O discurso é antigo, mas em época de eleição sempre se encontra entre as principais propostas governamentais dos candidatos aos cargos executivos: "Vamos investir em ciência e tecnologia para alcançarmos o desenvolvimento". Contudo, passado o período eleitoral, essas propostas parecem receber o mesmo destino dos artigos científicos produzidos pelos esforçados cientistas doutores de nossas universidades: a prateleira das estantes de arquivos.
Apesar da burocratização e até mesmo falta de recursos para o desenvolvimento dos núcleos de pesquisa das universidades brasileiras, a situação da pesquisa no Brasil é consideravelmente boa, inclusive no cenário internacional. Para se ter uma idéia, o país deu um salto na produção de artigos científicos publicados em revistas especializadas passando de pouco mais de 1.800 artigos no início da década de 80 para mais de 12 mil nos últimos anos. Apesar desse quantitativo, uma pequena parte desse conhecimento gerado pelos nossos doutores é convertida em patente e uma parcela ainda menor é revertida em riqueza, ou seja, desenvolvimento para a região onde foi desenvolvida tal pesquisa. Isso acontece porque falta uma cultura empreendedora entre os cientistas que não têm convertido essa produção em patentes, também falta interesse do poder público em fomentar linhas de crédito para produção de pesquisa e tecnologia, já que as verbas existentes são extremamente burocratizadas e o que é disponível pelas agências financiadoras são limitadas e distribuídas através de edital. Outro problema que emperra a difusão e produção de ciência e tecnologia é desvalorização desse potencial pelas empresas privadas que não se preocupam em investir nesse setor.
Para se ter uma idéia, nos Estados Unidos, cerca de 80% dos cientistas estão empregados no setor privado, já no Brasil, o mesmo quantitativo encontra-se dentro das universidades compartilhando boa parte do tempo entre a pesquisa e a docência. Esse quadro demonstra a total falta de interesse do poder público com o desenvolvimento do país, pois exibe uma situação paradoxal onde temos uma das piores educações básicas do planeta, enquanto gozamos de um quadro de alta excelência (professores mestres e doutores) dentro de nossas universidades limitados a produzir e engavetar conhecimento e tecnologia.
A situação se agrava quando enquadramos essa realidade em nosso Estado, cujo potencial econômico a ser desenvolvido pelas vias da ciência e tecnologia em várias áreas como mineração, agropecuária, fruticultura, psicultura, artesanato e turismo anda muito aquém dos padrões de excelência e competitividade que o mundo globalizado exige. A exceção se encontra nas áreas de gás e petróleo, cujas pesquisas são patrocinadas pela PETROBRAS e o RN é referência no país. Todo esse déficit na área de produção de ciência e tecnologia não pode ser atribuído à falta de recurso humano especializado, pois o Estado conta hoje com cerca de mil doutores pesquisadores com trabalhos publicados em periódicos especializados, inclusive em revistas científicas internacionais. Mas por causa da falta de recursos para transformar esse conhecimento em patentes e produtos que resultem em riqueza e desenvolvimento para o nosso Estado, todo esse potencial ainda encontra-se estancado nos laboratórios de nossas universidades.
Setor precisa de política arrojada
Uma saída para alavancar o desenvolvimento da ciência, tecnologia e inovação (CTI) em nosso Estado seria a adoção de uma política arrojada de incentivo, pois não adianta apenas formar pesquisadores, pois precisa existir uma política agressiva e desburocratizada de financiamento e incentivo à inovação e esse incentivo deve ser fomentado tanto em universidades quanto nas empresas privadas.
