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Jornal Metrópolis - Baixada e Litoral

Plano Brasileiro de IA elenca áreas prioritárias para receber investimentos (1 notícias)

Publicado em 04 de agosto de 2024

O esboço do Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA) para os próximos quatro anos (2024-2028) foi apresentado na noite de terça-feira (30/07), durante a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (CNCTI), em Brasília. O documento detalha de que maneira devem ser empregados R$ 23 bilhões de investimentos previstos no período em cinco eixos principais: infraestrutura (R$ 5,79 bilhões), formação e capacitação de pessoas (R$ 1,15 bilhão), melhoria dos serviços públicos (R$ 1,76 bilhão), inovação empresarial (R$ 13,79 bilhões) e apoio à regulação e governança da IA (R$ 103,25 milhões). A proposta foi entregue ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva no mesmo dia, pela manhã, durante a sessão de abertura da conferência.

Complementando o orçamento, há previsão de investir R$ 435 milhões em 31 “ações de impacto imediato” – iniciativas em andamento ou que devem ser lançadas “em curtíssimo prazo”, algumas em seis meses ou um ano – em sete áreas eleitas como prioritárias: saúde; agricultura; meio ambiente; indústria, comércio e serviços; educação; desenvolvimento social; e gestão do serviço público. Muitas delas envolvem projetos executados por ministérios, instituições do governo federal, universidades públicas e empresas privadas.

São ações que buscam tornar mais ágeis processos que afetam a população. Algumas delas: desenvolver um sistema de IA para automatizar a transcrição de teleconsultas do Sistema Único de Saúde (SUS); criar uma solução de gestão inteligente para o controle da frequência de estudantes de escolas de ensino básico com o objetivo de reduzir a evasão escolar; e elaborar um sistema para auxiliar a classificação e o julgamento de processos administrativos fiscais da Receita Federal do Brasil. Segundo o documento, essa última aplicação está em fase piloto.

O plano desenvolvido pelo Conselho Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (CCT) detalha as fontes dos investimentos, que devem vir do Fundo Nacional Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), do setor privado, em investimentos com contrapartidas, e de empresas estatais.

Em busca de autonomia tecnológica

“Partimos da compreensão de que a concentração excessiva de poder, de dados e de recursos em poucas empresas e em poucos países pode ter como consequência a exclusão de grande parte da humanidade dos benefícios dessa tecnologia”, observou o secretário executivo do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Luis Fernandes, que coordenou a elaboração do plano e conduziu sua apresentação na plenária.

Fernandes ressaltou que para alcançar esses benefícios é preciso garantir acesso a quantidade massiva de dados, desenvolver algoritmos sofisticados, ter capacidade computacional de elevado desempenho e habilitar pessoas na área. “Esses são os nossos desafios se não quisermos ficar condenados como país à condição de consumir ou desenvolver aplicativos e modelos de linguagem comandados ou dirigidos por outros”, afirmou. Uma das premissas do plano é buscar a autonomia tecnológica do país nessa área.

Para que essas questões possam avançar, o plano propõe a melhoria da infraestrutura tecnológica, como a expansão do supercomputador Santos Dumont, instalado no Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC) em Petrópolis (RJ). Também prevê a ampliação da capacidade dos centros nacionais de processamento de alto desempenho (Cenapad) do país por meio da compra de outros supercomputadores.

Uma das metas é que os equipamentos de alto processamento sejam alimentados por energias renováveis, por se tratar de máquinas com grande gasto energético. Promover o desenvolvimento de modelos avançados de linguagem em português é outro objetivo destacado. Há também a sugestão de criação de um sistema de nuvem do governo federal que seja “gerida exclusivamente por órgãos ou empresas públicas” e a integração de bancos de dados de bases governamentais.

Entre outras ações, o documento prevê a criação de cursos de graduação em IA, bolsas de iniciação científica, mestrado e doutorado focados na área, para promover a qualificação de recursos humanos. A elaboração de campanhas informativas sobre o uso crítico da IA, como a criação de uma olimpíada brasileira de IA para estudantes, é mais uma ação sugerida. Na proposta, consta a criação de um fundo de investimentos de apoio a startups de inteligência artificial.

Na área de processos regulatórios e de governança, com atenção a valores como transparência, privacidade dos dados e proteção aos direitos autorais, há, entre várias sugestões, a promoção de guias brasileiros para uso ético de IA e a consolidação do Observatório Brasileiro de Inteligência Artificial.

Fernandes destacou que o plano foi batizado como “IA para o bem de todos” porque estimula que as aplicações desenvolvidas levem em conta componentes de diversidade e proteção aos direitos sociais, uma vez que essas tecnologias podem ampliar desigualdades e reproduzir vieses discriminatórios. “E é um plano aberto, que precisará ser constantemente revisado e ampliado, para acompanhar as mudanças de tecnologia”, observou.

Integrante da mesa, o cientista da computação Silvio Meira, do Porto Digital, no Recife, um dos principais polos de tecnologia digital do país, avaliou que o plano tem “densidade, perspectiva de realização completa e precisa ser dinâmico”. O pesquisador observou que, diante da rápida evolução dessas tecnologias, é importante repensar a velocidade com que se formam pessoas qualificadas para trabalhar com ela. Isso porque o tempo médio para formar profissionais de ponta, com doutorado em engenharia, matemática e computação, é de 10 anos. “O plano precisa de um olhar de longo prazo. Não só até 2028, mas esse é um primeiro passo”, disse. “Muito mais do que ter um computador no top 5 [no ranking dos melhores do mundo], vamos precisar de milhares, de dezenas de milhares de engenheiros para que um plano desses tenha impacto verdadeiro na vida, na sociedade, na indústria e no mercado brasileiro.”

Outra integrante da mesa, a advogada Laura Schertel, do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), por sua vez, observou que é importante que a inteligência artificial esteja amparada em um plano que aponte os recursos que serão investidos, conforme consta no esboço do documento. “Sabemos que essa inovação não é espontânea. Ela precisa de recursos financeiros, humanos e de talentos, de infraestrutura computacional e, acima de tudo, de uma infraestrutura de dados. Por isso, é preciso fomentá-la”, disse a advogada.

Schertel foi relatora da comissão de juristas que auxiliou na elaboração do documento que baseou o Projeto de Lei nº 2.338/23, um dos que procuram regulamentar a inteligência artificial no país, em avaliação por comissão temporária interna sobre o tema do Senado. “A meu ver, esse PL é o mais robusto e avançado por complementar o plano de IA.” De acordo com a advogada, o projeto também aborda direitos, princípios e uma classificação de riscos que seriam flexíveis, para equilibrar incentivo à inovação, além de contemplar proteção de direitos autorais e prever autoridade de governança para a IA.

A mesa contou com a mediação da jornalista Renata Mielli, da assessoria especial do MCTI e coordenadora do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), e com a participação de Rodrigo Mulinari, diretor de tecnologia do Banco do Brasil, e de Nelson Leoni, CEO da startup de IA Widelabs.