Estudos analisam viabilidade de substituir produtos de origem mineral por fertilizantes orgânicos. Experimentos registram aumento na concentração de micronutrientes no solo e nas folhas e ganho de produtividade de mais de 65% no plantio da soja em relação à média brasileira.
O conflito entre Ucrânia e Rússia está sendo travado no coração da Europa, a mais de 10,5 mil km de distância, mas tem potencial para afetar a economia brasileira de modo importante. Embora o setor agrícola brasileiro receba às vezes o epíteto de “celeiro do mundo”, nossa elevada produtividade depende, fundamentalmente, do emprego de fertilizantes. Isso decorre do fato de que embora o Brasil conte com aspectos vantajosos, como a extensa área de plantio e o clima predominantemente tropical, nosso solo é tido como pobre em nutrientes para as necessidades das commodities mais produzidas no país, como soja, milho ou a cana-de-açúcar. Essa escassez de nutrientes é compensada pelo emprego de fertilizantes. A Rússia está entre os cinco principais produtores de fertilizantes no mundo hoje, e tem no Brasil um de seus principais clientes.
Apenas no último ano, o Brasil consumiu mais de 40 milhões de toneladas de fertilizantes. De acordo com o Comex Stat , uma ferramenta do Ministério da Economia que fornece informações sobre o comércio exterior brasileiro, 25% dessas importações vieram da Rússia: no total foram US$ 3,5 bi, um aumento de 97% em relação a 2020. Na pauta total de produtos que o Brasil importa da Rússia, os adubos e fertilizantes químicos representaram 62%.
Em geral, as empresas que operam no Brasil importam compostos pertencentes ao grupo NPK, letras que identificam os elementos químicos nitrogênio (N), fósforo (P) e potássio (K). Ao adquirir os fertilizantes nitrogenados, fosfóricos e potássicos, as empresas posteriormente elaboram fórmulas do NPK, balanceando cada produto de acordo com as demandas da cultura ou do perfil de solo em que será feito o cultivo.
A Rússia é a segunda maior produtora dos fertilizantes potássicos, o tipo mais aplicado nas lavouras brasileiras. Uma interrupção do fornecimento do insumo, seja pela imposição de embargos ou pela própria dinâmica do conflito, portanto, deve ter consequências sérias para o agronegócio brasileiro.
Engenheiro agrônomo e professor da Unesp no câmpus de Registro, Leandro Godoy explica que este é um período de colheita das principais culturas, mas que à medida que os produtores se preparam para o plantio da próxima safra, por volta de setembro, a demanda por fertilizantes deve aumentar. “Uma paralisação ou redução de fornecimento vai impactar e elevar ainda mais os custos que já eram altos. Nunca tivemos valores tão altos nos preços dos fertilizantes”, explica Godoy. De fato, a alta nos preços dos fertilizantes já era motivo de preocupação no final do ano passado, em virtude de um conjunto de razões como embargos aplicados à Belarus, mudanças nas políticas de exportação por parte da China (dois outros grandes produtores mundiais) ou o preço do frete marítimo.
Líder do Grupo de Estudo em Nutrição, Adubação e Fertilidade do Solo (GENAFERT), o professor Thiago Nogueira afirma que essa crise já estava no radar do agronegócio. Porém, falhamos em adotar políticas públicas que seriam capazes de promover a diminuição da dependência externa, como o incentivo à exploração de minas e ao desenvolvimento de novas fábricas. “Estávamos em uma situação muito cômoda. Ainda que os preços dos fertilizantes estivessem altos, era um produto de boa qualidade e as safras estavam batendo recordes”, afirma.
Uma opção a curto prazo para minimizar os efeitos da guerra, afirma Thiago Nogueira, é buscar novos parceiros comerciais para diversificar a importação, como o Canadá, que é o maior produtor do mundo, ou Alemanha. “O grande problema neste caso é o volume da nossa demanda. Somos um país continental produzindo em quantidades nunca vistas anteriormente”, afirma, referindo-se à sequência de recordes de produção das safras brasileiras.
Alternativa de origem orgânica
Outros caminhos para reduzir a dependência de fertilizantes importados envolvem o desenvolvimento da pesquisa com foco na busca por fontes alternativas que possam complementar ou reduzir a adubação mineral. Esta é uma das áreas de pesquisa do grupo liderado pelo professor do campus de Ilha Solteira. Nesta linha, o grupo vem estudando a obtenção de adubos orgânicos a partir da compostagem do lodo proveniente do tratamento do esgoto.
A compostagem desse tipo de resíduo já havia sido objeto de estudo do professor Roberto Lyra Villas Boas, do campus da Unesp em Botucatu, com financiamento da Fapesp e da Sabesp, no âmbito do programa Parceria para Inovação Tecnológica (PITE).
Nesse tipo de processo de compostagem, a mistura do lodo com fontes de carbono como cascas de eucalipto, bagaço de cana-de-açúcar e cascas de arroz é disposta em diferentes baias, nas quais se cria um ambiente propício para o desenvolvimento de microorganismos decompositores. A atividade desses microrganismos acarreta no aumento da temperatura da mistura que alcança em torno de 70o C. Esse aumento da temperatura é capaz de eliminar possíveis organismos patogênicos.
Ao longo dos experimentos, o produto desta compostagem também foi submetido a diferentes testes de aplicação, tendo sido empregado na composição de substratos para germinação de sementes florestais e aproveitado como adubo para a cultura do milho e de espécies ornamentais. Os resultados foram promissores. Agora, o grupo do professor Thiago Nogueira está investigando o uso desse material como fonte orgânica de nutrientes para o solo do Cerrado, em culturas de milho e soja.
Ganhos com a soja
As pesquisas desenvolvidas durante o projeto de mestrado da aluna Adrielle Rodrigues Prates, que contaram com apoio da Fapesp , têm buscado determinar quais podem ser as melhores práticas de manejo do composto na lavoura. Isso envolve variáveis como a dose mais adequada a ser aplicada, a periodicidade do uso, o mecanismo mais apropriado de aplicação, a necessidade ou não de se incorporar algum outro elemento e a identificação das culturas que respondem melhor à aplicação do nutriente.
Alguns resultados destes experimentos foram publicados no final de 2020 na revista Agronomy . Os dados apontaram que a aplicação do lodo proveniente do tratamento de esgoto aumentou a concentração de micronutrientes no solo e nas folhas, bem como elevou em 67% a produtividade da soja, em comparação com a média brasileira.
Aposta na eficiência para reduzir a quantidade
Para Thiago Nogueira, os resultados mostram a eficiência do uso do fertilizante orgânico como alternativa ao fertilizante mineral e seu potencial para colaborar na redução da dependência deste insumo. “É importante que se realizem mais pesquisas para entender o comportamento dessas fontes orgânicas de nutrientes, uma vez que são geradas em larga escala e tornam-se um passivo ambiental que muitas vezes acaba indo para os aterros”, afirma.
Por vezes, a estratégia para diminuir a dependência internacional de fertilizantes está mais próxima do que parece. Leandro Godoy, por exemplo, dedica boa parte de suas pesquisas a aumentar a eficiência na aplicação desses insumos e, dessa forma, gerar economia para o produtor. “Temos desenvolvido pesquisas e metodologias em torno do que chamamos de Quatro Pilares: a quantidade correta, o momento de aplicação, o tipo de fertilizante e a forma como aplicar”, explica o docente do campus de Registro. “Se aumentarmos essa eficiência, será possível usarmos quantidade menor de fertilizantes, diminuímos os custos para o produtor e reduzimos a dependência da importação.”