A constatação é inequívoca: o processo de crise econômica capitalista é acompanhado por uma destruição ambiental mais sistemática e irreversível, por uma exploração de recursos naturais mais intensa e profunda, agora bancada a crédito.
É difícil acompanhar a sucessão de destruição florestal e de ecossistemas pelo fogo. Nos últimos anos, um círculo infernal de incêndios foi visto na América, Europa, África, Oceania e até mesmo nas terras frias do Ártico, na superfície da tundra ou identificado sob a camada congelada. Florestas tropicais ou temperadas, pântanos e savanas, tudo está servindo de combustível, alimentando o fogo insaciável que devasta não apenas ambientes “naturais” mas também fazendas e aldeias ou mesmo casas suburbanas, resorts turísticos e bairros populares.
Essa desgraça global aciona imediatamente três tipos de negacionismo. Primeiro, aquele que nega qualquer vinculação dos incêndios com a mudança climática mundial. Mas é preciso diferenciar a negação tout court das alterações atmosféricas com o cuidado “científico” com a “causa particular” dos incêndios, ou seja, quem aceita por princípio a tese do aquecimento global, mas nega os seus efeitos. O terceiro negacionismo tem origem “semiótica”: como tudo agora é narrativa e representação, a proliferação de imagens de florestas queimando nas TVs é enxergada como decorrente do exagero, da onipresença dos próprios meios de comunicação disponíveis.
É claro que determinados biomas têm o fogo como parte integrante de sua ecologia, assim como muitos incêndios foram provocados conscientemente (o “dia do fogo” na Amazônia, por exemplo). Também é evidente que há muito mais construções avançando hoje sobre áreas ecologicamente inflamáveis e o acesso instantâneo às cenas de mansões suburbanas torrando na Califórnia ou de ilhas gregas queimando acrescenta uma dimensão nova para a percepção da “opinião pública” mundial. Mas o negacionismo epistemológico que acredita que a destruição é exagerada pela sua representação midiática e a falsa humildade metodológica que recusa aceitar os efeitos das transformações mundiais têm o mesmo efeito anestésico do negacionismo climático: a objetividade social não é de modo algum questionada como a base para a devastação ambiental.
O último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) não deixa dúvida sobre o aquecimento global, assumindo um tom catastrófico.1 A temperatura da superfície da Terra foi 1,09 graus mais alta entre 2011-2020 do que entre 1850-1900. As concentrações atmosféricas de CO2 foram maiores, nesse período, do que em qualquer momento em pelo menos 2 milhões de anos e as concentrações de metano e óxido nitroso foram as maiores dos últimos 800 mil anos (IPCC, 2021, p.9). Entre 2011-2020, a área média de gelo do mar Ártico atingiu o ponto mais baixo desde 1850. O nível médio do mar subiu mais rápido desde 1900 do que em qualquer momento anterior, em 3 mil anos, e o oceano aqueceu mais rápido no século passado do que em 11 mil anos (IPCC, 2021, p.9). Mesmo as estimativas mais otimistas apontam que o avanço do aquecimento global nos levará, em 2040, para um aquecimento médio de 1,5 grau acima do período de 1850-1900 (IPCC, 2021, p.18), ou seja, a “meta de segurança” do Acordo de Paris para 2100 será atingida em menos de duas décadas. As condições ambientais se tornarão mais instáveis e destrutivas, com “aumentos na frequência de ondas de calor e secas simultâneas em escala global” e “clima de incêndio [fire weather] em algumas regiões de todos os continentes habitados” (IPCC, 2021, p.11).
Mas esse importante acúmulo de dados e sua organização sistemática através da ciência climática se perde na agregação de “fontes diversas”, dos “fatores” e dos “impactos” estabelecidos de modo positivista. Ou seja, enquanto o negacionismo não quer saber de qualquer apreensão geral dos processos, o procedimento dos cientistas que alertam e comprovam a mudança climática se embaralha na justaposição e somatório de processos naturais e “antrópicos”, acolhidos sem qualquer reflexão histórica e social. A transformação ambiental é interpretada como uma a-histórica “atividade humana” – o que alimenta os seus derivados malthusianos – ou é reduzida a um “problema industrial” – com o que se propõe toda a ordem de soluções pós-industriais “verdes”, “sustentáveis” etc.
