Governo quer aumentar oferta de cursos stricto sensu em mais de 15% até 2013. Falta de especialistas no País motiva criação de programas.
O Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG 2011-2020) divulgado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) no ano passado estabelece como objetivo para a década um crescimento de pouco mais de 15% a cada três anos no número de cursos de pós-graduação registrados no país. Se a expectativa se cumprir, em 2013 serão 6.029 cursos formando mais de 60 mil mestres e doutores.
A projeção favorece quem procura cursos nos campos de tecnologias, ciências agrárias e da terra, engenharia e saúde, considerados prioritários para esses dez anos. "O cenário da formação superior é positivo para todas as áreas, mas o Brasil carece de mão de obra especializada sobretudo nesses setores", explica Lívio Amaral, diretor de avaliação da Capes.
Pelos dados de 2009, a maior parte dos cursos são de ciências da saúde e ciências humanas, com respectivamente 725 e 588 registros. De 2004 a 2009, o número total de cursos passou de 2.970 para 4.101 - alta de 38,1%-, chegando, em 2010, a 4.757.
Distribuição desigual - Ana Lúcia Almeida Gazzola, relatora do PNPG e docente da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), diz concordar que o quadro atual é positivo, mas ressalva que ele só será eficaz quando o crescimento for redimensionado, considerando-se a capacidade instalada do parque universitário brasileiro. A especialista diz acreditar que a formação de centros de referência espalhados pelo território nacional possa direcionar as metas repassadas às instituições de ensino. A maioria dos cursos de pós se concentra no Sudeste e no Sul.
"Em 24,1% das mesorregiões brasileiras [subdivisões dos Estados que agrupam cidades pelo perfil econômico e social], há apenas um ou nenhum doutor, e essa ausência é maior no Norte, no Nordeste e no Centro-Oeste", situa Danilo Giroldo, pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da Furg (Universidade Federal do Rio Grande). "É grave se pensarmos no destaque que essas regiões terão com a Copa de 2014."
Programas como a Rede Centro-Oeste, do governo federal, e a Renorbio (Rede Nordeste de Biotecnologia) buscam suprir a falta de pós-graduandos e de pesquisa científica em regiões como a do Cerrado e o Pantanal. "Criar cursos que tenham no corpo docente professores de diferentes faculdades é alternativa para se instituir um campo de pesquisa forte nessas regiões", frisa Giroldo.
Massa crítica - Para 2013, as agências de fomento Capes e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) estimam a distribuição de 105 mil bolsas para mestrado e doutorado. "Teremos o resultado apenas daqui a quatro ou cinco anos, quando essa massa crítica estará formada e produzindo", destaca Amaral.
Perfil dominante é o de mulher de 34 anos
Perfil - A busca por pós-graduação no Brasil, lato e stricto sensu, parte de um grupo majoritariamente feminino, com idade média de 34 anos e renda acima da média nacional. É o que apontam os dados da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE, de 2009. As mulheres representam 58% dos estudantes nesse nível de ensino. Apenas no mestrado profissional o número de homens é maior.
Segundo a Capes, 4.167 mulheres se matricularam nos cursos da modalidade, contra 5.937 registros masculinos. Estudantes de ambos os sexos têm renda familiar média de R$ 7.227,76. Para Fabio Gallo Garcia, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e autor do livro "Como Planejar a Educação", trata-se de uma parcela da população que tem acesso à formação superior.
A Pnad, que considerou alunos inscritos em instituições de ensino privadas, contabilizou 330.351 matrículas em cursos de pós no País. "O alto número de alunos se deve ao fato de que parte deles faz cursos de especialização lato sensu, não computados nas pesquisas encomendadas pelo governo federal", explica Simon Schwartzman, pesquisador do Instituto de Estudos do Trabalho e especialista em pesquisas sobre ensino superior.
Na pesquisa da Capes sobre pós stricto sensu com dados do mesmo ano, as matrículas somam 161.117, um pouco acima do contabilizado pela Pnad só no setor público, que oferece a maioria dos cursos desse tipo no Brasil.
Formação tardia - A idade com que os brasileiros têm concluído a pós-graduação preocupa os especialistas. "Caracteriza a formação tardia, causada principalmente por alguns doutorados ainda requererem o mestrado como etapa intermediária, prolongando o tempo para a qualificação", observa Schwartzman.
Para quem entra diretamente no doutorado após a graduação, é possível se formar antes dos 30 anos. Para o pesquisador, essa é a maneira mais rápida de alcançar melhores salários e impulsionar a carreira antes daqueles que entram na pós com idade superior. "A maioria das pessoas com essa formação no país é mais velha que em países mais desenvolvidos e trabalha sobretudo na docência", especifica.
Setor espacial - Logo que se formou em física, Flávio Damico, 43, encontrou na área de astronomia a possibilidade de fugir da docência e de trabalhar com pesquisa espacial. A escolha pelo mestrado, seguido do doutorado em astrofísica pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foi a base da formação para que ele prestasse concurso na própria instituição, em que hoje é pesquisador.
O setor espacial é um dos que têm destaque no PNPG 2011-2020 da Capes. Himilcon de Castro Carvalho, diretor de Política Espacial e Investimentos Estratégicos da Agência Espacial Brasileira (AEB) e um dos redatores do PNPG, frisa que, na atividade espacial, há carência imediata de 2.000 cientistas, técnicos e engenheiros, tanto em órgãos públicos quanto em privados.
