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Políticas educacionais de gestão escolar no Brasil (1 notícias)

Publicado em 17 de outubro de 2024

Mais próxima do âmbito local que a gestão educacional, que organiza os sistemas de ensino nos três níveis de governo, a gestão escolar se concentra nos processos no nível da escola. Luck (2009) define a gestão escolar como a administração da dinâmica cultural da escola, alinhada às diretrizes públicas e ao projeto político-pedagógico, com o objetivo de criar um ambiente autônomo, participativo e democrático.

Oliveira e Vasques-Menezes (2018) indicam que a abordagem dos estudos sobre gestão escolar, seus processos e políticas, evoluiu de uma função predominantemente administrativa para uma abordagem mais pedagógica e política, em resposta a mudanças sociais e legais que ampliaram seu papel na promoção de uma educação de qualidade.

O MEC define a gestão escolar como “a organização e o funcionamento da escola pública quanto aos aspectos políticos, administrativos, financeiros, tecnológicos, culturais, artísticos e pedagógicos”, com o objetivo de “dar transparência às suas ações e possibilitar à comunidade escolar a aquisição de conhecimentos, saberes, ideias e sonhos, num processo de aprender, inventar, criar, dialogar, construir, transformar e ensinar” (Brasil, 2004).

A partir dos anos 90, reformas educacionais promovidas sobretudo pela União, no sentido de descentralização de responsabilidades e competências na oferta da educação, impactaram diversos aspectos da gestão escolar, como currículo, avaliação e financiamento. As mudanças, que visavam à ampliação da autonomia escolar, aumentaram a complexidade das funções dos diretores escolares, atores centrais na gestão da escola (Oliveira et al., 2014; Oliveira, 2009).

A linha do tempo a seguir destaca os principais eventos que moldaram as políticas de gestão escolar no Brasil desde a redemocratização.

1988
Constituição Federal de 1988

A Carta Magna estabelece a educação como um direito social, mantém a definição de recursos perenes para esta política
e garante maior autonomia para estados e municípios na formulação e implementação de políticas educacionais que deve ter como princípio “a gestão democrática no ensino público, na forma da lei” (Art. 206, inciso VI).

1995
Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE)

Iniciado em 1995, o PDDE foi criado para transferir recursos financeiros da União diretamente às escolas públicas, descentralizando a gestão financeira e fortalecendo a autonomia escolar, alinhado ao princípio da gestão democrática. Inicialmente destinado ao Ensino Fundamental, em 2009 foi ampliado para toda a educação básica. Os recursos de PDDE recebidos por cada escola podem variar em função do número de estudantes, tipo de escola e outras características.

O intuito do repasse é facilitar aos gestores escolares a aquisição de materiais, a contratação de serviços e melhorias na infraestrutura física e pedagógica. Políticas de descentralização de recursos têm grande papel na gestão escolar, podendo induzir resultados educacionais e condicionando repasses financeiros. O recebimento de recursos do PDDE exige a organização da escola como Unidade Executora de recursos e reforça o papel do Conselho Escolar.

O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) publica resoluções regulamentando a adesão, execução e prestação de contas do PDDE, garantindo transparência no uso dos recursos (Mafassioli, 2015). Em 2024, novas resoluções possibilitaram a transferência de recursos para gestões comprometidas com a integração comunidade-escola e equidade entre estudantes.

1996
Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) n. 9.394/1996

A LDB de 1996 foi a primeira legislação a focar na gestão escolar, atribuindo novas responsabilidades às unidades de ensino e marcando a escola como centro das políticas educacionais (Vieira, 2007). A norma trouxe mudanças significativas, com ênfase na descentralização, gestão democrática e autonomia escolar. Estabelece a gestão democrática do ensino público como princípio fundamental, incentivando a participação da comunidade escolar e local (Art. 3o).

Também atribui às escolas responsabilidades como elaborar e executar sua proposta pedagógica, administrar pessoal e recursos, garantir o calendário escolar e articular com famílias e comunidade, por meio de um conselho escolar próprio e participativo. Essas atribuições colocam a escola no centro da gestão educacional, reforçando sua autonomia e responsabilidade acadêmica (Art. 12).

A aplicação da gestão democrática, dada pela Constituição, obriga os sistemas de ensino a garantir a participação de profissionais e comunidade na gestão escolar (Art. 14). A Lei estabelece que as escolas públicas terão graus progressivos de autonomia pedagógica, administrativa e financeira.

1998
Fundescola e o PDE

O Fundo de Fortalecimento da Escola (Fundescola) foi um programa financiado pelo Banco Mundial e MEC, em parceria com secretarias estaduais e municipais de educação. O objetivo era desenvolver a gestão escolar e melhorar o desempenho do ensino fundamental, fortalecendo a relação entre liderança, professores, alunos e comunidade, inicialmente focado nas escolas públicas do Norte, Nordeste e Centro-Oeste até 2005. Uma das principais estratégias do Fundescola foi o Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE), que incentivava o planejamento participativo, permitindo à escola diagnosticar sua situação e definir metas.

O PDE dava autonomia para projetar o futuro e resolver problemas. Esse programa previa ainda o engajamento dos estudantes nessa construção de visão futura. O Fundescola repassava recursos diretamente às escolas para implementar o Projeto de Melhoria (Marra et. al, 1999). Em 2007, o PDE Escola foi atrelado ao Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), atuando nas escolas com baixo desempenho (Santos, 2016).

2001
Programa de Capacitação a Distância para Gestores Escolares (Progestão)

Criado pelo CONSED em parceria com secretarias estaduais, o Progestão visava formar lideranças escolares focadas no sucesso dos alunos do ensino fundamental e médio. Seus objetivos incluíam desenvolver liderança democrática, competências em gestão, valorizar a prática dos gestores e fortalecer a democratização das escolas. Consistia em formação continuada para gestores em exercício, com três componentes: materiais didáticos, apoio à aprendizagem (tutores capacitados pelo CONSED) e um sistema de avaliação (Alves, 2019).