A origem da destruição profunda e em escala global não está em algum elemento “antropogênico” (ou antropológico), mas no fim-em-si da máquina produtiva capitalista, que precisa fazer de dinheiro mais dinheiro utilizando a matéria-prima natural como parte integrante de sua dinâmica fetichista. A natureza destrutiva da forma social capitalista está em sua processualidade que transforma a “natureza” em mero conteúdo material para a produção de mercadorias: enquanto cada vez mais “insumos” naturais entram nesse sistema para sair como mercadorias, cada vez mais resíduos desse processo de produção são deixados pelo caminho. A transformação de capital em mais capital, que domina toda a vida sob o Sol com o mercado globalizado, precisa aumentar a transformação da matéria física para dar continuidade a essa grande indústria de processamento humano e natural que é a “forma social do capital” (Marx). Para esse processamento se exige mais energia humana abstrata na forma de trabalho, mas também mais energia natural em forma física. Em sua esmagadora maioria, seja como o fogo quente de motores à explosão movidos por combustível fóssil ou como o fogo luminoso de motores elétricos, a energia que move essa máquina tem por efeito a emissão de gases de efeito estufa (principalmente o dióxido de carbono da queima do combustível, o metano da decomposição da matéria orgânica nas grandes represas hidrelétricas e o óxido nitroso da agricultura industrializada com seus fertilizantes químicos). O resultado é que a humanidade, sob o regime de produção incessante de mercadorias, aquece o mundo efetivamente através do uso desenfreado de uma energia que prende mais luz solar numa atmosfera progressivamente mais espessa.
Mas a história de ascensão da sociedade capitalista, em que o mercado se expandiu submetendo todo o mundo à sua dinâmica de gasto de energia humana e física e, portanto, deixou cada vez mais refugo às suas costas, teve um ponto de inflexão há cerca de quarenta anos. Com a transformação tecnológica desencadeada pela revolução microeletrônica, a aceleração da produtividade expele e torna gradativamente irrelevante a energia humana no processamento das mercadorias e o sistema passou a produzir menos riqueza social abstrata com a exploração do trabalho. Um paradoxo se estabeleceu: quanto menos trabalho empregado nos processos de produção, menor é o valor presente em cada mercadoria individualmente e o resultado é a falência da própria estrutura básica da economia de mercado, uma crise que só pode ser compensada ou postergada através da ampliação da produção de mercadorias. É preciso uma expansão absoluta da produção de mercadorias para compensar o emprego relativo menor de trabalho em cada uma delas.
Exatamente porque o “fogo” interno social da produção da riqueza social – o trabalho – é cada vez menos utilizado, o fogo externo ambiental – a energia – precisa ser cada vez mais explorado para ampliar a produção de mercadorias. E a eficiência energética alcançada no emprego menor de energia por cada produto em particular acaba compensada pelo gasto absoluto crescente da produção. Como sintetizou Tomasz Konicz, “o aumento da produtividade, que na verdade é indispensável para a realização de uma forma de economia que conserva recursos, atua no capitalismo como um acelerador do fogo, já que aqui uma racionalidade funcionalista cega deve servir ao fim irracional em si mesmo de valorização ilimitada de capital, que está perecendo por causa de suas contradições crescentes”. Mas como a expulsão do trabalho é também a redução geral do poder de compra na forma de salários, o único modo de fazer essa montanha de mercadorias circular é induzir a demanda por “meios artificiais”, através do crédito, endividamento, renda básica ou mesmo indiretamente pela famigerada “expansão monetária”.
Não é por acaso que na passagem para a “sociedade pós-industrial”, ou seja, exatamente sob o influxo da revolução microeletrônica e da redução radical da população diretamente envolvida na produção, a emissão de gases de efeito estufa tenha se ampliado. Ao contrário do que se imagina, não vivemos uma história milenar de poluição ambiental, mas de aceleração intensiva da destruição com a “hipermodernidade” capitalista em crise: mais da metade do dióxido de carbono resultante da queima de combustíveis fósseis foi lançado na atmosfera nas últimas três décadas (WALLACE-WELLS, 2019), durante a onipresença do discurso idiotizante do “desenvolvimento sustentável”. Aqui se vê que falar numa “atividade antrópica” destrutiva em geral é uma cegueira que impede a identificação da dinâmica social ambientalmente corrosiva e em aprofundamento com a crise sistêmica. Qualquer “conflito intergeracional” que aponte para uma herança secular maldita de poluição no passado industrial também não consegue perceber que a grande devastação foi realizada nas últimas décadas, sob os olhos de boa parte da jovem população mundial (que possui em média 30 anos de idade). Por isso testemunhamos a aceleração radical da estufa global: as quatro últimas décadas foram, sucessivamente, mais quentes do que qualquer década que as precederam desde 1850 (IPPC, 2021, p.6) e os últimos cinco anos foram os mais quentes já registrados.
