Há cem anos, o surto de peste bubônica no porto de Santos chamou a atenção de importantes médicos sanitaristas brasileiros. A convite de Adolfo Lutz, o então jovem doutor Vital Brasil, que havia se forrado no Rio de Janeiro em 1891, participou da identificação da epidemia. Os seus primeiros estudos naquela época foram realizados em uma das cocheiras da Fazenda Butantan, existente até hoje dentro do instituto que, oficialmente, vai completar cem anos em 23 de fevereiro de 2001.
A história do Butantan, que segundo pesquisas da prefeitura da capital é o local que mais recebe turistas — aproximadamente 500 mil ao ano —, é muito ligada à biografia de Vital Brasil, que há um século plantava a semente, que germinou aos seus olhos, cresceu e transformou-se no Butantan de hoje. No cenário nacional, em 1898, Campos Sales assumia a presidência e instaurava a política dos governadores. No contexto internacional, os Estados Unidos compraram, naquele ano, Cuba, Porto Rico, Guam e Filipinas.
Depois de tornar-se médico. Brasil percorreu várias cidades do interior do Estado de São Paulo, preocupado com a saúde e higiene da população. As primeiras pesquisas com serpentes foram realizadas em 1893, quando ele se radicou como clínico em Botucatu.
Três anos mais tarde, em 96, o médico voltou para o Rio. Começava o seu contato com Adolfo Luiz, que o chamou para trabalhar no Instituto Bacteriológico. Ao lado das pesquisas desenvolvidas já na Fazenda Butantan por causa da peste que assolava não apenas Santos, mas outros vários portos das colônias de Portugal. Brasil, que também gostava de botânica, reiterou sua vontade de combater os sintomas de envenenamento por animais peçonhentos. Naquela época, segundo dados fornecidos pela divisão de desenvolvimento cultural do Butantan, ocorriam cerca de 3 mil acidentes desse tipo por ano apenas no Estado de São Paulo.
"Até hoje não se sabe direito o por quê de a peste bubônica ter atingido várias cidades que eram colônia de Portugal", explica Marcos Ferreira Santos, chefe da seção de ensino do Instituto Butantan. "Vital Brasil não apenas identificou o surto, como também contraiu a doença", conta o professor.
Diante do problema prático de como fazer a prevenção da doença, duas alternativas surgiram. As vacinas poderiam ser importadas do Instituto Pasteur, na França, ou desenvolvidas no Brasil. A escolha do Butantan, na época, foi feita pela elite paulistana do fim do século, que vivia da plantação cafeeira.
"Na época a fazenda foi considerada um local seguro para trabalhar com as vacinas por ser muito longe da cidade. Precisava ser uma área para lá do rio Pinheiros", diz o chefe de ensino do Butantan. A antiga fazenda utilizada nos primórdios das pesquisas do médico Vital Brasil englobava também a região que a Universidade de São Paulo (USP) ocupa nos dias atuais.
Com o consenso entre Vital Brasil, Adolfo Lutz e Emílio Ribas nasceu em 1901 o Instituto Serumtherápico de Butantan. A primeira edificação construída, atrás do prédio onde funciona a biblioteca, continua sendo usada por pesquisadores até os dias de hoje.
"Já em 1904 o soro produzido aqui teve reconhecimento internacional", registra Marcos Ferreira Santos. Segundo o estudioso, naquela época, a comunidade científica acreditava que o soro produzido a partir de um determinado gênero serviria para combater o envenenamento de qualquer tipo de serpente. "Mas Vital Brasil provou naquela época que o soro fabricado com o veneno de um gênero poderia ser usado apenas contra picadas daquele gênero."
Na década de 20, o Instituto Butantan ganhou um novo impulso por meio do secretário de Saúde da época, Cesário Mota. Enquanto o mundo assistia ao início da Primeira Grande Guerra e à inauguração do canal do Panamá, em 1914, o prédio da biblioteca do Butantan era inaugurado, além do vários outros laboratórios, que, modernizados, funcionam hoje. Dois anos antes, em 1912, os tradicionais serpentários, que são visitados pelo público na atualidade, foram construídos. "Naquela época todas as nossas cobras ficavam lá. Agora, as serpentes usadas nas pesquisas são criadas no biotério", explica o responsável pela seção de ensino do instituto. De 1919 até 1940, o instituto passou por momentos de queda e ascensão, que, em parte, estão atrelados as mudanças políticas realizadas dentro do órgão e que surgiram também no cenário nacional.
Em 1919, na mesma época que a União Soviética era criada e o Brasil assinava o tratado de Versalhes — o que obrigava a Alemanha a pagar indenização ao Brasil por causa dos navios afundados o das sacas de café confiscadas em Berlim —, Vital Brasil, por desavenças políticas, resolveu deixar o Instituto Butantan. Mas, em 1924, o médico sanitarista volta e fica mais três anos. Em 1927, ele se aposenta e vai morar de forma definitiva no Rio de Janeiro. O mineiro de Campanha, que nasceu em 28 de abril de 1865, morreria em 1950, no dia 8 de maio.
Em 1930, no início da era Vargas, vários químicos alemães que vieram fazer intercâmbio no Butantan foram expulsos do País por causa da ligação do presidente com a política fascista, que perseguia os judeus.
A partir de 1940, a produção de vacinas e soro foi priorizada pelas diretorias que se sucederam à frente do instituto. Em 1940, o Butantan consegue produzir o primeiro soro antitetânico. Desde então, a presença do Instituto Butantan nas campanhas de vacinação no Brasil passou a ser cada vez mais freqüente. Hoje, 80% da produção nacional é feita no instituto paulistano. Apenas a vacina Sabin não é feita nos laboratórios do instituto.
"O fato de o Butantan ser subordinado administrativamente ao estado e, do ponto de vista da produção de vacinas ao governo federal, historicamente causou problemas aqui dentro", afirma Marcos Santos.
Na atualidade, o órgão é dividido em três grandes áreas. A área de pesquisas — existem várias linhas no setor de farmacologia e imunologia — é financiada pelas agências tradicionais de fomento à pesquisa. Na área de produção, viabilizada por meio do moderno centro de biotecnologia, as vacinas e soros são vendidos, de forma integral, ao Ministério da Saúde. O terceiro segmento é a divisão cultural.
"Conseguimos verbas via Ministério da Cultura e também com parcerias com a iniciativa privada", revela Marcos Santos. Mas, segundo ele, a verba é insuficiente para tratar da divulgação dos cursos e eventos do instituto e também manter a infra-estrutura dos museus. "Estamos agora com problemas no Museu Biológico. Como a estrutura dele foi feita em madeira, os cupins estão infestando as nossas instalações", salienta o chefe da seção de ensino.
Segundo Marcos Santos, o Centro de Biotecnologia montado no Butantan serve como referência por causa da discussão que sempre existe na academia entre pesquisa básica e pesquisa aplicada. "Nese centro, o que se está fazendo é uma interface entre estes dois tipos de pesquisa."
Além das instalações em São Paulo, o Butantan tem, hoje, duas pequenas bases fora da cidade. Pelo projeto Proebem, o instituto está com um laboratório em Manaus, onde estão em estudo princípios ativos de plantas da região. Pesquisadores do Butantan também freqüentam a Ilha de Queimada Grande, no litoral paulista, para estudar a biologia da Bothrops ilhoa, serpente que foi descoberta nesta ilha na década de 50. Até hoje é um mistério para a ciência como essa espécie — que tem um veneno várias vezes mais potente que a jararaca (Bothrops insularis) conseguiu habitar a ilha.
Notícia
Gazeta Mercantil