Material foi coletado em 30 teias de aranha espalhadas em locais de maior movimentação na Universidade Federal do Espírito Santo, no campus em Vitória. Presença de nylon e de pedaços de garrafas pet foi detectada em todas as amostras. Estudo realizado pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) utilizou teias de aranha para identificar microplástico no ar que respiramos
Pesquisadores da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) identificaram que o microplástico também está presente no ar que respiramos. Para poder chegar a essa descoberta, a equipe analisou um elemento que já compõe a natureza: as teias de aranha. A pesquisa serve como um alerta para a saúde, já que os microplásticos podem ser inalados e causar uma série de problemas respiratórios.
Um grupo de 13 pessoas entre pesquisadores e alunos, estagiários e bolsistas, analisaram 30 pontos de teias distribuídos em todo o campus da universidade em Goiabeiras, Vitória, em áreas onde existe uma maior movimentação de pessoas.
Após a coleta e análise em laboratório foi descoberto que em todos os pontos havia a presença de microplástico, sendo eles das mais variadas composições, como o nylon, que é utilizado na roupa, e até mesmo restos de garrafas pet.
Os microplásticos são partículas altamente heterogêneas em termos de composição química, diâmetro, forma, densidade e cor, e muitas vezes são derivados da quebra de fragmentos plásticos maiores. Podem ser por exemplo pequenos pedaços de uma sacola plástica triturada.
O estudo é inédito e o grupo é o segundo no mundo a conseguir comprovar que até mesmo o ar que respiramos está contaminado com pequenas partículas de plástico. Os resultados foram publicados em uma revista científica internacional em julho deste ano.
Após coleta das teias de aranha espalhadas em campus da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), material foi analisado no laboratório
Trabalho de análise
Mércia Barcellos é bióloga e doutora em oceanografia ambiental e uma das responsáveis pela pesquisa. A equipe iniciou o trabalho em março do ano passado e em três meses já tinham o resultado da contaminação por microplástico.
“Nós resolvemos fazer o estudo o mais próximo da nossa casa, na universidade. Aproveitamos as teias de aranhas nas passarelas do campus e pensando principalmente examinar áreas em que estudantes e funcionários passa mais, porque se tivesse microplástico apontaria que as pessoas estão sujeiras a inalar. Então nós resolvemos perguntar para as aranhas”, relatou a pesquisadora.
Segundo a pesquisadora, poder utilizar as teias de aranha foi essencial, já que para poder identificar poluição atmosférica geralmente implica em ter aparelhos caros e complexos.
“É uma técnica eficiente e barata. Geralmente estudos para medir poluição atmosféricas são equipamentos caros você precisa escolher muito bem local que vai posicionar o equipamento. Então essa técnica veio para substituir de forma eficaz. Além disso, a gente não oferece impacto nenhum ao meio ambiente, só retira parte da teia de aranha e o animal continua vivo”, pontuou.
Após a coleta, o material foi levado para o laboratório para análise. Os microplásticos são muito pequenos e não são visíveis a olho nu.
Mas ao colocar as teias em lupas e aumentar a amostra em aproximadamente 80 vezes, diversos tipos de microplástico foram encontrados.
“Identificamos 3.138 microplásticos, sendo 2.973 filamentos e 165 fragmentos. E a partir daí separamos em relação ao tipo, pela cor e encontramos polímeros sintéticos como polipropileno, polietileno, que pode ser encontrado na garrafa pet e nylon que é encontrado na roupa, linhas de pesca, redes, cordames, praticamente em tudo” explicou.
Microplástico no meio ambiente
Os microplásticos estão presentes em vários ambientes, mas Mércia pontuou que a maioria das pesquisas sobre esses poluentes ocorre em ambientes aquáticos, como água do mar e água doce.
Nós últimos anos, exames realizados em tartarugas e baleias encontradas mortas no litoral do Espírito Santo já encontraram restos de máscara no estômago, balão de aniversário, dentre os mais variados tipos de plástico.
Uma orca que foi encontrada morta em dezembro de 2022 na Serra, Grande Vitória, chegou a ingerir quase um metro de material plástico.
Além disso, cientistas e pesquisadores identificaram rochas que estão sendo formadas por plástico na Ilha da Trindade, um paraíso quase inabitado que fica a 1.140 quilômetros de Vitória, no Espírito Santo.
O acesso à ilha é controlado e restringido pela Marinha, o que mostra que a ação do homem começou a influenciar processos que antes eram considerados essencialmente naturais, como a formação de rochas.
Os impactos para o meio ambiente podem ser graves, ameaçando, por exemplo, espécies de tartarugas e aves que se alimentam no local, e também espalhando o material para outras regiões.
Impactos na saúde
O ar é uma das formas mais importantes pelas quais as pessoas são expostas a poluentes. Dessa forma, os microplásticos podem ser inalados durante a respiração. De acordo com a especialista, o material pode percorrer um caminho dentro do corpo humano:
O microplástico presente no ar é inalado;
O material pode se alojar no pulmão;
A partir dos pulmões o microplástico pode chegar ao sangue e trafegar pelo corpo;
Com isso, ele pode causar asma e uma série de problemas respiratórios.
“Hoje a poluição atmosférica é responsável por uma quantidade enorme de problemas de saúde humana. Inalamos poluentes e quando a gente inala microplástico, a gente inala um poluente. Alguns estudos até o colocam como causador de câncer. Ele também pode levar a reações inflamatórias que podem virar um tumor”, disse.
A bióloga também destacou que o microplástico pode absorver outros poluentes que estão no ar ficar ainda mais letal quando inalado.
“Ele pode servir como uma esponja para outras substâncias químicas, então quando a gente inala e ele se aloja no nosso corpo, além do microplástico a gente pode receber uma carga de outros contaminantes que estão no meio ambiente”, contou.
Além do estudo que identificou o material no ar, Mércia e os alunos já realizaram outras pesquisas que encontraram o microplástico na areia da praia, no manguezal, e também em alimentos processados.
“Estamos analisando sal de cozinha, açúcar, café e outras matrizes e alimentos processados. E a gente tem encontrado microplástico em todas as amostras. Hoje é uma preocupação global, a ciência ainda não responde o que podemos fazer para nos livrarmos do microplástico, já que continuamos usando plástico, liberando ele de forma inadequada no ambiente, e esse plástico se quebra e se transforma em microplástico”, afirmou.
Teias de aranha espalhadas pelo campus da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) serviram para mostrar a existência de microplástico no ar em que respiramos. Estudo é inédito