Nascido na UFPE, o Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife ultrapassou os muros acadêmicos e se tornou referência internacional
Eduardo Geraque escreve de Recife para a 'Agência Fapesp':
A gerente de inovação tecnológica Claudia Cunha revela, em entrevista à 'Agência Fapesp', a força motriz por trás da instituição.
Qualquer turista que tenha ido ao Recife nos últimos anos certamente passou pelo centro histórico da cidade. Ali está o Marco Zero, com a vista para as obras de Francisco Brennand instaladas sobre os arrecifes.
Também a rua Bom Pastor, com seu casario colonial restaurado e a primeira sinagoga construída nas Américas, durante o governo - nem sempre comemorado pelos pernambucanos - de José Maurício de Nassau, que durou de 1637 a 1644.
Mas há uma outra cidade funcionando ali, de história muito mais recente. Nos edifícios restaurados no final da década de 1990, o movimento é invisível e silencioso.
Ele ocorre pela transferência de dados entre os computadores dos integrantes do chamado Porto Digital, conceito criado no ano 2000, e de seus clientes. Entre as várias empresas de inovação tecnológica que atravessaram as pontes da cidade para ocupar a antiga região degradada uma tem trajetória ímpar.
Depois de nascer na Universidade Federal do Recife (UFPE), o Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (Cesar) rompeu os muros acadêmicos e se tornou referência tecnológica.
A ponto de a organização não-governamental participar hoje, entre outros programas, de um projeto de desenvolvimento de tecnologias para televisões digitais organizado pela Comunidade Européia.
A força motriz do Cesar é a estreita ligação que existe com as entidades acadêmicas brasileiras e internacionais, como mostra a gerente de inovação tecnológica Claudia Cunha, em entrevista concedida à 'Agência Fapesp' na sede da instituição.
'Agência Fapesp' - A experiência de nascimento do Cesar é bastante simbólica em termos de inovação tecnológica. Poderia contar como ela ocorreu?
Claudia Cunha - O Cesar foi criado com a visão de ser um mediador entre as Universidades e as empresas. Surgiu há sete anos como uma iniciativa de aproximar o Centro de Informática da Universidade Federal de Pernambuco do setor de tecnologia da informação local. A partir desse processo se criou um ciclo e a função permanente de fazer a ponte com o setor de informática.
Esse ciclo funciona apenas em um único sentido?
Claudia - Desde que o Cesar começou a fazer prospecção do mercado, passou também a dar feedback ao Centro de Informática da UFPE. Chegamos, inclusive, a contribuir com algumas noites para a Universidade. Isso, para que o mercado pudesse ser retratado na formação de pessoal. Inclusive, esse processo já causou até alterações em ementas curriculares. Não somos nós, obviamente, que alteramos os currículos, damos apenas algumas contribuições. Se isso for considerado conveniente pelos professores da Universidade, tudo bem.
Mas o Cesar hoje deixou de ser 'alimentado' apenas pela UFPE, não é?
Claudia - Quando fomos criados, também fazia parte dos nossos planos levar soluções inovadoras para o mercado, a partir do conhecimento instalado na Universidade. Obviamente que isso, com o tempo, foi se ampliando. Hoje em dia, apesar de a parceria com o Centro de Informática da UFPE ainda ser a mais forte (o Cesar, conforme prevê o estatuto da instituição, é formado por professores do Centro de Informática da UFPE) existem outras, de diversos tipos. Estamos nos aproximando de outros centros acadêmicos, tanto locais como externos, inclusive de outros países. Vamos começar agora a criar protocolos de parceria, termos de intenção e cooperação, projetos conjuntos, etc.
Com quais instituições existem parcerias fechadas?
Claudia - A lista nacional tem, além da UFPE, as Universidades federais da Paraíba, do Rio Grande do Norte e do Rio Grande do Sul, a Universidade Estadual de Campinas, a Universidade de SP e a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Temos diversos projetos de pesquisa. Cada um deles, na maioria dos casos, tem vários conjuntos de parceiros, sejam empresas ou instituições acadêmicas. Lá fora, estamos estruturando uma parceria formal, pois já existe uma informal, com o Instituto Fraunhofer, da Alemanha.
Esses novos rumos estão espelhados, inclusive, na localização das instalações físicas do Cesar.
