Ciência no Dia a Dia - Alberto Consolaro
Houve um tempo que professores das escolas primárias não tinham curso superior. Em tempos não tão distantes ter diploma universitário era o grande diferencial no mercado, garantia de emprego e bom salário. Passou um tempo e a especialização era mandatória para distinguir-se como um treinamento diferenciado da profissão.
A busca continuava e o mestrado passou a ser o nível mais superior entre os mortais, mas logo muita gente passou a ter o título de mestre. Havia de se fazer o doutorado, afinal ser doutor era apenas para alguns. Os doutores se multiplicaram. A competição, a necessidade de diferenciação e a exigência do mercado aumentavam. Eis que surgiu o pós-doutorado representado por estágio, pesquisa ou qualquer outra atividade em uma universidade, sem outorga de nenhum grau ou título.
A sociedade aceitou que parasse por aí? Não! A competitividade queria mais! Ser doutor pouco diferenciava, mesmo com pós-dou-torado, e o que importa hoje é o quanto se produz cientificamente ao ano e a qualidade das pesquisas. Oh vida cruel, onde querem que você chegue!? Calma, você já está com 60 anos e no horizonte aparece a sombra ou luz da aposentadoria sem que pudesse desfrutar a serenidade da plenitude intelectual e a fluidez da tranqüilidade do pensar e sentir. Você apenas cumpriu etapas, números e fórmulas concebidas; as boas coisas da vida profissional podem ter passado despercebidas!
No meio da vida cheguei e percebi a fluidez da plenitude, ainda longe do fim! A produtividade científica exige a cada ano ao menos um trabalho publicado em periódico de nível internacional; não é tão fácil de ser conseguido! A ciência reflete aguçadamente os demais setores por ser a vanguarda: a sociedade quer competitividade,mesmo que predatória.
Eu não sei quem foi, mas alguém decidiu: a universidade é para todos. Ela deixou de ser para um grupo de pessoas dedicadas para pensar e refletir mais profundamente sobre as coisas e problemas para ajudar o restante da sociedade resolver suas dificuldades.
Sociologicamente a hierarquização ou elitização faz parte do processo de convivência. Se regras estabelecem igualdades, logo dá-se um jeito de diferenciar. Como o ensino "superior" passou a ser para todos, no seu seio desenvolveu uma hierarquização dividindo-se a formação universitária em: graduação, especialização, mestrado, doutorado, pós-doutorado e produção científica constante. Neste sistema todas as boas universidades se organizaram com setores altamente profissionalizados para cada um destes degraus a ser alcançados pelo seus alunos e professores.
Pós-graduação: o novo "ensino superior"
A graduação passou a ser o ensino fundamental do nível "superior". Cursos de graduação são oferecidos pelos serviços sociais como o Senac, pelas Fatecs e instituições que antes nem pensavam em aventurar-se por estes caminhos da formação humana e profissional.
Os órgãos governamentais da educação, ciência e tecnologia para considerarem instituições de ensino efetivamente superior com status de universidade exigem que ofereçam um número mínimo de programas de mestrado (4) e doutorado (2). Para reconhecer estes programas os critérios são rígidos e aplicados rigorosa e anualmente. Para uma universidade se manter como tal requer-se muito planejamento e investimento financeiro e humano. Os hotéis foram classificados em número de estrelas, às universidades se atribuem conceitos e notas divulgadas para a sociedade.
A produtividade científica anual representa a principal faceta das avaliações a que se submete obrigatoriamente uma universidade. Para esta produção as cabeças pensantes são os doutores, pois mestres ainda são aprendizes nesta arte. Sem produção científica as instituições não têm status universitário oficial, deixam de ganhar bolsas de estudo, escasseiam-se os recursos das agências de pesquisa como Fapesp, CNPq e Finep, perdendo-se prestígio no meio intelectual, social e político.
Graduação e mestrado todo mundo tem e quase todas as instituições de ensino "superior" oferecem. Atualmente quem se distingue na sociedade do conhecimento é o doutor produtivo cientificamente e os programas de doutorado e pós-doutorado de qualidade! Este sistema fez do Brasil um dos países em que a ciência mais progrediu no mundo nos últimos dez anos. A graduação pode ser para todos, mas não o ensino universitário em todos os seus níveis: pronto, elitizou-se novamente!
Alberto Consolaro é professor titular da USP - Bauru. Escreve todas as segundas-feiras no JC. Email: consolaro@uol.com.br