Para que instituições sejam cada vez mais relevantes, devem colocar para si o desafio contínuo de questionar suas éticas e códigos morais e responder às suas responsabilidades nos campos ambiental e social
Zoológicos e aquários são espaços científico-culturais amplamente visitados em todo o mundo. De acordo com a Waza (Associação Mundial de Zoológicos e Aquários), mais de 700 milhões de pessoas visitam estas instituições anualmente. Os desejos e motivos são variados: enquanto alguns buscam contato com animais silvestres, outros querem um momento de lazer junto a amigos e familiares e outros, ainda, buscam aprender sobre a fauna local ou exótica.
Por outro lado, grupos anti-zoos se posicionam negativamente a essas instituições alegando falta de cuidados, recintos desprovidos de qualidade e o abuso ao direito intrínseco de liberdade dos animais.
Este debate é relevante e exige que zoos e aquários repensem seus papéis sociais e se posicionem frente à sociedade. O discurso conservacionista dessas instituições emerge desse cenário, alçando a conservação da biodiversidade ao elemento central de suas ações.
No século 21, zoológicos e aquários tomaram para si a tarefa de serem um dos principais espaços da promoção de valores e comportamentos em favor da conservação da biodiversidade. Estratégias de conservação de espécies em extinção desenvolvidas nos ambientes de origem dos animais (chamadas "in situ") ou nos zoológicos e aquários (chamadas "ex situ"), campanhas locais, regionais ou internacionais de proteção à fauna, promoção da interação humano/fauna são algumas das ações desenvolvidas que os colocam como um dos principais responsáveis pelo investimento em ações de conservação integrada da fauna silvestre. Mas vale perguntar se seus públicos os compreendem como tal e se as pessoas que trabalham nos diferentes setores destas instituições assumem essa posição.
Em investigação desenvolvida pelo grupo de pesquisa Choices, do Instituto de Biociências da USP, com apoio da FAPESP e do CNPq , vemos que os funcionários dos zoológicos e aquários investigados - sejam eles dos setores educativos ou administrativos - possuem um discurso sobre conservação bastante complexo, abrangendo não somente uma abordagem biológica/ecológica, mas trazendo elementos de uma visão humanística da conservação da biodiversidade. Colocam a educação para a conservação como um dos pilares de suas instituições. Mas, quando consideramos o discurso sobre conservação expresso na comunicação visual de zoos e aquários, vemos que a conservação é apresentada aos visitantes de uma forma simplista, pautada principalmente em características e informações sobre os animais expostos, distante do que é presente no discurso da equipe que a elabora.
Uma das missões de zoológicos e aquários é assumir uma parte importante da responsabilidade pela conservação da biodiversidade, já que estão em uma posição única: a de promover a conservação de forma integrada, por meio da pesquisa, educação e lazer
Em um primeiro momento, poderíamos achar que este é um bom resultado, pois vemos que o discurso conservacionista nas placas se aproxima mais das percepções dos públicos sobre conservação do que das ideias dos profissionais das instituições. A partir da dissertação "A conservação da biodiversidade em exposições de zoológicos: diálogos entre públicos e instituição" de Hélen Akemi de Queiróz Nomura 1, desenvolvida no Zoológico de São Paulo e com base em coleta em outras 11 instituições, observamos que zoos e aquários conseguem comunicar mensagens conservacionistas em diálogo com boa parte de seus públicos, havendo grande semelhança entre o que os públicos pensam sobre conservação e aquilo que zoos e aquários apresentam em suas placas.
Mas, como fazer para que a visão de seus profissionais dialogue mais amplamente com sua audiência, sem se constituir como um discurso científico hegemônico a ser "consumido" por seus públicos? Como problematizado pela Waza, se estas instituições pretendem continuar relevantes na sociedade atual, devem colocar para si o desafio contínuo de questionar suas éticas e códigos morais e responder às suas responsabilidades sociais.
Já sabemos que é necessário aprofundar o debate sobre as dimensões variadas da conservação, em especial, as de cunho moral ou estético, importantes elementos para se refletir sobre a justificativa (bem como sobre a necessidade de justificativa) das ações conservacionistas. Além disso, é importante que as instituições explicitem sua posição em relação à integração entre ser humano e ambiente, ponto relevante ao debate e apontado por seus visitantes como uma possível contradição: ao mesmo tempo em que o ser humano é parte do ambiente, atualmente, está distanciado do que poderia ser considerado “natureza".
No caótico cenário socioambiental em que vivemos, considerar questões políticas, agrárias, habitacionais, estruturais e culturais, em uma perspectiva participatória interseccional, incluindo dimensões como as de classe, geração, etnia e gênero, passa a ser fundamental para a sobrevivência destas instituições.
Como colocado anteriormente, uma das missões de zoológicos e aquários é assumir uma parte importante da responsabilidade pela conservação da biodiversidade, já que estão em uma posição única: a de promover a conservação de forma integrada, por meio da pesquisa, educação e lazer. Entretanto, restringir o complexo debate público sobre conservação da biodiversidade às ações educativas realizadas presencialmente ou de forma remota pode não ser suficiente para um diálogo eficiente sobre essa conservação.
Nesse contexto, um caminho possível para diminuir o distanciamento de perspectivas e diálogos sobre conservação nessas instituições é o fortalecimento de uma cultura de conservação. Essa mudança envolve responsabilidades para toda a comunidade de profissionais que atuam nessas instituições, partindo do princípio da transversalidade desses diálogos, não se restringindo ao setor educativo.
O estabelecimento dessa cultura compreende uma dimensão micro, relacionada à necessidade de estabelecimento de diretrizes institucionais e planos educativos coerentes com a missão dos zoos e aquários. E, também, de mecanismos que ampliem o diálogo nas instituições, como grupos de trabalho entre seus diferentes setores, para que as incertezas e riscos sobre a conservação da biodiversidade e o papel sócio-histórico e científico desses espaços façam parte da práxis das equipes.
Ainda em um nível micro, vê-se que a importância dessas articulações realizadas em cada instituição podem conectar seus públicos, permitindo que a conservação da biodiversidade seja eixo condutor de seus programas, projetos e ações, desde uma comunicação visual problematizadora e com potencial de propor transformações de comportamentos até diálogos educativos que promovam a participação social.
Em nível macro, vemos a importância de associações regionais e internacionais de zoológicos e aquários participarem de proposições e análises de políticas públicas necessárias à emergência de uma cultura de conservação nesses espaços, fortalecendo suas diretrizes e práticas institucionais.
Propomos, assim, irmos além da lógica de uma educação para a cultura de conservação e pensarmos também em uma atividade institucional que promova a cultura de conservação dentro e fora dos muros.
Alessandra Bizerra é docente do Departamento de Zoologia do Instituto de Biociências da USP e coordenadora do grupo de pesquisa Choices (Culture and Historicity in Out-of-School Innovation for Communication and Education in Science). Orienta pelos Programas de Pós-graduação em Educação (USP) e Interunidades em Ensino de Ciências (USP).
Camila Martins é consultora em espaços de educação não formal, com experiência na construção participativa de práticas educativas em zoológicos e aquários. Atuou como coordenadora de setores educativos de importantes zoológicos brasileiros como Fundação Parque Zoológico de São Paulo (SP) e Parque das Aves (PR). Possui mestrado em conservação da Fauna (UFSCar/FPZSP) e doutorado em ensino de ciências (Programa Interunidades em Ensino de Ciências/USP).
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