecidos, o que dificultava o diagnóstico correto.
A pré-eclâmpsia, mais comum no terceiro trimestre, não se resume à pressão alta. Ela pode causar problemas renais, hepáticos e afetar a placenta , complicações também observadas em casos graves de COVID-19. O dilema era que a pré-eclâmpsia pode exigir a antecipação do parto, enquanto a COVID-19 pode demandar suporte clínico para manter a gestação. Distinguir entre uma e outra fazia diferença no tratamento.
Três anos após o pior momento da pandemia, uma revisão de estudos apoiada pela FAPESP e publicada no American Journal of Reproductive Immunology reforça a ideia de que as duas doenças podem estar ligadas. O estudo, conduzido por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e do Baylor College of Medicine (EUA), aponta que tanto a pré-eclâmpsia quanto a COVID-19 grave afetam o sistema renina-angiotensina, responsável por regular a pressão arterial . O vírus SARS-CoV-2 se liga ao receptor ACE2, essencial nesse sistema, o que pode explicar o aumento de casos de pré-eclâmpsia entre gestantes infectadas.
Mortalidade materna
No Brasil, mais de 300 mulheres morrem por ano devido à pré-eclâmpsia. Países de alta renda reduziram essas mortes com diagnósticos precoces e melhor acompanhamento das gestantes. Durante a pandemia, os números pioraram. Em 2020, o país registrou 1.965 mortes maternas. Em 2021, o número subiu para 3.030.
Maria Laura Costa do Nascimento, professora de obstetrícia da Unicamp e uma das autoras do estudo, alerta para o cenário. “Nosso objetivo para 2030 é reduzir a mortalidade materna para menos de 30 mortes a cada 100 mil nascidos vivos. Em 2023, ainda estávamos com cerca de 70. No pico da pandemia, chegamos a 120.”
Embora os dados mostrem um aumento na mortalidade materna durante a pandemia , a relação direta com a pré-eclâmpsia ainda não está comprovada. “Faltam informações de vigilância e um diagnóstico mais preciso”, explica Nascimento. Um estudo multicêntrico conduzido no Brasil apontou que quando as duas condições estavam presentes – COVID-19 e pré-eclâmpsia –, os riscos de morte ou complicações graves aumentaram.
Outro achado da pesquisa da Unicamp envolve os biomarcadores , substâncias que podem diferenciar a pré-eclâmpsia da COVID-19 em gestantes. A equipe analisou duas proteínas, sFlt-1 e PlGF, que controlam a dilatação e contração dos vasos sanguíneos. “Esses biomarcadores são específicos para a pré-eclâmpsia e não sofrem alterações na COVID-19. Podem ser usados para distinguir um quadro do outro”, explica a pesquisadora.
A COVID-19 deve entrar na lista de fatores de risco para a pré-eclâmpsia?
Ainda não há resposta definitiva, mas os estudos indicam que a relação merece mais investigação. Já se sabe que mulheres com hipertensão crônica, diabetes, doenças autoimunes ou que tiveram pré-eclâmpsia em gestações anteriores estão mais vulneráveis. No futuro, a infecção pelo coronavírus pode ser incluída nesse grupo.