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Pesticidas da cana-de-açúcar afetam tilápias em São Paulo (20 notícias)

Publicado em 29 de fevereiro de 2024

Pesquisadores da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) identificaram quantidades pequenas de dois agrotóxicos em áreas de cana-de-açúcar que podem contaminar solo e água. Apesar de serem teores permitidos por lei, os pesticidas que estão entre os produtos borrifados nas lavouras da região de Presidente Prudente (SP) podem causar a morte de animais, como tilápias, em 24 horas, segundo estudo divulgado nesta quinta-feira, 29, pela Agência FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).

“Nos peixes, um dos efeitos desses produtos é a morte por asfixia”, contou, em nota, o pesquisador Rafael Rubira, da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual de São Paulo (FCT-Unesp). Ele e outros pesquisadores analisaram os efeitos das substâncias nas brânquias de 150 tilápias-do-nilo mantidas em aquários do laboratório da faculdade.

As brânquias ou guelras são órgãos respiratórios que absorvem o oxigênio da água e eliminam dióxido de carbono. Além disso, são o primeiro ponto de contato dos peixes com essas substâncias. A tilápia foi escolhida para o estudo por ser o peixe mais consumido no país, de acordo com o pesquisador.

“Ficamos surpresos em constatar que a exposição a quantidades muito pequenas desses pesticidas, abaixo inclusive dos limites permitidos pela lei, foi suficiente para danificar as brânquias de tilápia”, destacou o pesquisador.

A pesquisa analisou a ação de dois pesticidas – parationa-metílica (MP) e imazapique (IMZ) –, que foram diluídos na água do aquário em quantidades abaixo dos limites permitidos pela legislação de vários países. Em seguida, monitoraram o órgão respiratório em 24 horas e depois de 96 horas.

Mesmo em pouca quantidade e em apenas 24 horas, os pesticidas destruíram completamente ou danificaram uma parte muito importante das brânquias, indicou a investigação, que teve financiamento da FAPESP.

De acordo com as análises, o IMZ faz parte do grupo de herbicidas usados para combater o crescimento de certos tipos de plantas daninhas presentes no campo. Seu uso é autorizado no Brasil para as culturas de amendoim, arroz, cana-de-açúcar, milho, pastagem, soja, sorgo e trigo.

“Porém, é uma substância altamente tóxica, com elevada solubilidade quando lixiviada em camadas mais profundas do solo”, disse o pesquisador.

O MP, por sua vez, é um poderoso inibidor de um tipo de enzima que causa efeitos tóxicos colaterais no sistema nervoso de animais. Pode também afetar a pele e os olhos, entre outros sistemas corporais expostos de seres vivos.

“Permitido nos Estados Unidos, com limite de concentração de 9,3 microgramas por litro, o MP é proibido no Brasil, mas ainda é encontrado”, relatou Rubira. “Antes íntegras, as brânquias passaram a apresentar alterações prejudiciais à capacidade de absorção de oxigênio, levando os peixes à morte. Novamente nos surpreendemos ao observar que os animais já estavam muito debilitados com 24 horas de exposição”, descreveu.

Os próximos passos serão análises químicas do que ocorreu com as moléculas de gordura das brânquias para identificar quais alterações estão associadas a processos cancerígenos. “Queremos mostrar, por microespectroscopia, que, se houver alterações no DNA ou no RNA, as próximas gerações de peixes poderão ter malformações”, pontua o cientista.

A Agência FAPESP procurou a Organização de Associações de Produtores de Cana do Brasil (Orplana), mas não obteve resposta.

O Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), questionado sobre a existência de rotinas de monitoramento e controle do tipo de pesticida usado na cultura da cana-de-açúcar, esclareceu que “é de competência dos estados legislar e fiscalizar o uso de agrotóxicos no âmbito da sua circunscrição”. O Mapa ainda confirmou que a parationa-metílica tem uso agrícola proibido no Brasil desde 2015, informou a nota da Agência.

Consultada, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) relatou que, no período de 2013 a 2022, a parationa-metílica foi pesquisada em 18.429 amostras de alimentos vegetais coletadas no âmbito do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos (Para), tendo sido detectada em seis amostras (três coletadas em 2014 e três coletadas em 2015). A substância foi proibida por determinação da Anvisa devido a características mutagênicas, acrescentou a FAPESP.