Doutores em falta - As áreas de ciências agrárias e da terra, engenharias, tecnologias, ciências biomédicas, biologia e saúde também são citadas no plano. No campo de ciências agrárias, que teve aumento de 40% no número de cursos entre 2004 e 2009, estima-se que seja necessário formar 17 mil doutores para universidades e institutos de pesquisa, principalmente nas regiões Norte e Centro-oeste.
"Não significa que as demais áreas não terão novos cursos", afirma Lívio Amaral, diretor da Capes. "Mas devemos direcionar mais vagas e bolsas para esses setores, que são considerados estratégicos para a economia."
Humanas - Os cursos nas grandes áreas de ciências humanas e de linguística, letras e artes se multiplicaram nos últimos anos adotando uma política de interiorização e de expansão nas regiões Norte e Nordeste. "Hoje temos cursos em todos os estados brasileiros, exceto Maranhão, que terá em breve. Houve uma política de criação de novos cursos em centros que já possuíam a graduação", explica o coordenador de letras e linguística da Capes, Demerval da Hora Oliveira.
De 2004 a 2009, o número de programas na área passou de 168 para 225, em grande parte pelo incentivo da instituição em qualificar professores da educação básica através de mestrados profissionais, mais práticos. "A linguística hoje está voltada para a questão social, não é mais concebida como puramente teórica e desvinculada das questões da sociedade", afirma Oliveira. "O ensino e a qualificação de professores são o foco das atenções nos próximos anos." A tendência é que a área dê lugar também a linhas de pesquisa mais pragmáticas.
Já na área de ciências humanas, o número de programas passou de 421 para 588 entre 2004 e 2009, amparado num forte crescimento no Norte e no Nordeste. O próximo passo é elevar a qualidade desses programas - 85% dos cursos dessas regiões tiveram notas 3 ou 4 no sistema de avaliação da Capes.
Na busca da ampliação de cursos com nível de excelência, têm sido criados programas voltados a demandas regionais vinculadas a políticas públicas. Estudo de questões indígenas, estudos estratégicos e de segurança e história da cultura regional são exemplos.
Ciências Biológicas - Uma pós não é o único caminho para o profissional de ciências da saúde e biológicas melhorar sua formação. Ele pode aprofundar conhecimentos em residências e na prática da profissão, destaca a professora Regina Célia Mingroni Netto, coordenadora do programa de pós-graduação em ciências biológicas da USP.
Para a especialista, isso explica a desaceleração no crescimento do número de cursos de mestrado e doutorado entre 2004 e 2009 não só em ciências biológicas (de 11,2% para 9,2%) e ciências da saúde (de 19,6% para 17,7%) mas também em ciências exatas e da terra (de 10,8% para 10,2%).
Os valores de bolsas também são desestimulantes, acrescenta o professor Edmilson Dias de Freitas, do Departamento de Ciências Atmosféricas do IAG-USP (Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo).
Segundo Regina Netto, a lentidão para aprovar projetos em comissões de ética, a demora ao importar produtos e peças de equipamentos e a burocracia em universidades e institutos também contribuem para o quadro. "No tempo em que um americano faz dez pesquisas, eu faço uma", compara.
Engenheiros - O ritmo de crescimento de cursos de pós-graduação stricto sensu no Brasil caiu entre 2004 e 2009, segundo relatório da Capes, e uma das maiores responsáveis pela puxada no freio de mão foi a área de engenharia. Pelo relatório, em 2004 a oferta de cursos de especialização, mestrado e doutorado para engenheiros era de 11,5% do total de cursos. Em 2009, caiu para 10,9%. De 800 mil concluintes de pós em diversas áreas naquele ano, só 5,9% foram de engenharia, produção e construção.
O fenômeno pode ser explicado pela falta de engenheiros no País, que acarreta contratação em massa logo após a graduação, fazendo com que os profissionais nem sequer tenham tempo (ou interesse) para uma pós. Apenas com diploma de graduação, eles recebem propostas atrativas em multinacionais e grandes empresas.
De acordo com o coordenador do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Mecânica da Escola de Engenharia de São Carlos, da Universidade de São Paulo, Marcelo Trindade, a situação pode ficar preocupante. "O País precisará de mais engenheiros especializados e focados em pesquisa para sustentar o desenvolvimento da indústria nacional", frisa.
Para o professor Gherhardt Ribatski, membro da Comissão de Pós-Graduação em Engenharia Mecânica da USP, o decréscimo se relaciona ao reduzido valor das bolsas de estudo em comparação aos salários na iniciativa privada. A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), por exemplo, paga a mestrandos bolsas de R$ 1.477 a R$ 1.568. Doutorandos recebem de R$ 2.177 a R$ 2.695. Um trainee da área pode começar em uma empresa com R$ 4.000.
Prioridades - A carreira de um engenheiro deverá passar por áreas que a Capes priorizará nos próximos dez anos - caso de geração e distribuição de energia e desenvolvimento de transporte eficiente. Para ampliar a visão sobre esses temas, a interdisciplinaridade é tendência, cita Estevam Barbosa de Las Casas, coordenador da área de avaliação Engenharias 1 da Capes. "Em engenharia de materiais, há profissionais de saúde e físicos; na engenharia de estruturas, fisioterapeutas e cientistas da computação."