Agência FAPESP
Daqui a um século, as mudanças climáticas prometem causar alterações profundas na natureza e na agricultura brasileiras. É possível que a onça-pintada, o maior felino das Américas, não encontre áreas ideais para viver na Amazônia. O Cerrado, por sua vez, pode sumir de vez do oeste do estado de São Paulo. E as perdas no cultivo de soja no Brasil correm o risco de chegar a 40%, ou seja, a um prejuízo anual de R$ 4,3 bilhões. Essas são algumas das projeções feitas por pesquisadores preocupados com as transformações no clima projetadas pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). O que permite aos ecólogos e agrônomos tirar os olhos do presente e mirar o futuro são modelos matemáticos que buscam resumir em poucos parâmetros as condições ambientais essenciais para cada espécie e simular o que pode acontecer com o clima em diferentes cenários de concentração de gases na atmosfera.
"As unidades de conservação atuais podem não servir para preservar as espécies", alerta Paulo De Marco Júnior, da Universidade Federal de Goiás (UFG). Ele lidera, junto com José Alexandre Diniz-Filho, o Laboratório de Ecologia Teórica e Síntese, um dos principais grupos de pesquisa brasileiros no uso de modelos ecológicos. Tema de doutorado Para o ecólogo Paulo De Marco Júnior, da UFG, não adianta escolher uma área de floresta a ser protegida se ela tiver poucas chances de, no futuro, abrigar a diversidade biológica que se deseja manter. É o caso da onça-pintada (Panthera onca), tema do doutorado de Natália Tôrres sob orientação de Diniz-Filho.
Condições ideais
A partir de 1.053 registros de onças no banco de dados do Instituto Onça-pintada, a doutoranda Natália Tôrres, da UFG, definiu, com base em parâmetros de precipitação e temperatura, as condições climáticas ideais para as onças. Embora elas possam viver em ambientes muito variados - desde as matas densas, úmidas e escuras do coração da Amazônia até a aridez da Caatinga -, estudos com armadilhas fotográficas e monitoramento desses grandes felinos revelam que eles preferem florestas mais fechadas e áreas próximas a cursos d'água, com temperaturas entre 20 e 25 graus Celsius (°C) e chuva durante a maior parte do ano.
O modelo passou no primeiro teste: foi produzido com base na distribuição atual das onças e em seguida aplicado às condições climáticas do passado. A distribuição encontrada nesse exercício de previsão do passado coincide com os dados históricos - de quando as onças circulavam por praticamente todo o Brasil, em uma área duas vezes maior do que a de hoje, e povoavam o imaginário popular. os dados de Natália foram publicados no final de 2008 na Cat News e preveem para os próximos 100 anos uma redução grande nas áreas mais adequadas para as onças. Na Amazônia, por exemplo, essas zonas ideais poderão estar restritas ao chamado arco do desmatamento, que inclui o norte de Mato Grosso e o sul do Pará, onde há maior pressão por plantio de soja e cana-de-açúcar. O desafio agora é encontrar por ali áreas capazes de sustentar populações desses grandes predadores e que possam ser preservadas.
"É importante ressaltar que o modelo indica o potencial de ocorrência da espécie, não onde ela necessariamente estará", lembra Natália. Ela acrescentará ao modelo climático informações mais detalhadas, como o tamanho das manchas de vegetação. Com isso, pretende indicar áreas prioritárias para a preservação da onça.
No sul da Amazônia, uma área promissora está ao longo do rio Araguaia, que nasce na fronteira entre Mato Grosso e Goiás e se estende para o norte até desaguar no Tocantins, no ponto de encontro entre Maranhão, Pará e Tocantins. "Ali ainda existem áreas bem preservadas", conta Natália, "e é um corredor importante para a onça-pintada porque conecta a Amazônia e o Cerrado". E coincide com parte da área que deve se manter ideal para ela no futuro, previsão que deve ser melhorada por análises mais detalhadas.
O climatologista Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), se surpreende que o modelo não destaque a permanência de onças no oeste da Amazônia. "Todos os modelos preveem que ali haverá florestas densas e úmidas", afirma. Anfíbios correm risco Mais sensíveis às condições ambientais e menos móveis, os anfíbios são bons indicadores do que acontece com as florestas. "Eles dependem da temperatura e da umidade do meio, por isso são restritos a seu ambiente", diz João Giovanelli, da Unesp em Rio Claro, que usou modelos ecológicos para investigar distribuições futuras de anfíbios da Mata Atlântica - sapos restritos ao alto de montanhas e uma perereca com preferências mais flexíveis.
Considerando um cenário para 2100 com o dobro de gás carbônico (CO2) do que havia na era pré-industrial (uma das possibilidades previstas por outros pesquisadores), algumas espécies dos pequenos sapos dourados do gênero Brachycephalus, do tamanho da unha do dedão de uma pessoa, podem desaparecer.