A equipe de pesquisadores da farmacêutica Biolab passou dois anos em busca de um novo remédio. Por meio de financiamentos do governo federal e utilizando incentivos fiscais, a empresa criou um medicamento inédito no país, que sintetiza outros dois, antes vendidos separadamente: o ácido fólico e a vitamina E. São substâncias usadas por grávidas para a prevenção de uma doença chamada "espinha bífida", na qual a coluna vertebral do bebê não se fecha e deixa a medula óssea exposta. Dante Alario Jr., presidente da Biolab, porém, não tem muito o que comemorar, pois o medicamento pode não ser lançado no mercado.
O entrave se dá por conta do preço pedido pela empresa e o permitido pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (Cmed). Enquanto a Biolab quer cobrar R$ 30 por 90 cápsulas - o que corresponde ao tratamento completo, já que as grávidas devem tomar uma por dia, durante três meses - a Cmed autorizou a cobrança de apenas R$ 5, um sexto do pedido pela farmacêutica.
O caso da Biolab, que emprega 1,1 mil funcionários, ilustra problemas que continuam presentes para empresas inovadoras no país, apesar dos avanços recentes. Recursos ainda são escassos, falta entrosamento entre os diversos órgãos do governo responsáveis por promovê-la, o dinheiro demora a chegar e poucas são as empresas que conseguem, de fato, acesso aos programas de incentivo e subvenção. Apesar dos problemas remanescentes, a procura por recursos para inovação tecnológica tem sido muito forte. Especialmente nas linhas que disponibilizam recursos a fundo perdido.
Uma empresa inovadora que ainda espera apoio oficial é a Silvestre Labs, farmacêutica que desbancou a Natura e a Valée e levou o prêmio de empresa mais inovadora em uma das três categorias do Índice Brasil de Inovação, organizado pelo Fórum Permanente das Relações Universidade Empresa (Uniemp), ligado à Unicamp e a (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - Fapesp). Ela ganhou o prêmio graças a 20 anos de pesquisa e desenvolvimento tecnológico "sem um único centavo de dinheiro público", conta Eduardo Cruz, o bioquímico que é diretor da empresa carioca.
A última novidade que saiu dos laboratórios da Silvestre foi o Extra Graft XG-13. Trata-se do primeiro enxerto ósseo com propriedades ósteo-indutoras, totalmente desenvolvido no Brasil a partir do estudo de células-tronco. Ele pode substituir, por exemplo, uma placa de platina, com a vantagem de não precisar ser trocado e de induzir o crescimento do tecido ósseo onde é aplicado.
Cruz quer agora registrar esse enxerto na FDA, agência americana que regula medicamentos, procedimentos médicos e segurança alimentar. Para fazer isso e conseguir exportar seu produto, precisa de capital para adequar alguns processos e controles na fabricação do Extra Graft. Ele inscreveu um projeto sobre esse tema no edital lançado pela Financiadora de Estudos e Projetos, a Finep, no ano passado. Mesmo sendo um produto inédito, o projeto foi rejeitado.
"Nem a Silvestre Labs nem outras oito empresas que ficam aqui da Fundação BioRio (um pólo tecnológico dentro da Universidade Federal do Rio de Janeiro) passaram nesse edital", ressalta o empresário.
Ele não foi o único a ficar frustrado com o resultado do edital. A demanda pela subvenção - o programa no qual o governo aporta recursos em um projeto inovador a fundo perdido (não precisam ser devolvidos) é a maior novidade da Lei de Inovação -, culminou em 1,1 mil propostas no valor de R$ 1,9 bilhão, mas o governo só tinha R$ 300 milhões, 15% da demanda total.
Além de incapazes de atender à demanda, os recursos também demoram a chegar ao destino. Até agora, apenas R$ 20,5 milhões do total de R$ 300 milhões foram parar nas empresas. O resto ainda pode demorar, já que a Finep tem um prazo de dois anos para liberar esse dinheiro. Os outros dois braços da subvenção, que somam mais R$ 210 milhões e fazem com que o programa total chegue a R$ 510 milhões, ainda estão parados nos cofres públicos.
Com isso, após um ano e meio da regulamentação das leis (do Bem e de Inovação), apenas 4% dos recursos planejados (ou R$ 20,5 milhões) foram efetivamente destinados a projetos de inovação.