Talvez essa aceleração tenha a ver com o fato de que, enquanto os apologetas da nova ordem global enaltecem a “sociedade pós-industrial” e até mesmo a esquerda começa a delirar com projetos que associam “desenvolvimento econômico” e “transição energética”, sem colocar em xeque a própria economia de mercado, a máquina capitalista continua aquecendo a caldeira mundial com uma verdadeira regressão energética financiada por capital fictício. Embora com alguns recuos anuais conjunturais, o consumo mundial de carvão mineral tem aumentado no último meio século, uma involução histórica.2 Durante a pandemia, os maiores consumidores mundiais anunciaram a ampliação do uso dessa fonte tradicional de energia da Primeira Revolução Industrial. A “revolução do petróleo de xisto”, que inverteu a dependência dos EUA do petróleo externo e afetou diversas economias exportadoras (Venezuela, por exemplo), é basicamente dependente da emissão de dinheiro e taxas de juros básicas negativas (Cf. VERLEGER JR., 2001). E os subsídios e investimentos em combustíveis fósseis estão longe de diminuir:
Apenas entre 2016 e 2018, com o Acordo de Paris já em vigência, 33 bancos canadenses, chineses, europeus, japoneses e dos EUA canalizaram US$ 1,9 trilhão para a indústria de combustíveis fósseis, numa trajetória de aumento desses financiamentos a cada ano: 2016 — US$ 612 bilhões; 2017 — US$ 646 bilhões e 2018 — US$ 654 bilhões. Para se ter uma ideia de contexto, os investimentos em energia solar em 2018 foram de US$ 131 bilhões […], isto é, apenas um quinto dos investimentos diretos em combustíveis fósseis nesse mesmo ano e menos que os financiamentos apenas do JP Morgan Chase em combustíveis fósseis nesse triênio (US$ 196 bilhões). Em 2017, as transferências de recursos para a indústria de areias betuminosas cresceram 111% em relação a 2016, sendo este o setor mais pesadamente financiado no âmbito dos combustíveis fósseis (Hill, 2018). As três maiores administradoras de ativos financeiros do mundo — The Vanguard Group, State Street Corporation e Blackrock — canalizaram nesse triênio US$ 300 bilhões em investimentos na indústria de combustíveis fósseis. Blackrock, a maior administradora de fundos do mundo, com US$ 7 trilhões em ativos, é também a maior investidora em novas minas de carvão, uma das maiores investidoras em petróleo e gás e a maior investidora dos EUA em destruição das florestas tropicais. Juntos, essas “Big Three” gerem ativos maiores que o PIB da China e os ativos em carvão, petróleo e gás por elas administrados aumentaram 34,8% desde 2016 […] (MARQUES, 2020).
Com essa tendência, o resultado não pode ser outro senão a aceleração da combustão planetária. Sob temperaturas mais elevadas, incêndios catastróficos bateram o recorde em Portugal, em 2017, e no norte da Europa, em 2018. Multiplicaram-se na Costa Oeste dos EUA, em 2018 e 2019, em seguida também na África Central, assim como no Pantanal e Amazônia, quando a fuligem acumulada e transportada pelo ar cobriu o Sol em São Paulo (agosto de 2019). Também na Austrália, incêndios históricos arrasaram parte do país entre 2019-2020 e o fogo seguiu consumindo várias regiões do planeta, quando a NASA informou que os incêndios bateram todas as medições já registradas: “os incêndios em Nova Gales do Sul (Austrália), no Ártico Siberiano, na costa oeste dos Estados Unidos e no Pantanal brasileiro foram os maiores de todos os tempos, com base nos 18 anos de dados sobre incêndios florestais globais”. Nas últimas semanas do corrente ano, temperaturas recordes e secas foram responsáveis pela combustão de florestas no Canadá, EUA e Brasil. Agora, toda a bacia do Mediterrâneo está sofrendo incêndios gigantescos, seja em países africanos (Argélia), europeus (Grécia, Turquia, Espanha, Itália, Portugal) ou do Oriente Médio (Israel). Na Sibéria, segundo o Greenpeace, ocorre possivelmente o maior incêndio de toda a história.