Atentos às possíveis perdas que o Rio Grande do Norte poderá ter no campo da competitividade, por causa da falta de uma estrutura governamental forte como uma Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia que administre uma política voltada para o fomento dessa área tão importante para o desenvolvimento dos potenciais locais, reitores das universidades locais elaboraram uma carta aberta aos candidatos ao governo do Estado propondo um compromisso de fomento à ciência, tecnologia e inovação através da criação da Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia que absorveria a Fundação de Apoio à Pesquisa do RN (FAPERN), órgão limitado a trabalhar ações isoladas de fomento à pesquisa que têm dado resultado. Mas essas ações ainda não se caracterizam como uma real política de ciência, tecnologia e inovação sistematizada e sustentável com capacidade de definir e aglutinar ações estruturantes na amplitude desejável para o desenvolvimento competitivo do RN.
Segundo Ivonildo Rêgo, reitor da UFRN, apesar das dificuldades, o estado deu avanços importantes na década de 90, quando mais precisamente em 1995 foi criado o Conselho Estadual de Ciência e Tecnologia (CONECIT) que seria responsável por gerenciar o Fundo Estadual de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNDET), que prevê a destino de 1% da arrecadação tributária do Estado para ser investido em pesquisa. Outro avanço foi a criação, em 2004, da FAPERN - órgão responsável por administrar a aplicação dos recursos oriundos do FUNDET. Contudo, a captação desses recursos é feita pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico na qual a fundação é subordinada. Ou seja, o órgão responsável por estimular a pesquisa no Estado não tem autonomia, não tem o status que FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) tem quanto à captação e gerenciamento dos recursos provenientes da arrecadação tributária daquele estado.
"Essas iniciativas tomadas pelos gestores do nosso Estado quanto à criação de um fundo e uma agência de fomento à ciência e tecnologia, embora louváveis, ainda estão longe do que é produzido em outros estados do Nordeste como Bahia, Pernambuco e, até mesmo, a Paraíba", explicou o reitor.
Ivonildo Rêgo acrescentou: "Hoje, em nosso Estado, contamos com uma estrutura de pesquisa razoável, somos referência na área de pesquisa de gás e petróleo, mas temos outras áreas para trabalharmos e para alcançarmos esse objetivo, precisamos dar um salto na questão dos recursos destinados à pesquisa. Isso só será possível através de uma política séria de ciência, tecnologia e inovação desenvolvida com independência através de uma Secretaria específica. Nós demos um salto na área de recursos humanos destinados à pesquisa", disse.
Diretor aponta novos caminhos
Enquanto o projeto de criação de um secretaria de estado específica para o fomento da ciência e tecnologia ainda encontra-se sob forma de proposta à espera da aprovação por parte do próximo governador eleito, o diretor do Centro de Tecnologia da UFRN, Manoel Lucas Filho, aponta outros caminhos para o desenvolvimento da ciência, tecnologia e inovação.
Para Manoel Lucas, do ponto de vista do desenvolvimento da ciência em nosso Estado, estamos bem, pois temos gente (pesquisadores) de excelência com nível e reconhecimento internacional, mas no contexto de transformação dessas pesquisas em benefício social e riqueza, é muito pouco. Isso se deve porque a universidade pública brasileira não aprendeu ainda a utilizar seus conhecimentos em prol da sociedade que a mantém à medida que não procura transformar seu potencial cientifico, ou seja, seu produto de ciência em produtos inovadores, sejam eles em forma de bens, processos ou serviços.
Segundo o professor, se observarmos a universidade americana, poderemos constatar a produção de patentes e que sustentam essas universidades através dos royalties dessas patentes. Esse é o produto que elas oferecem, mas em geral elas são instituições privadas e a cultura e a realidade socioeconômica daquele país são outra. Contudo, esse modelo não pode ser imitado pelas nossas universidades porque não serve para nossa realidade social. Por isso que as incubadoras de empresas das universidades brasileiras, de forma generalizada, nunca tiveram sucesso.
A solução estaria na criação do nosso próprio modelo de produção de patentes e geração de royalties e a Lei n° 10.973, de 02.02.2004, regulamentada através do Decreto nº 5.553, de 11.10.2005, chamada Lei de Inovação Tecnológica que viabiliza a parceria entre universidades públicas e empresas privadas, onde a universidade entraria como sócia no desenvolvimento de pesquisas.