A morosidade nas análises dos projetos e na liberação dos recursos impede que os investimentos em inovação deslanchem. "As mudanças trazidas pela Lei de Inovação foram muito fortes, então, é natural que demore um certo tempo até que os instrumentos de fomento deslanchem", argumenta Eduardo Costa, superintendente da Finep.
Costa admite que o sistema utilizado pela financiadora peca pela lentidão. "A comunicação ainda é via papel, ainda vivemos a cultura da burocracia." Segundo ele, no entanto, o objetivo da nova gestão da Finep é acelerar a informatização da entidade. "Mas o processo de modernização administrativa é complexo, vai levar algum tempo", adianta.
Enquanto a subvenção não deslancha, a expectativa é de que a mudança trazida pela a lei 11.196 de
No entanto, o valor concedido não é, necessariamente, o valor usufruído pelas empresas, uma vez que pelo regime antigo, elas só podem abater as despesas com pesquisa do Imposto de Renda a pagar. E, muitas vezes, não têm IR a pagar. E elas não precisam usufruir do benefício apenas no ano em que ele é concedido.
Além disso, antes, o Ministério de Ciência e Tecnologia precisava avaliar previamente os projetos de pesquisa e inovação. A Lei do Bem facilitou o uso desses instrumentos na medida em que não exige essa aprovação prévia e o usufruto dos benefícios é automático. A empresa deve apenas lançar as despesas em pesquisa e desenvolvimento em contas definidas pela Receita Federal, que as fiscaliza no momento de apurar o Imposto de Renda anual da companhia.
Ainda pelo regime antigo, ao longo de 2005, entre janeiro e dezembro, foram usufruídos R$ 34 milhões, de uma concessão de R$ 306,1 milhões. Esses números, assim como os de 2006, referem-se aos Programas de Desenvolvimento Tecnológico Industrial (PDTI) e Agropecuário (PDTA), que estavam em vigor antes da aprovação da Lei do Bem e eram regidos pela lei 8.661/93. Em 2005, 19 projetos foram aprovados e mais 16 protocolados. Em 2006. nenhum projeto novo foi protocolado pela mudança na legislação.
São, portanto, poucos projetos de valores altos. A tendência é que isso continue a acontecer, uma vez que os incentivos previstos na Lei do Bem só podem ser utilizados por empresas com sistema de apuração de lucro real. Denis Barbosa, advogado especializado no tema, estima que no Brasil apenas 6% das empresas optem por esse sistema, o que, na sua análise, restringe muito a eficácia desse instrumento, especialmente para os pequenos e médio empreendimentos, que quase sempre utilizam o sistema de lucro presumido.
A Brasilata, fabricante de embalagens metálicas, que opta pelo regime de lucro real, diz que tem se beneficiado dessas mudanças. "A Lei de Inovação foi a carta de alforria dos pesquisadores", comenta o presidente Antonio Carlos Teixeira Álvares.
A avaliação de Álvares, porém, é a de que esses instrumentos "ainda são muito recentes e vão demorar um pouco para surtir efeito." Para ele, que tem aproveitado "todos os instrumentos disponíveis, inclusive o abatimento do IR", o importante é que as leis acabam servindo como um marco regulatório para o setor.
Outra vertente da política industrial para a inovação, fora da Lei do Bem e da Inovação, está no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que pretendia destinar R$ 1 bilhão para uma linha especial para essa área, criada no ano passado. Até agora, foram liberados R$ 356 mil. As aprovações, porém, são maiores e chegam a R$ 16,3 milhões, o que significa que mais dinheiro está por vir. Em 2006, não houve desembolso. Na semana passada, o banco anunciou que reduzirá de 6% para 4,5% a taxa de juros anual dessa linha.
"Não faltam instrumentos, falta informação de como usá-los", explica Mario Sergio Salerno, engenheiro e professor da USP, que também foi diretor da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial entre 2005 e 2006.
Não é essa a visão de Cruz, presidente da Silvestre Labs. Ele é crítico à atuação da Finep e à distância que há entre empresas e universidades. "Precisamos sair da retórica. Não adianta de nada uma lei de inovação se não temos uma secretaria para liderar e coordenar essas ações." Ele diz que suas instalações estão dentro da UFRJ e que não consegue estabelecer vínculos e acordos com esses pesquisadores.
