O presidente Michel Temer recebeu na sexta-feira (29) uma carta de 23 cientistas de países como Estados Unidos, Alemanha, França, Israel e Japão. Em comum, todos os autores são vencedores de um prêmio Nobel nos últimos 40 anos e desaprovam as repetidas e drásticas reduções do orçamento voltado à produção científica no país.
Abaixo, uma reprodução do conteúdo da carta enviada por e-mail para o gabinete da Presidência da República:
Dentre os signatários, estão laureados ao Nobel de medicina (Harold Varmus, Jules Hoffman, Tim Hunt, Torsten Wiesel), química (Martin Chalfie, Johann Deisenhofer, Robert Huber, Ada Yonath, Dan Shechtmann, Venkatraman Ramakrishnan, Jean-Marie Lehn, Yuan T. Lee) e física (Albert Fert, David Gross, Serge Haroche, Claude Cohen-Tannoudji, Andre Geim, Robert B. Laughlin, Frederic Duncan M. Haldane, Klaus von Klitzing, Arthur McDonald, Takaaki Kajita, Jerome Friedman).
Ao jornalista Herton Escobar, do jornal O Estado de S. Paulo, o físico americano e signatário da carta David Gross disse que a situação é “trágica” e que a política de cortes do governo brasileiro é “estúpida e autodestrutiva”.
Vencedor de um Nobel em 2004, Gross disse que os orçamentos à ciência e tecnologia não podem sofrer cortes desse tamanho “sem ter consequências graves”. Uma delas, apontada na carta, é a chamada “fuga de cérebros”, termo que se refere ao fato de que pesquisadores podem ser compelidos a deixar o país para buscar estrutura de pesquisa em outro lugar.
O orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações de 2017 ficou em R$ 3,2 bilhões, uma redução de 44% em relação ao ano anterior. Há quatro anos, o orçamento da pasta era de cerca de R$ 10 bilhões, sem considerar a inflação no período.
Como efeito dos cortes, a principal agência de fomento à pesquisa do país, o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), teve seu orçamento afetado, colocando em risco o pagamento das bolsas de mais de 100 mil pesquisadores brasileiros. A redução do orçamento de todo o ministério refletiu-se na redução em R$ 572 milhões dos R$ 1,3 bilhão esperados pelo CNPq em 2017.
Em agosto, o presidente da agência, Mario Neto Borges, chegou a dizer que o caso era de “urgência urgentíssima” e que o dinheiro havia acabado.
Na esteira, os orçamentos de agências estaduais de fomento importantes como a Faperj (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro) e a Fapesp (a correlata paulista) também foram afetados, sendo reduzidos em 30% e 11%, respectivamente, neste ano.
A carta dos premiados pelo Nobel reflete um protesto feito por pesquisadores e cientistas brasileiros desde que os cortes foram anunciados, em 2016.
“Estamos dizendo isso ao governo há mais de um ano”, disse Helena Nader, presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) ao jornal Folha de S.Paulo. “Tivemos várias reuniões com o presidente, mandamos várias cartas para os ministros Meirelles (Fazenda) e Dyogo Oliveira (Planejamento). O problema é que, no Brasil, ainda se encara educação e ciência como despesas, e não como investimento como faz o resto do mundo”, afirmou.
Nader disse esperar que, agora, o presidente se sensibilize, já que a carta “não foi escrita por amadores”. “São pessoas que sabem que a ciência deve ser uma política de Estado, o que não acontece no Brasil.”
Em abril de 2017, grupos organizados realizaram eventos como a Marcha pela Ciência, contra o contigenciamento na área. No início de setembro, outra manifestação reuniu 200 cientistas e pesquisadores na avenida Paulista, em São Paulo. Outra marcha do tipo está agendada para o próximo dia 8 de outubro, também em São Paulo.
Em julho, instituições federais de pesquisa como o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), o Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia) e o Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) escreveram um manifesto alertando para os “danos irrecuperáveis” causados pelos cortes sobre suas estruturas, referindo-se às sucessivas reduções que enxugaram os repasses em 24% nos últimos sete anos.
O Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, dirigido pelo ministro Gilberto Kassab (PSD), ainda não se pronunciou a respeito da carta. Na quarta-feira (27), em nota sobre reunião do conselho consultivo do ministério, Kassab cobrou união da comunidade científica enquanto o governo continua o “esforço muito grande” em “recompor” o orçamento para 2018.
“Convoco a comunidade científica e as entidades vinculadas ao nosso ministério para que possamos sensibilizar mais uma vez a área econômica na recuperação do orçamento”, disse.