2004
Programa Nacional de Fortalecimento dos Conselhos Escolares

O objetivo é capacitar conselheiros escolares, ampliando a participação da comunidade na gestão administrativa, financeira e pedagógica das escolas. Promove a criação e fortalecimento dos conselhos, oferecendo formação continuada presencial e a distância para técnicos das Secretarias de Educação e conselheiros. As ações incluem oficinas presenciais, cursos a distância e materiais didático-pedagógicos específicos.

2005
Programa Nacional Escola de Gestores da Educação Básica Pública

Iniciativa do MEC no Plano de Desenvolvimento da Educação, com o objetivo de qualificar gestores das escolas públicas, alinhando a gestão escolar aos princípios de qualidade social da educação. A formação é oferecida por meio de cursos à distância, em parceria com universidades públicas, para diretores e vice-diretores.

Inicialmente, o programa incluía um curso de pós-graduação em Gestão Escolar (400 horas) e, posteriormente, cursos em Coordenação Pedagógica e Aperfeiçoamento (Alves, 2019).

2007
Profuncionário (Programa de Formação Inicial em Serviço dos Profissionais da Educação Básica dos Sistemas de Ensinos Públicos)

Objetiva oferecer formação inicial e continuada a profissionais da educação básica das redes públicas. Oferece cursos em áreas como Gestão Escolar, Alimentação Escolar e Multimeios Didáticos. Primariamente focado em cursos técnicos de nível médio, foi ampliado em 2010 para incluir cursos superiores.

Em 2011, a gestão foi transferida para a Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (Setec) e passou a integrar a Rede e-Tec Brasil, com foco em educação a distância (EaD). Os Institutos Federais passaram a oferecer cursos técnicos e apoiar as coordenações estaduais.

2012
PDE Interativo

Lançado em 2012 e renomeado PDDE Interativo em 2013, é uma plataforma online do MEC para facilitar o planejamento e gestão escolar. A ferramenta permite que as escolas criem projetos pedagógicos, estabeleçam metas e acompanhem o uso de recursos com transparência. Baseado no planejamento estratégico, o PDDE Interativo aprimorou a metodologia do Fundescola dos anos 90.

Seu objetivo é fortalecer a gestão democrática, acessível à comunidade escolar sem necessidade de formações presenciais. Desde 2013, foi disponibilizado para todas as escolas públicas, permitindo o uso da metodologia sem depender de repasses federais. O uso da plataforma por todas as escolas também tem como objetivo facilitar e agilizar o contato do MEC com os gestores locais para a resolução de dúvidas e aprimoramento do uso de recursos do PDDE.

2021
Matriz Nacional Comum de Competências do Diretor Escolar (pendente de homologação)

A Base Nacional de Competências do Diretor Escolar é um instrumento para a formação e atuação de diretores escolares. Inspirada por estudos que destacam a importância de lideranças capacitadas para um bom desempenho escolar, visa promover coerência nas políticas de formação e suporte a esses profissionais e já foi discutida por João Marcello Borges neste texto do Nexo Jornal.

Aprovada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), a matriz inclui 10 competências gerais e 17 específicas, organizadas em quatro dimensões: político-institucional, pedagógica, administrativo-financeira e relacional. A resolução define 95 atribuições, com flexibilidade para as redes de ensino adotarem ou desenvolverem novas. Para que a Base entre em vigor, é necessário a homologação pelo MEC, ainda pendente.

2024
Programa de Formação Continuada para Diretores Escolares e Técnicos das Secretarias de Educação (Proditec)

O Proditec visa fortalecer a gestão administrativa, financeira e pedagógica das escolas públicas, buscando melhorar os resultados de aprendizagem. Apoia a capacitação contínua de diretores e técnicos das secretarias, em parceria com estados e municípios. A formação inclui aspectos políticos, pedagógicos e administrativos, além de temas como alfabetização e uso da conectividade. O apoio técnico e financeiro vem da Secretaria de Educação Básica do MEC, com parceria de universidades e centros de formação. O programa também oferece cursos pela plataforma Avamec.

A evolução das políticas de gestão escolar no Brasil reflete um movimento contínuo de descentralização e fortalecimento da autonomia escolar, alinhado aos princípios democráticos e participativos. Desde a Constituição de 1988 até os programas atuais, essas iniciativas buscam não apenas ampliar a responsabilidade das escolas, mas também promover a inclusão da comunidade na tomada de decisões. A busca por uma educação de qualidade passa por capacitar lideranças escolares, investir na infraestrutura e apoiar a transparência e equidade nas práticas de gestão, consolidando a escola como um espaço de aprendizado, criação e transformação social.

BIBLIOGRAFIA
ALVES, F. B. F.. A formação de gestores escolares: um estudo sobre os programas progestão e escola de gestores da educação básica. 2019. 71 f., il. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Pedagogia)—Universidade de Brasília, Brasília, 2019.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Programa Nacional de Fortalecimento dos Conselhos Escolares. Gestão da educação escolar. Brasília: UnB/CEAD, 2004

MAFASSIOLI, A. da S...

Lauana Simplício Pereira é bacharela em gestão de políticas públicas, mestranda no Departamento de Ciência Política pela USP (Universidade de São Paulo) e assessora parlamentar na ALESP (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo).

Ursula Peres é doutora em economia (EESP/FGV/SP), professora do curso gestão de políticas públicas da EACH/USP (Escola de Artes Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo) e pesquisadora do CEM/USP (Centro de Estudos da Metrópole).

PARCEIRO

CEM-Cepid/FAPESP