"Ainda há muita insegurança. A Receita Federal lançou dúvidas, pois cada secretaria estadual trabalha com um conceito do que é investimento em pesquisa", explica Roberto Nicolsky, diretor da Sociedade Brasileira Pró-Inovação Tecnológica (Protec), entidade ligada à indústria. Segundo ele, as empresas têm receio de abater os gastos do IR e depois serem autuadas ou chamadas pela Receita para esclarecimentos.
Entre velhos problemas e lentos avanços, pelos cálculos mais otimistas, o país investe apenas 1,6% do PIB em P&D. É um percentual semelhante ao da China, mas para um PIB muito menor.
No governo e nas empresas, estrutura ainda é precária
Insegurança jurídica e falta de informação. Essas são as principais reclamações apontadas por empresas e por profissionais envolvidos com o tema da inovação. Nem mesmo os órgãos governamentais estão preparados para lidar com as novas leis.
Luiz Coelho, gerente de financiamento para pequenas empresas da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), diz que a análise dos projetos no primeiro edital foi um tanto conturbada e não somente pela grande demanda. Ele explica que há um embate dentro dos próprios comitês que analisam as propostas.
De um lado, estão aqueles mais ligados à academia, para quem o conceito de inovação, em grande parte das vezes, está atrelado a uma descoberta, a algo inédito. Na outra ponta, estão os especialistas com uma visão mais de mercado, focada em resultados de curto e médio prazo, que enfatizam a importância dos projetos de inovação incremental, aqueles que trazem algo de novo a um processo ou produto já existente.
Além disso, segundo Coelho, em alguns setores, como o dos fármacos, são poucos os especialistas que a Finep tem disponíveis para as análises. Assim, alguém ligado a uma empresa pode acabar analisando o projeto de uma concorrente, o que limita a transparência do processo.
Um profissional de uma grande empresa brasileira que está sempre em contato com Finep conta que um técnico da entidade lhe disse que, devido a grande procura pela subvenção, erros de digitação já eram suficientes para desclassificar projetos.
Coelho explicou que muitas empresas não sabem como redigir projetos. "Recebemos alguns com apenas duas páginas. Não é possível que em duas páginas se pleiteie uma subvenção para investimento em inovação", diz.
Outro problema, que está focalizado na questão dos incentivos fiscais, causa insegurança jurídica, segundo as empresas. Com a aprovação da Lei do Bem, o abatimento no imposto de renda que elas podem ter passou a ter usufruto automático. Antes, era preciso redigir um projeto, enviá-lo ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), esperar pela aprovação e, só aí, utilizar o benefício. Agora as empresas só precisam uma instrução normativa da Receita Federal que depois fiscalizará esse documento.
O que poderia parecer uma facilidade, contudo, pode acabar como um entrave. Denis Barbosa, advogado especializado em propriedade intelectual, diz que justamente por não exigir a aprovação do projeto é que a lei pode se virar contra as empresas. Ele explica que nem sempre o entendimento do que é um projeto de inovação será o mesmo em todas as delegacias regionais da Receita Federal.
Barbosa conta que
São relatos desse tipo que acabam por inibir o uso dos instrumentos. até mesmo por parte das grandes empresas. A Braskem, do ramo petroquímico, usa alguns instrumentos de financiamento da Finep, mas ainda caminha com cuidado quando o assunto é tributação.
Segundo a área de gestão estratégica da inovação da Braskem, "apesar de investir mais de R$ 50 milhões por ano em inovação, ainda utiliza timidamente os incentivos fiscais." A empresa busca reverter esse quadro com consultorias junto a entidades especializadas, como a Anpei, a Associação Nacional de Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia das Empresas Inovadoras.
Reinaldo Danna, coordenador geral de inovação tecnológica do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) acredita que as empresas têm primeiro é que utilizar o instrumento, para ver se realmente existe alguma insegurança. Segundo ele, se as instruções da Lei do Bem forem seguidas à risca e, mesmo assim, a Receita der um outro entendimento aos benefícios, a empresa que tiver seus investimentos documentados poderá provar que tem sim direito a eles.