A pirataria de artigos científicos tem ganhado destaque nos últimos anos, com o surgimento de sites como o Sci-Hub, o Libgen e o Z-Library, que oferecem acesso gratuito a milhões de artigos científicos, livros e capítulos de livros. Embora esses sites tenham sido criados com o objetivo de fornecer acesso à literatura científica para aqueles que não têm condições de pagar por ela, eles têm sido alvo de muitas críticas e ações legais por violarem os direitos autorais dos editores.
“Pirataria científica” é um termo que se refere à prática de acessar, baixar ou compartilhar artigos científicos sem a permissão dos detentores dos direitos autorais ou sem pagar as taxas exigidas pelas editoras. Isso geralmente ocorre quando os artigos estão disponíveis apenas em periódicos de acesso pago, também conhecidos como “paywalls”, e não estão disponíveis publicamente ou em acesso aberto. A pirataria científica é praticada por pesquisadores, estudantes e membros do público que não têm acesso aos artigos de outra forma.
Existem algumas iniciativas que buscam facilitar o acesso a trabalhos científicos publicados em revistas de acesso pago. Entre elas, o Z-Library (Z-lib), o Library Genesis (LibGen) e o Sci-Hub são os de maior destaque.
O Z-Lib e o LibGen são “shadow libraries” (em português, bibliotecas sombrias), ou seja, coleções digitais de material protegido por direitos autorais que foram disponibilizadas online sem a permissão dos detentores dos direitos autorais. As shadow libraries podem incluir livros, artigos, filmes, música e outros tipos de mídia. O Z-Lib surgiu em 2009 (inicialmente como “BookFinder”) e o LibGen surgiu em 2008. Embora ambos sejam focados em livros acadêmicos e artigos científicos, eles também possuem uma ampla gama de obras não acadêmicas, de domínio público e da cultura pop.
O Sci-Hub é um site que ganhou destaque por oferecer acesso gratuito a artigos científicos e tem sido alvo de muita atenção nos últimos anos. Diferentemente do Z-lib e do LibGen, que são “shadow libraries“, o Sci-Hub é uma forma mais direta de piratear as publicações. Ele foi criado em 2011 por Alexandra Elbakyan, uma desenvolvedora do Cazaquistão que, assim como muitos outros estudantes e pesquisadores, enfrentou dificuldades para acessar artigos científicos importantes em sua área devido às altas taxas de acesso cobradas pelas editoras científicas e ao acesso limitado à internet em seu país.
Antes do surgimento do Sci-Hub, outras formas de acesso não pago a trabalhos científicos existiam, mas eram bastante limitadas, demoradas e pouco práticas. Essas opções incluíam longos períodos de espera para que uma biblioteca atendesse a uma solicitação de empréstimo e disponibilizasse uma cópia, exaustivas buscas em fóruns e comunidades de acesso a conteúdo online, solicitação de cópias individuais de trabalhos por e-mail aos autores ou por meio de mídias sociais. Embora seja possível pedir cópias de trabalhos em grupos ou espaços dedicados no Reddit, Facebook ou Twitter (por meio da hashtag #icanhazpdf), essas formas são demoradas e frequentemente não dão retorno. Isso motivou Elbakyan a buscar uma solução para o problema utilizando suas habilidades em programação. Ela utilizou suas próprias credenciais de instituições acadêmicas para acessar e compartilhar cópias com outras pessoas que também enfrentavam dificuldades de acesso. Eventualmente, ela decidiu automatizar o processo e lançou o Sci-Hub.
De acordo com Elbakyan, o Sci-Hub tornou-se popular quase imediatamente, processando rapidamente solicitações de acesso em nível internacional. Com o crescimento rápido do site ao longo dos anos, um grande banco de dados foi construído com artigos obtidos a partir da coleta de repositórios de acesso aberto, da extração de artigos de sites de editoras e bibliotecas digitais, e também da colaboração voluntária de pesquisadores e bibliotecários que forneciam artigos e credenciais para o site. No entanto, a obtenção e o compartilhamento de cópias desses trabalhos violam os direitos autorais das editoras, que também acusam a criadora de roubar dados por meio de links maliciosos. Como resultado, o Sci-Hub tem sido alvo de muitas ações controversas por parte dessas editoras, que lutam para derrubar o site, bloqueando seu acesso em diferentes países e movendo processos legais contra o site e sua fundadora.
Os países que baixaram mais artigos do Sci-Hub em Fevereiro de 2023, ordenados por número de downloads. (Fonte: Sci-hub, acessado em março de 2013).
Assim começou o grande embate: de um lado, Alexandra Elbakyan e seus apoiadores que acreditam que o conhecimento científico deveria estar disponível para todos e criticam o sistema injusto de publicações científicas, controlado por um grupo de empresas mais interessadas em lucrar com o conhecimento do que em compartilhá-lo amplamente. Do outro lado, grandes editoras que afirmam que a obtenção e compartilhamento ilegal de cópias de artigos científicos viola os direitos autorais e prejudica a indústria editorial, reduzindo o incentivo para que os pesquisadores publiquem seus trabalhos em revistas científicas e afeta a qualidade da pesquisa científica como um todo (o que é muito questionável).