Milhões de pessoas foram deslocadas apenas nos últimos cinco anos em função desses incêndios ou queimadas, mas os efeitos devastadores dessa combustão mundial são rejeitados pelo negacionismo radical, minimizados pelo negacionismo epistemológico ou simplesmente ignorados pela indiferença da “opinião pública” internacional, que apresenta imagens rotineiras do fogo no noticiário e, após os comerciais, fala da importância de diminuir o uso da sacola plástica e elogia as novas técnicas de energia limpa.3
Mas o inventário do fim do mundo, acumulado no levantamento dos cientistas, não deixa dúvida do grau de aniquilação ambiental com a elevação da temperatura. Nos incêndios da Austrália, em 2020, estima-se que 2,8 bilhões de animais morreram ou foram deslocados pelo fogo e seca. Recentemente, a onda de calor no Pacífico e nas latitudes elevadas de EUA e Canadá levou à morte de mais de um bilhão de animais marinhos, muitos deles foram literalmente cozidos com a elevação da temperatura da água. Não há estimativa precisa de como as últimas queimadas na Amazônia impactaram a biodiversidade, mas nos incêndios do Pantanal, ano passado, quando cerca de 26 % da vegetação foi destruída, cálculos iniciais apontavam para 10 milhões de animais afetados; agora cientistas estimam 4,65 bilhões de animais mortos, feridos ou deslocados. Uma nova extinção em massa se desenrola à nossa vista também derivada da mudança climática global (WALLACE-WELLS, 2019), como no passado geológico, mas agora provocada pelo capitalismo como “máquina de combustão mundial” (Konicz).
Todos esses eventos apontam ainda para uma “retroalimentação” da catástrofe climática. Quanto mais floresta é incendiada, mais dióxido de carbono é despejado na atmosfera: quase metade de toda emissão de gases de efeito estufa no Brasil são decorrentes da destruição da Amazônia, mas a redução da cobertura vegetal agora anula a própria função da floresta como um “sumidouro de carbono”, invertendo o seu balanço natural em favor das emissões.4 No Ártico, o aquecimento e os incêndios sobre o permafrost liberam progressivamente o metano acumulado durante milênios, podendo ativar a chamada “arma de clatratos”. Por fim, em mais um exemplo de “reforço sistêmico”, os oceanos aquecidos perdem gradativamente a capacidade de retenção de dióxido de carbono devido à acidificação (Cf. CAMPOS, 2014).
A constatação é inequívoca: o processo de crise econômica capitalista, mesmo com seus índices econômicos esquálidos, “desindustrialização” e desemprego em massa, é acompanhado por uma destruição ambiental mais sistemática e irreversível, por uma exploração de recursos naturais mais intensa e profunda, agora bancada a crédito. Há, portanto, uma relação de “retroalimentação” também entre a crise do capitalismo e o colapso ambiental,5 gerando “catástrofes sociais da natureza” (Robert Kurz) como parte do cotidiano. Mas a sociedade capitalista em queda, ao contrário de abrir caminho para novas formas de relação e inovação social, insufla seu fogo destrutivo através do capital fictício para se manter de todos os modos de pé, arrasando campos e florestas para a produção de commodities, reduzindo a diversidade natural e produzindo monstros biológicos com sua ciência e tecnologia high-tech na busca de um lucro em queda. Os excluídos do processo econômico pela microeletrônica e automação agora se somam ao refugo industrial, ativando uma espiral de devastação social e ambiental. Essa chama capitalista deve ser apagada antes que a sua lógica fetichista incinere a vida social, mas é preciso levar a sério a crítica radical das categorias básicas dessa formação social. Para isso é preciso combater um quarto negacionismo: aquele que recusa admitir a incompatibilidade da lógica da mercadoria, do dinheiro e do capital com a manutenção da própria vida.
Maurilio Botelho organizou recentemente o dossiê “Crítica do valor”, da edição n. 35 da revista da Boitempo, a Margem Esquerda #35. Vale a pena conferir!
Referências bibliográficas
CAMPOS, Edmo J. D. Campos. O Papel do Oceano nas Mudanças Climáticas Globais. Revista USP, n. 103, p.55-66, 2014.
