Site norte-americano é integrado ao SciELO e a outros repositórios internacionais
ARTIGO ORIGINAL
Revista Pesquisa FAPESP
Maio de 2025
Autoria: Sarah Schmidt
Patrício Câmara Araújo, pesquisador do Instituto Federal do Maranhão (IFMA), recebeu no mês passado o parecer de um especialista avaliando um trabalho de sua autoria que mapeou os temas mais abordados nos estudos sobre formação de professores no país – ele havia divulgado o manuscrito em 2024 no repositório SciELO Preprints, plataforma brasileira que reúne estudos ainda não revisados por especialistas, os chamados preprints . A apreciação, além de destacar aspectos positivos do texto acadêmico, sinalizou pontos que poderiam ser aperfeiçoados e mais bem explicados.
“Uma das observações do parecerista é a de que adotei uma definição de revisão bibliométrica, área do conhecimento que analisa a produção científica por meio de métodos estatísticos e matemáticos, que precisa ser mais bem conceituada”, diz Araújo, que é docente de filosofia e metodologia da investigação científica no IFMA. “Apesar de ter publicações em vários periódicos, estou começando a pesquisa na área de bibliometria e, por isso, procurei primeiro publicar o trabalho como preprint ”, explica.
Quando transferiu o texto para o repositório, ele selecionou uma opção autorizando o compartilhamento em uma plataforma norte-americana de revisão aberta, a PREreview , que tem uma parceria com a SciELO desde 2022. Foi por meio dela que o físico Daniel Fontes, que faz doutorado pelo Programa de Pós-graduação Interunidades em Ensino de Ciências da Universidade de São Paulo (USP), encontrou o artigo de Araújo e, de forma voluntária, produziu o parecer com as recomendações. Fontes soube da existência da PREreview quando fez uma disciplina sobre publicação científica, que abordou o processo de revisão por pares aberta. Um dos objetivos da plataforma é de que jovens pesquisadores tomem contato com a avaliação por pares.
“Achei a proposta interessante e pensei que seria bacana contribuir”, observa o físico, que estuda redes de colaboração científica da comunidade de pesquisa em educação em ciências no Brasil. Para chegar ao artigo de Araújo, Fontes filtrou os manuscritos publicados na plataforma em português na área de ciências sociais e buscou o que havia de mais recente em educação. Para realizar pareceres ou solicitá-los, é preciso que autores ou revisores façam um login com o seu cadastro no sistema Orcid, formado por uma sequência de números que identificam o pesquisador. “Costumo fazer pareceres para periódicos nacionais e internacionais e neles há uma dimensão de julgamento. O objetivo, além de avaliar o manuscrito e eventualmente recomendar correções, é ajudar a editoria a decidir sobre o aceite ou a recusa do manuscrito. Mas, ao avaliar um preprint , essa condição não existe e o objetivo é apenas colaborar”, conta Fontes, que também pretende submeter um manuscrito de sua autoria para avaliação na plataforma.
Por enquanto, o serviço ainda é pouco conhecido. Segundo dados do PREreview, desde a sua criação, em 2017, até meados de abril, a plataforma tinha 3.307 autores e revisores cadastrados e havia recebido 795 solicitações de revisão de preprints , sendo que 64 tinham obtido alguma avaliação (8,1%) – dessas solicitações, 526 vieram via SciELO Preprints. O Brasil é o terceiro país com mais visitas ao site, atrás dos pesquisadores dos Estados Unidos e do Reino Unido.
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“Há um número maior de manuscritos do que de especialistas dispostos a analisá-los.”
A adesão ainda restrita espelha a dificuldade que os preprints têm de atrair leitores e gerar apreciações de seus conteúdos. No servidor do SciELO, de 3.330 manuscritos publicados nos últimos três anos, menos de 5% receberam algum tipo de avaliação ou comentário. “Isso ocorre com outros servidores parecidos pelo mundo. Há uma quantidade muito maior de manuscritos do que pesquisadores disponíveis para analisá-los”, observa o especialista em tecnologia e mídias digitais Alex Mendonça, coordenador da plataforma brasileira. Um ponto fraco do PREreview é não dispor de um sistema para avisar todos os autores quando surge um parecer sobre seus preprints – quando um pesquisador recorre ao serviço via SciELO, por exemplo, não é notificado e precisa visitar regularmente a plataforma para saber se apareceu um feedback (avaliação). “Quando uma revisão é publicada, encorajamos os revisores a entrarem em contato com os autores para informá-los de que revisaram seu trabalho, caso desejem”, informou a equipe da plataforma, por e-mail, a Pesquisa FAPESP . O SciELO também não tem um sistema de notificação para essas avaliações.
Há duas formas de solicitar uma revisão de um preprint na plataforma: depositando o trabalho em um repositório já integrado ao PREreview, a exemplo do SciELO Preprints, ou informando o DOI (Digital Object Identifier) do documento, se ele estiver depositado em repositórios cadastrados. O autor pode receber comentários curtos ou revisões longas e mais estruturadas. O revisor voluntário é quem decide como quer fazer seu parecer e, se quiser ajuda para formular a análise, pode recorrer a um modelo que traz uma sequência de perguntas (em inglês) a serem respondidas, por exemplo, se a introdução explica adequadamente o objetivo da pesquisa. Também há instruções sobre comportamento: os avaliadores devem ser respeitosos com os autores e dar feedbacks construtivos.
Cinco profissionais fazem parte da equipe que trabalha em tempo integral para a plataforma, que é apoiada pelas fundações Gates e Mozzilla e a Chan Zuckerberg Initiative. “A ideia é trazer mais transparência para a revisão por pares, que ainda hoje é um processo opaco controlado por grandes editoras com fins lucrativos”, observa o bibliotecário Edilson Damasio, da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Ele é um dos embaixadores voluntários da plataforma, os chamados champions , que têm como tarefa oferecer suporte e treinamento para comunidades de seus países. Damasio destaca que todo parecer recebe um DOI automático e fica disponível no repositório Zenodo. O PREreview também oferece treinamento para quem quiser se aperfeiçoar como revisor: a equipe da plataforma faz avaliações de manuscritos ao vivo, transmitidas por videoconferência, para treinar novos avaliadores. Também há workshops, alguns deles pagos.
A plataforma disponibiliza uma página com guias e materiais em licença livre para orientar as revisões ou municiar treinamentos para avaliadores. Esse conteúdo tem sido usado pela cientista da informação brasileira Janaynne Carvalho do Amaral, que faz estágio de pós-doutorado na Universidade de Illinois Urbana-Champaign, nos Estados Unidos. Sua pesquisa aborda a avaliação por pares aberta e a importância de capacitação em revisão para a formação de pesquisadores. Desde 2023, ela oferece esse tipo de treinamento para estudantes de graduação e pós-graduação da universidade norte-americana, usando os materiais do PREreview em oficinas. Em um workshop recente, recebeu 80 pesquisadores do Cazaquistão que passaram um período na universidade. “Esse tipo de iniciativa estimula o trabalho colaborativo e ajuda a aperfeiçoar a revisão por pares”, afirma Amaral, que relatou as experiências dos primeiros workshops em artigo publicado em fevereiro de 2025 na revista Learned Publishing