Na última semana, vários veículos de comunicação divulgaram os resultados do recém-publicado “Wine Flora Study”, [1] trazendo a possível associação entre o consumo de vinho tinto e os benefícios à saúde cardiovascular de volta às manchetes.
Trata-se de uma pesquisa muito bem-feita, que contou com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e envolveu pesquisadores de renome afiliados às seguintes instituições: Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade de Brasília (UnB), Università degli Studi di Verona (Itália), Harvard University (Estados Unidos) e Austrian Institute of Technology (Áustria).
O estudo
Dados anteriores, como os divulgados pelo Medscape em 2019, indicaram benefícios do vinho tinto à flora intestinal.
O “Wine Flora Study” envolveu 42 participantes (homens; média de idade: 60 anos) com doença arterial coronariana. Cada indivíduo passou por duas intervenções: durante três semanas, consumiram diariamente 250 mL de vinho tinto (com 12,75% de concentração alcoólica, produzido com uvas do tipo merlot pelo Instituto Brasileiro do Vinho especialmente para o estudo); em seguida, abstiveram-se do consumo de bebidas alcoólicas pelo mesmo período.
Ambas as intervenções foram precedidas de uma preparação de duas semanas, na qual os participantes deixaram de consumir alimentos ou bebidas que pudessem interferir nos resultados, como bebidas alcoólicas, chás, morango, suco de uva, alimentos fermentados (p. ex., iogurte, kombucha, lecitina de soja, kefir e chucrute), prebióticos (incluindo insulina), probióticos, fibras e laticínios.
A cada intervenção, a microbiota intestinal foi analisada por sequenciamento de alto rendimento do gene 16S do ARNr, tecnologia que permite a identificação genética de espécies de bactérias. Também foram analisados os metabólitos presentes no plasma (metaboloma plasmático) — produzidos na metabolização de compostos químicos e alimentos — por meio da técnica LC-MS/MS, que separa os compostos em um sistema de cromatografia líquida e depois os analisa em um espectrômetro de massas.
Um dos metabólitos de interesse foi o chamado TMAO (N-óxido de trimetilamina), secretado por microrganismos da flora intestinal a partir do processamento de alimentos ricos em proteínas. O TMAO tem sido associado ao desenvolvimento da aterosclerose.
Resultados
A microbiota intestinal sofreu uma remodelação significativa após o período de consumo de vinho tinto, com predominância dos gêneros Parasutterella, Ruminococcaceae, Bacteroides e Prevotella, microrganismos fundamentais na homeostase.
Também foram observadas mudanças significativas na metabolômica plasmática, consistentes com a melhoria da homeostase redox, envolvida no “estresse oxidativo” que favorece a aterosclerose.
Os níveis plasmáticos do metabólito TMAO, no entanto, não diferiram entre os períodos de consumo e abstenção de vinho.
Implicações
Os pesquisadores concluíram que a modulação da microbiota intestinal pode contribuir para os supostos benefícios cardiovasculares do consumo moderado de vinho tinto. Mas tiveram o cuidado de ressaltar a ausência de modificação dos níveis de TMAO já no título do estudo, e discutiram a possibilidade de o período de três semanas ter sido muito curto para promover uma modificação significativa. Além disso, os autores enfatizaram que o estudo é “formulador de hipóteses” e incentivaram a realização de pesquisas adicionais.
Em entrevista à Fapesp, [2] o professor Protásio Lemos da Luz, envolvido na pesquisa, alertou sobre riscos associados ao consumo excessivo de bebidas alcoólicas (> 30 g, ou 250 mL, de vinho por dia).
Vale lembrar que o consumo de vinho no Brasil é muito menor que o de cerveja ou bebidas destiladas e as evidências disponíveis não comprovam a existência ou a magnitude dos efeitos protetores à saúde associados ao consumo leve ou moderado de bebidas alcoólicas.