DAVIS, Mike Davis. A apocalíptica “segunda natureza” da Califórnia. Revista Ihu On-line, 29 set. 2020.
IPSS. Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), Climate Change 2021: The Physical Science Basis (Summary for Policymakers), 2021.
KONICZ, Tomasz. Die Weltverbrennungsmaschine: Warum ein ressourcenschonender Kapitalismus prinzipiell unmöglich ist. Neues Deutschland, 22 jan. 2021.
MARQUES, Luiz. O colapso socioambiental não é um evento, é o processo em curso. Revista Rosa, série 1, mar. 2020.
MARQUES, Luiz. Capitalismo e colapso ambiental. Editora da Unicamp: Campinas, 2015.
VERLEGER JR, Philip K. QE and Oil Prices: Why the United States will be the new arbiter of oil inventories. The International Economy, 2001, p. 56-59.
VILLAR, André Gomez; BOTELHO, Maurilio Lima Botelho. O fim do “capitalismo verde”. Sinal de Menos, ano 10, n. 13, 2018.
PIVETTA, Marcos. Amazônia, agora, é fonte de CO2. Revista Pesquisa Fapesp, ed. 287, jan. 2020.
PIVETTA, Marcos. A Amazônia perde o gás. Revista Pesquisa Fapesp, ed. 306, ago. 2021.
WALLACE-WELLS, David. A terra inabitável: uma história do futuro. São Paulo: Cia. das Letras, 2019.
Notas
1 O relatório de 2003, The challenge of the slums, do ONU-Habitat, foi o primeiro a assumir um tom sombrio, tratando de moradias precárias e favelização que envolvia quase um bilhão de pessoas no mundo. Os comunicados da FAO também têm se destacado pelo alerta da regressão mundial: o último aponta o quanto a crise sanitária da covid-19 agravou a já trágica pandemia de fome e carência alimentar, ampliada pela crise climática: “entre 720 e 811 milhões de pessoas no mundo enfrentaram fome em 2020 – até 161 milhões a mais do que em 2019. Quase 2,37 bilhões de pessoas não têm acesso à alimentação adequada em 2020 – um aumento de 320 milhões de pessoas em apenas um ano. Nenhuma região do mundo foi poupada” (The State of Food Security and Nutrition in the World 2021, FAO-ONU, Rome, 2021, p. vi).
2 “Desde 1970, no limiar da primeira crise do petróleo, o mundo utilizava o carvão como fonte de 12 % da energia primária – uma redução significativa frente a 1880, quando era responsável por 97 % da produção de energia primária. Em 2010, a base energética do carvão chegou a 27 % e em 2014 atingiu 30,1 % (VILLAR; BOTELHO, 2018).
3 Como os meios de comunicação sobrevivem de escândalos cotidianos esquecidos já no dia seguinte, da pauta pasteurizada criada pelos anunciantes e de conveniências políticas de ocasião, não espanta que os novos indicadores demonstrem a maior destruição na Amazônia em uma década sem a mesma repercussão de 2019.
4 “Entre 2010 e 2017, a maior floresta tropical do planeta liberou anualmente, em média, algumas centenas de milhões de toneladas a mais de carbono do que retirou do ar e estocou em sua vegetação e solo” (PIVETTA, 2020). Veja também os dados mais atuais que apontam que a Amazônia Oriental, mais afetada pela expansão da fronteira agrícola e urbanização, emite mais gases de efeito estufa (PIVETTA, 2021).
5 Por outra lado, a crise ambiental aprofunda as formas destrutivas do colapso capitalista e até mesmo um autor que ainda pensa nos termos de “crises cíclicas” enxerga uma nova era de crises econômicas onde os “crescentes custos das crises ambientais [assumem] cada vez mais o papel de protagonista” (MARQUES, 2015).
***
Maurilio Lima Botelho é Professor de geografia urbana da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), e autor do artigo “Crise urbana no Rio de Janeiro: favelização e empreendedorismo dos pobres” que integra o livro Até o último homem: visões cariocas da administração armada da vida social, organizado por Pedro Rocha de Oliveira e Felipe Brito (Boitempo, 2013), e do artigo “Guerra aos ‘vagabundos’: sobre os fundamentos sociais da militarização em curso”, publicado na revista Margem Esquerda #30. Também é organizador do dossiê “Crítica do valor”, da Margem Esquerda #35. Colabora com o Blog da Boitempo esporadicamente.