Por Redação, com Agência Fapesp
Cientistas sabem como as partículas saem da África e chegam à Amazônia A poeira do deserto do Saara, na África, tem uma influência importante no regime de chuvas da Amazônia. A afirmação, que pode parecer inusitada à primeira vista, foi comprovada em um estudo realizado por um grupo internacional de pesquisadores – com participação brasileira –, publicado na revista Nature Geoscience.
De acordo com Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e um dos autores do trabalho, o objetivo foi realizar, pela primeira vez em uma região tropical do planeta, medidas de aerossóis conhecidos como núcleos de condensação de gelo – partículas que têm a propriedade de formar nuvens convectivas, influenciando a precipitação, a dinâmica das nuvens e a quantidade de entrada e saída de radiação solar.
– As nuvens convectivas na Amazônia, que ficam entre 12 e 15 quilômetros de altitude, têm suas gotas congeladas. Para que possam aparecer partículas de gelo nessas nuvens é preciso existir os núcleos de condensação de gelo. Pela primeira vez medimos as propriedades físico-químicas desses núcleos –, disse.
Segundo Artaxo, ao fazer as medidas, o grupo descobriu que a vegetação da própria Amazônia e a poeira proveniente do Saara são as duas principais fontes dos núcleos de condensação de gelo.
– A importância disso é que a maior parte da chuva na Amazônia é proveniente das nuvens convectivas. E é a primeira vez que detectamos essas partículas. Identificamos como núcleos de gelo e medimos suas propriedades físicas, químicas e biológicas –, disse o também coordenador do Programa de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA) e ex-coordenador da área de geociências da FAPESP.
Para realizar o estudo, o grupo utilizou modelos matemáticos que simulam o comportamento das nuvens de gelo em condições amazônicas.
– A parte surpreendente é que a poeira do Saara é responsável por uma fração significativa dos núcleos de condensação de gelo da Amazônia, especialmente em altas altitudes e temperaturas mais baixas –, explicou.
Segundo Artaxo, o estudo sugere que a contribuição das partículas biológicas locais para a formação de núcleos de gelo aumenta em altas temperaturas atmosféricas – com altitude mais baixa –, enquanto a contribuição por partículas de poeira cresce nas baixas temperaturas das regiões mais altas.
– Descobrimos que a vegetação da própria floresta alimenta os núcleos em altitudes que vão até 8 ou 9 quilômetros. Enquanto isso, a poeira do Saara nessa época do ano – o estudo foi feito entre fevereiro e março – predomina em altitudes acima de 9 ou 10 quilômetros –, disse.
As análises apontaram que os núcleos são compostos principalmente de materiais carbônicos e poeira. – Mostramos que as partículas biológicas dominam a fração carbônica, enquanto a importação da poeira do Saara explica o aparecimento intermitente de núcleos contendo poeira –, contou.
A poeira do deserto africano, segundo Artaxo, é um fenômeno atmosférico sazonal cujo pico se dá entre março e o fim de abril. – É um fenômeno de transporte atmosférico de longa distância que já conhecíamos. Mas nunca tínhamos medido as propriedades de nucleação dessas partículas.–
Na primeira fase do estudo a equipe utilizou um equipamento supercongelador para esfriar as partículas a 50 graus negativos e lançá-las na Floresta Amazônica, a fim de fabricar cristais de gelo.
– A partir daí, analisamos as propriedades físicas, químicas e biológicas desses cristais, utilizando técnicas analíticas nucleares – especificamente o método Pixe, disponível no Instituto de Física da USP. Pudemos analisar a concentração de alumínio, silício, titânio e ferro nas partículas –, disse.
A partir da análise, os pesquisadores descobriram que a assinatura elementar das partículas correspondia à assinatura da poeira do deserto do Saara. O segundo passo foi descobrir como essas partículas saem da África e chegam à Amazônia.
– Para isso rodamos modelos de circulação global da atmosfera e mostramos que, efetivamente, quando estavam presentes as concentrações de alumínio, silício, titânio e ferro que correspondiam à poeira do Saara, o modelo confirmava essa circulação –, afirmou.
Com a pesquisa, o grupo concluiu que a concentração e a abundância de núcleos de condensação de gelo na Amazônia podem ser explicadas, em sua quase totalidade, por emissões locais de partículas biológicas complementadas pela importação da poeira saariana.