Vários estudos foram conduzidos para avaliar o impacto do Sci-Hub na disseminação e uso de artigos científicos. Alguns indicam que artigos disponibilizados no Sci-Hub são mais lidos e citados do que artigos disponíveis apenas em acesso pago. O número de citações de um artigo em outros trabalhos é frequentemente usado como uma métrica do seu impacto científico. Um estudo publicado na Scientometrics em 2021 sugere que os artigos baixados do Sci-Hub foram citados quase duas vezes mais do que aqueles que não estão na plataforma. No entanto, é possível que esses trabalhos tenham sido baixados porque são de maior qualidade e, portanto, mais procurados. Outro estudo de 2018 relata que até março de 2017, a base de dados do Sci-Hub continha 68,9% de todos os 81,6 milhões de artigos acadêmicos registrados no Crossref e 85,1% dos artigos publicados em periódicos de acesso pago, o que facilitaria o acesso a uma grande parte da produção científica.
Volume de artigos disponíveis no Sci-Hub por área do conhecimento. O banco de dados do Sci-hub possui mais de 88 milhões documentos de pesquisa e correspodne a mais de 100 terabytes (Fonte: Sci-hub, acessado em março de 2013).
Desde o início dos anos 2000, pesquisadores de diferentes áreas têm analisado o impacto dos artigos disponíveis em acesso aberto. Esse interesse se intensificou com a ascensão do movimento Open Science (ciência aberta), um esforço global para tornar a pesquisa científica mais acessível, transparente e colaborativa. O objetivo do movimento é disponibilizar os resultados da pesquisa, incluindo dados, publicações e códigos fonte, gratuitamente e sem restrições de acesso ou uso. Dessa forma, o open science visa aumentar a eficiência, qualidade e transparência da pesquisa científica, bem como incentivar a inovação e descobertas mais rápidas.
Principais pautas do Movimento Open Science
Apesar de ter recebido apoio de muitas organizações governamentais, instituições de pesquisa e universidades em todo o mundo, o movimento open science permaneceu incipiente até meados da década de 2010, quando ganhou popularidade devido aos avanços na tecnologia de comunicação e às demandas da comunidade científica por maior transparência e acesso à informação científica. Foi justamente nesse período que ocorreu a explosão do Sci-Hub, do LibGen e do Z-library, o que não é coincidência. As transformações trazidas por essas iniciativas na dememanda por acesso ao conhecimento científico foram tão disruptivas que são impossíveis de serem paradas.
Em 2016, a Elsevier iniciou uma ação judicial movida nos Estados Unidos contra o Sci-Hub que resultou em uma sentença de multa de 15 milhões de dólares contra a fundadora. Ações semelhantes também foram tomadas contra o LibGen e mais recentemente contra o Z-lib que teve seus domínios apreendidos pelo FBI. Apesar das tentativas de remoção de seus conteúdos, todos esses sites continuam a operar através de domínios alternativos e da troca constante de endereço e armazenamento para servidores em países onde não são alvo de ações judiciais. Outras alternativas também incluem o uso de bots no Telegram e da manutenção do acesso via deep web. De qualquer forma a luta das editoras contra estas plataformas ou ferramentas de acesso está longe de acabar, o que tem forçado mudança de postura e das políticas editoriais das grandes empresas e dá força ao movimento open science.
Em 2016, a Elsevier iniciou uma ação judicial movida nos Estados Unidos contra o Sci-Hub, resultando em uma multa de 15 milhões de dólares contra a fundadora. O LibGen também enfrentou ações judiciais semelhantes, e recentemente o FBI apreendeu vários domínios do Z-library. Apesar dessas tentativas de remoção de conteúdo, os sites continuam operando através de domínios alternativos e servidores localizados em países onde não são alvo de ações judiciais. Os usuários também recorrem ao uso de bots no Telegram e do acesso via deep web. A luta das editoras contra essas plataformas e ferramentas de acesso está longe de terminar, mas tem forçado mudanças de postura e das políticas editoriais, fortalecendo assim o movimento open science.
Referências:
Revista Pesquisa FAPESP – O efeito Sci-Hub
Engineuring – Sci-Hub and Alexandra: Basic Information
eLife – Sci-Hub provides access to nearly all scholarly literature
Science – Who’s downloading pirated papers? Everyone
The Conversation – Elsevier acts against research article pirate sites and claims irreparable harm
The Hindu – Digital database Z-Library’s domains seized by the FBI
Leituras adicionais
PlosONE – The Oligopoly of Academic Publishers in the Digital Era
Librarian Journal (Via Internet Archive) – Sci-Hub Controversy Triggers Publishers’ Critique of Librarian
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