O Brasil tinha pouco a perder e muito a ganhar com o forte apoio à reivindicação palestina na ONU. Do lado dos israelenses e americanos, os ânimos estavam menos exaltados ontem do que em setembro de 2011, quando os palestinos pleiteariam o reconhecimento pleno no Conselho de Segurança. Desta vez, Israel e EUA sabiam que perderiam de lavada na Assembleia-Geral e optaram por um lobby bem mais discreto na base da "contenção de danos". Do lado do mundo islâmico - espaço estratégico da chamada "política Sul-Sul" do Itamaraty-, o Brasil voltou a ser ovacionado por copatrocinar a resolução aprovada ontem e tentar atrair os latino-americanos para o campo palestino.
Segundo um funcionário de alto escalão do governo brasileiro, desta vez foi "muito mais moderada" a pressão americana sobre países que, como o Brasil, bancaram a ofensiva diplomática do presidente Mahmoud Abbas. Nas palavras de um diplomata israelense, "não valia a pena" protestar contra a posição brasileira. "O Brasil faz parte do grupo de países que vota sistematicamente contra Israel na ONU e sabemos que isso não vai mudar tão cedo, pois é uma diretriz do Itamaraty. Mas nós "concordamos em discordar" sobre política e, ao mesmo tempo, nunca tivemos uma agenda de cooperação e comércio tão promissora", explicou.
A agência de pesquisa do governo israelense, Matimop, acaba de fechar acordos ambiciosos com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC) e com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) para financiar empresas de tecnologia. Companhias de segurança de Israel querem faturar com a Copa e a Olimpíada. E, após comprar drones israelenses, o Brasil passará a produzir em breve os aviões não tripulados em uma fábrica no Rio Grande do Sul, fruto da parceria entre a Elbit, de Israel, e a Embraer. Desde o início do governo Dilma Rousseff, cinco ministros israelenses visitaram Brasília.
Elogios. Os palestinos, do outro lado, comemoram exatamente esse aspecto político da diplomacia brasileira que os israelenses tentam ignorar. "Com o apoio firme a uma Palestina livre, o Brasil demonstra ser um país que promove o direito e a paz e, por ser amigo de todos, deve desempenhar um papel importante no Oriente Médio", diz o embaixador da Autoridade Palestina em Brasília, Ibrahim Alzeben. Desde dezembro de 2010, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva - 48 horas antes de deixar o poder - reconheceu o Estado palestino, Alzeben chefia uma "embaixada" e não mais uma "representação especial".
A decisão do Brasil no fim de 2010 causou um efeito dominó na América do Sul: dois dias depois, a Argentina fez o mesmo, seguida por Uruguai, Chile (país sul-americano com a maior população palestina), Paraguai, além do bloco bolivariano. Apenas a Colômbia, grande aliada dos EUA na região, não reconheceu a Autoridade Palestina (Bogotá se absteve na votação de ontem).
Em outubro, o chanceler brasileiro, Antonio Patriota, esteve com o presidente Abbas em Ramallah, onde garantiu que o Brasil apoiaria novamente a iniciativa nas Nações Unidas. Mas não foi a primeira vez que Abbas escutou do governo Dilma a promessa de fazer campanha pelo Estado palestino. Em meados do ano passado, ela veio da boca de um mensageiro especial: o ex-presidente Lula, que se reuniu com o líder do Fatah em uma cúpula da União Africana na Guiné Equatorial, oferecendo seus ""bons ofícios" para trazer mais países latino-americanos ao barco palestino.
Enquanto Israel e o Hamas se enfrentavam na Faixa de Gaza, na semana passada, os países do Ibas (índia, Brasil e África do Sul) emitiram uma nota conjunta sob iniciativa de Nova Délhi exigindo um cessar-fogo, o fim do bloqueio israelense ao território e condenando o "uso desproporcional da força". O documento não mencionava os disparos de foguete contra alvos civis em Israel.
O Estado de S. Paulo - 30/11/2012