Hoje, por exemplo, se alardeia que a UFRN é a segunda universidade brasileira em pesquisa na área de petróleo. Um dado louvável, mas o maior beneficiário dessa interação é a própria Petrobras. O que resta para a UFRN é a possibilidade de uso desses laboratórios para fomentar a pesquisa e formar quadros de mestres, doutores ou a iniciação cientifica no caso da graduação. Dentro do nosso contexto, isso já é um beneficio, mas é muito pouco. Se esses pesquisadores envolvidos nessa área de petróleo criassem uma empresa na conformidade da Lei 10.973, com a própria instituição universitária como sócia (isso a lei permite) poderíamos vender um serviço inovador e de qualidade à própria Petrobras e o resultado seria a entrada de dividendos para serem aplicados em investimentos na Universidade.
Manoel Lucas aponta ainda outro lado que é muito importante e que pode ser beneficiado pela lei: o social. Segundo ele, a universidade poderá também fomentar a criação de várias empresas inovadoras de alcance social como, por exemplo, uma empresa que inovasse e construísse moradias de baixa renda. Teria como clientes as prefeituras, os estados e o governo federal. Poderia também ajudar no fomento a essas construções com os dividendos obtidos na outra ponta.
Um exemplo disso é o assentamento Maria da Paz, em João Câmara onde os Departamentos de Arquitetura conjuntamente com o de Engenharia Civil inovou um modelo de construção rural. "Em todas as áreas do conhecimento poderíamos alavancar o desenvolvimento social de nossa região. Alguém também pode perguntar se essa lei de inovação só vale para produtos tecnológicos. Absolutamente não, as ciências humanas e sociais entrariam no circuito. Manoel Lucas acrescenta: "Com a qualidade e zelo que nossos pesquisadores têm com a coisa pública, tenho certeza que a sociedade ficaria mais tranqüila em relação aos livros didáticos que produziríamos".
Fundação está bem colocada no Nordeste
Com relação às críticas de que o Rio Grande do Norte ainda está engatinhando no fomento à pesquisa, o coordenador de estudos e análises de projetos da FAPERN, Marcos Fernandes, afirma que ainda estamos longe de comparação com os grandes centros, mas se levarmos em consideração o pouco tempo de existência da Fundação, estamos bem colocados no Nordeste.
Em apenas dois anos, a FAPERN já desenvolveu, entre finalizados e os que ainda estão em andamento, 125 projetos de pesquisa aplicados ao desenvolvimento dos potenciais do Estado. Esse resultado foi alcançado através de uma infra-estrutura mínima já que a FAPERN conta com apenas 15 pessoas para coordenar todos os projetos que contam com recursos do Estado. Para incrementar esse quantitativo, o Programa de Desenvolvimento Regional - DCR está com edital aberto até o dia 23 de outubro para seleção de projetos de pesquisa para recém doutores em diversas áreas.
"Hoje, a FAPERN tem participação em vários projetos científicos como o centro de tecnologia da carcinicultura; o desenvolvimento tecnológico do arranjo produtivo local da cotonicultura; avaliação do setor mineral do RN, incluindo o desenvolvimento do mapa geológico do Estado; programa estadual de biodiesel; projeto de extração racional do quartzito ouro branco; entre vários outros projetos que estão sendo desenvolvidos para ajudar no desenvolvimento econômico e social, através do desenvolvimento de tecnologia e inovação", disse.
A seleção de projetos de pesquisa pela FAPERN se dá através da demanda expontânea, quando o pesquisador procura a fundação para apresentar uma pesquisa, e por edital, modalidade que predomina, pois a maioria dos projetos é direcionada e conta com a contrapartida de outras agências de fomento à pesquisa como FINEP, CNPq e CAPES, além de empresas como a Petrobras. Os recursos da FAPERN são oriundos do FUNDET, ou seja, compreendem a 1% da arrecadação do Estado. O que, em 2005, girou em torno de 16 milhões.