A Amazônia é uma região em transição. Projetos de construção de hidrelétricas, estradas, urbanização das cidades e as queimadas têm afetado a floresta e preocupado cientistas do mundo todo. Conforme o pesquisador do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), Paulo Artaxo, as transformações, por exemplo, em Manaus e Santarém (PA), têm impacto sobre a floresta e precisam ser entendidas.
Na tentativa de compreender como estas atividades têm mudado a formação de nuvens, de partículas de aerossóis (atuam no espalhamento e absorção de radiação solar e na condensação e formação de nuvens), o ciclo de carbono e a influência sobre a floresta, há um ano o projeto ‘Experimento LBA/GoAmazon: como a pluma de Manaus interage com emissões atmosféricas da floresta amazônica’ tem se debruçado sobre essas questões. O seminário para apresentação dos resultados parciais foi realizado nesta sexta-feira (6), no campus II, auditório do Programa de Larga Escala da Biosfera-Atmosfera da Amazônia (LBA), do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).
Formado por mais de 150 pesquisadores, o experimento visa entender a influência das emissões urbanas da pluma de Manaus sobre a floresta. O monitoramento é feito vento acima (150 quilômetros ao norte, onde o ar é mais limpo) e abaixo (em direção ao município de Manacapuru – distante 84 quilômetros).
As medidas começaram em janeiro de 2014 e a previsão para o término é em dezembro de 2015. Foram operadas cinco estações demonstradoras: Torre ATTO (150 quilômetros ao norte da capital); Reserva Florestal ZF-2 (fica a 55 quilômetros); observatório da Embrapa; Hotel de Selva Tiwa (localizado à margem do Rio Negro/8 quilômetros); e em Manacapuru. Também foram utilizados aviões, sendo um do Instituto Max Planck de Limnologia, que chega a 18 quilômetros de altitude.
Trata-se de um projeto de cooperação internacional que reúne o Departamento de Energia dos Estados Unidos (EUA), o Inpa, por meio do LBA, e conta com o financiamento das Fundações de Amparo à Pesquisa dos Estados do Amazonas (FAPEAM) e de São Paulo (Fapesp).
Os resultados preliminares, conforme Paulo Artaxo, demonstraram grandes concentrações de carbono, aerossóis e hidrogênio entre Manaus e Manacapuru. Ele explicou que as influências podem ser observadas mesmo em altitudes elevadas (18 quilômetros) e a longas distâncias (200 a 250 quilômetros vento abaixo).
“As aeronaves permitiram analisar, pela primeira vez na região tropical do mundo, o que ocorre em nuvens convectivas nessa altitude. Os resultados são inéditos e mostram aspectos novos da química atmosférica da Amazônia”, pontuou Artaxo.
Segundo o pesquisador, a poluição tem interferido no processo de formação de nuvens na região. “Observamos nuvens diferentes vento abaixo e acima de Manaus. As próximas da Reserva Florestal ZF-2 têm tamanho de gotas de nuvens muito maiores do que as nuvens vento abaixo. Medimos a concentração do núcleo de condensação das nuvens e observamos o incremento por fator 10, que influencia nos mecanismos de formação e desenvolvimento”.
As informações, de acordo com Artaxo, ajudarão a entender os processos básicos de formação e desenvolvimento de nuvens na Amazônia e vão auxiliar no aprimoramento dos modelos climáticos da região, os quais atualmente não são totalmente confiáveis. Ele afirmou que os modelos erram muito na previsão de chuvas exatamente pela falta destes dados. “O GoAmazon está preenchendo uma parte desse nicho. Queremos melhorar a previsibilidade e a confiabilidade dos modelos”.
O pesquisador informou que a Amazônia é um sistema altamente complexo e não linear e a biologia da floresta é muito mais rica do que o imaginado. Devido às alterações pelas quais a região está passando, as secas e as inundações serão muito mais intensas.
Poluição em Manaus
Na estação de monitoramento do Tiwa, conforme o pesquisador, também foi medido os principais poluentes previstos pela legislação brasileira, como o dióxido de enxofre, o ozônio e o material particulado respirável. Ele disse que os valores observados não são extremamente elevados, quando comparados aos de cidades como São Paulo. Mas salientou que mesmo Manaus tendo uma frota veicular significativa e termelétricas funcionando, a capital é bem ventilada pela brisa do Rio Negro e a chuva frequente auxilia na remoção dos poluentes da atmosfera.
“Observamos episódios esporádicos de concentração de ozônio de 40 a 80 partes por milhão (ppm). Nos locais com ar limpo (ZF-2), as concentrações não passam de 10 a 12 (ppm). Temos um segundo ano de pesquisas. Esperamos acumular maiores estatísticas para responder qual é o risco que a população amazonense sofre quando exposta a esses poluentes”, destacou Artaxo.
Poluição em Manacapuru
Para o monitoramento em Manacapuru, o Departamento de Energia dos EUA instalou 19 contêineres, usados na medição de gases e aerossóis. Foram verificadas concentrações elevadas de ozônio e vários outros poluentes no município (40 ppm), oriundos da pluma de Manaus, mas de caráter episódico.
Não se observou sucessíveis níveis elevados de poluição, como ocorre em grandes centros urbanos. O pesquisador alertou que em níveis elevados, o ozônio é fitotóxico (danifica a vegetação), por isso, são necessários estudos para avaliar quanto à vegetação está sendo afetada, o dano da produtividade primária das florestas e a taxa de fotossíntese, por exemplo.
Força tarefa
Os dados do experimento estão todos disponíveis na plataforma do LBA. Contudo, Artaxo disse que é preciso mobilizar os pesquisadores da região amazônica em prol da análise dos mesmos. Ele destacou que isso poderia ocorrer com o apoio da FAPEAM, por meio de Edital, em parceria com o Inpa e a Universidade do Estado do Amazonas (UEA), e lembrou que era o único brasileiro entre 15 alemães durante as pesquisas.
Para o diretor do Inpa, Luiz Renato França, o experimento é uma oportunidade para se entender melhor a Amazônia. Para ele, a iniciativa deveria ser um programa de governo. “Estamos estudando o funcionamento da região e sua influência no restante do planeta. É preciso divulgar o máximo possível. Temos que ter pessoas capacitadas e interessadas em dar continuidade ao trabalho. Manaus é um laboratório experimental natural”.
Agência FAPEAM