Nesta semana, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) anunciou que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou os testes clínicos de fase 1 e 2 da SpiN-Tec, vacina contra a Covid-19 que está sendo desenvolvida na instituição. Com o controle do coronavírus desde a onda da variante ômicron, que teve seu auge na virada do ano, porque ainda é importante dar sequência à pesquisa?
A reportagem de O TEMPO conversou com dois médicos infectologistas diretamente envolvidos no desenvolvimento do imunizante para explicar os motivos: Unaí Tupinambás, que é professor da UFMG; e Adelino de Melo Freire Júnior, diretor-técnico da Target Medicina de Precisão e vinculado ao Hospital Felício Rocho, em BH, que vai contribuir nos testes.
Para Unaí, a pesquisa cumpre papel fundamental na soberania do Brasil perante o mundo como um país que desenvolve tecnologia de ponta. "Um país nunca será soberano se não tiver independência científica. Se a gente produz essa vacina hoje, amanhã a gente pode produzir a vacina contra a monkeypox, por exemplo. Todo país que é soberano tem desenvolvimento em educação, ciência e tecnologia. Isso é fundamental para a soberania de um País, como acontece nos Estados Unidos, na Coreia do Sul e em vários países da Europa. Eles desenvolveram suas próprias tecnologias”, diz.
Já Adelino de Melo Freire Júnior lembra que ainda há possibilidade de novos surtos da Covid-19, pois o coronavírus continua em circulação. “Ainda continua sendo importante desenvolver a vacina, porque a Covid-19 não acabou, nem vai acabar. O vírus vai continuar circulando de maneira sazonal, então ele vai ter momentos de alta e de queda. Já se prevê um novo aumento em breve, já começou a ter aumentos de casos novamente na Europa. Alguns fatores podem estar relacionados, mas o que se prevê é que continuaremos tendo ondas”, afirma.
Ele complementa que, diante da chance de novos surtos, o Brasil precisa ser independente para não depender de matéria-prima de outros países. “Por isso, ter autonomia na construção, desenvolvimento e produção da vacina é essencial para que a gente não fique dependendo de ter IFA (ingrediente farmacêutico ativo, a matéria-prima dos imunizantes), problemas que passamos até meados de 2021”, completa.
Adelino lembra, ainda, que essa primeira geração de vacinas aplicada na população tem limitações. A maioria delas protege o paciente contra casos graves da Covid-19, mas ainda não impede a transmissão da doença. “A gente tem espaço para vacinas com novas tecnologias e outras vantagens. Outro ponto é a gente evoluir do ponto de vista tecnológico, ter mais um parque de produção de vacina no Brasil, que possa estar preparado para futuras disseminação de doenças infectocontagiosas, novas pandemias que possam surgir”, afirma.
Diante do trabalho conduzido pela UFMG, Unaí Tupinambás diz que é preciso reconhecer a contribuição da universidade para a sociedade, após os consecutivos cortes decretados pelo governo federal no Ministério da Educação (MEC). "É claro que isso (os testes clínicos da SpiN-Tec) demora um tempo, ainda mais nesse cenário de baixa de casos. Acho que a gente tem tudo para começar os ensaios clínicos no início do ano que vem. Mas, claro que a retirada de recursos do MEC para financiar o orçamento secreto tira a agilidade com que isso acontece", diz.
Por dentro da vacina
A SpiN-Tec é uma proteína quimérica recombinante que utiliza a proteína SpiN, desenvolvida pelo Centro de pesquisa e produção de vacinas da Universidade Federal de Minas Gerais (CT Vacinas da UFMG).
Para a autorização, a Anvisa analisou os dados das etapas anteriores de desenvolvimento dos produtos, incluindo estudos não clínicos in vitro e em animais, bem como dados preliminares de estudos clínicos em andamento. Os resultados obtidos, até o momento, demonstraram um perfil de segurança aceitável da vacina candidata.
Segundo a Anvisa, trata-se de ensaios clínico em que o produto investigacional será utilizado pela primeira vez em humanos. O ensaio terá duas partes: “Um ensaio clínico, de fase 1, de dose escalonada para verificar segurança e reatogenicidade do produto investigacional; e outro ensaio clínico, de fase 2, para estudo de segurança e imunogenicidade da SpiN-Tec”.
“O ensaio clínico incluirá participantes saudáveis de ambos os sexos, com idade entre 18 e 85 anos, que completaram o esquema vacinal primário com a Coronavac ou Covishield (Astrazeneca/Oxford), e que receberam uma ou duas doses de reforço com a Covishield ou Comirnaty (Pfizer) há pelo menos seis meses”, informou a Anvisa.
O estudo será financiado pela UFMG, pelo Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovação (MCTI), pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e prefeitura de Belo Horizonte.