Claudia - No início, funcionávamos dentro do próprio Centro de Informática. Por conta do Programa Porto Digital, houve um acerto para que ocorresse a mudança. Somos considerados hoje uma âncora para o setor de tecnologia da informação em Pernambuco. O Cesar emprega 310 pessoas, sendo que 80% são pesquisadores. Pelo nosso estatuto, somos uma organização não-governamental sem fins lucrativos.
O fato de ser uma ONG ajuda na hora de alavancar o setor de tecnologia na região?
Claudia - Com certeza. Um dos papéis de uma ONG é provocar uma melhora em seu ecossistema. A questão da visibilidade, da atração de novas empresas para Pernambuco e para o Porto Digital, por exemplo, está sendo exitosa. O Cesar tem contribuído para a vinda de empresas até internacionais que, talvez, se não existisse esse projeto mais amplo por aqui, teriam desembarcado no eixo Rio-SP.
O Porto Digital, com suas 70 empresas, também pode ser considerado um sucesso? A atração de novos grupos está dentro do esperado?
Claudia - Creio que sim. Muita coisa foi feita. É óbvio que tem um ponto ou outro do projeto que certamente já deveria ter sido executado. Mas o crescimento tem sido bastante positivo. A visibilidade que existe hoje é grande, inclusive no exterior. O Porto Digital - existe um núcleo do programa com uma presidência e uma diretoria que gosta de usar o termo 'porto de negócios - tem recebido muitas missões internacionais.
Existe alguma política de proteção para evitar a concorrência entre as empresas que trabalham no Porto Digital?
Claudia - Não. Logicamente estamos em um mercado livre. Não existe nenhuma reserva de mercado formal. Mas as empresas, de uma forma geral, sabem que é necessário trabalhar próximas, de forma alinhada, para que as oportunidades externas sejam positivas para todos. O crescimento do mercado é bom para todo, mundo. Todos sabem que esse trabalho está sendo desenvolvido por diversos atores. É uma junção de várias iniciativas que, quando agrupadas, devem convergir. A idéia é que isso realmente se transforme num grande pólo de tecnologia.
E a atração de pesquisadores, também está ocorrendo?
Claudia - Sim. E isso é um ponto interessante. Há dez anos, o nível de evasão era muito grande, mas hoje as pessoas têm condições de ficar por existir aqui um mercado formado por empresas de ponta. A situação está bem mais equilibrada, também, em relação à formação de recursos humanos no Estado. Hoje, apenas no Recife, existem 12 instituições de nível superior voltadas para tecnologia da informação. Também foi importante o processo de volta pesquisadores que estavam trabalhando no eixo Rio-SP e até nos EUA. Temos exemplos disso aqui mesmo no Cesar.
A questão entre pesquisa básica e aplicada está bem resolvida dentro desse processo de transferência de conhecimento da Universidade para as empresas. Nesse contexto, quais são as principais áreas em que o Cesar está trabalhando?
Claudia - Estamos em várias áreas, como mobilidade, telefonia celular, televisão digital. Além de grid computing, há projetos mais ligados a metodologia e padrões de desenvolvimento. Existem as áreas prioritárias e dentro delas os projetos atrelados. A partir desse desenho vamos identificando as demandas das empresas ou prospectando as inovações tecnológicas.
A área de televisão digital é uma das mais promissoras?
Claudia - Os projetos de TV digital estão crescendo bastante. Eles estão atrelados à questão da mobilidade, outra área forte para nós. Nossos projetos pretendem trabalhar o conteúdo para televisão digital em dispositivos de telefonia celular. Esse projeto é controlado pela Comunidade Européia. Existem outras instituições brasileiras envolvidas, como a USP e o Laboratório Philips da Amazônia. O projeto todo tem 26 instituições envolvidas em três frentes: conteúdo, interface e o desenvolvimento do sistema.
E o que o Cesar está planejando para o futuro?
Claudia - Nós sempre fomos uma instituição voltada para a inovação e é fundamental que essa missão seja sempre revista. Temos a necessidade de estruturar um pouco mais essa questão, por meio de processos específicos. Estamos estabelecendo algumas metas nessa direção, como a formalização de parcerias com instituições de pesquisa, atração de novos projetos, inserção de pesquisas nos fundos setoriais, projetos incentivados por leis de informática e assim por diante. Ou seja, continuar como um instituto de pesquisa sempre interessado em fazer a ponte entre a Universidade e o mercado.
(Agência Fapesp, 8/7)
JC e-mail 2559, de 08 de Julho de 2004.
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