Um grupo internacional de pesquisadores, do qual fazem parte três brasileiros, desenvolveu um dispositivo que pode dar origem a um componente fundamental em fotônica (área que envolve materiais capazes de produzir, transportar ou detectar luz, como as fibras ópticas). Eles criaram e demonstraram experimentalmente o funcionamento de um dispositivo em escala micrométrica (equivalente à milésima parte do metro) compatível com o processo de fabricação usado na indústria de semicondutores, com capacidade de refletir ondas ópticas (na forma de luz) em apenas uma direção e nas mesmas frequências utilizadas hoje nas fibras ópticas em telecomunicações.
O estudo ganhou destaque na capa da edição de fevereiro da revista Nature Materials.
“Desde os anos 1990 tentava-se desenvolver esse componente, que permite a viabilização de uma nova classe de dispositivos e possibilita a construção de diversos sistemas dentro de um circuito óptico”, disse o coronel aviador Vilson Rosa de Almeida, diretor do Instituto de Estudos Avançados (IEAv), professor do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) e um dos autores do trabalho, à Agência FAPESP.
“Agora, nós conseguimos desenvolvê-lo já de forma integrada em um circuito óptico e compatível com a indústria de semicondutores”, afirmou.
O professor do ITA José Edimar Barbosa Oliveira e também um dos autores do artigo já realizou um projeto de pesquisa temático sobre dispositivos opto-eletrônicos com apoio da FAPESP.
De acordo com Almeida, a partir da última década começaram a ser realizados esforços para inserir não só dispositivos eletrônicos, mas também fotônicos (capazes de transportar informação na forma de luz) nos microchips, de modo a desenvolver a chamada “fotônica em silício”.
Desde então, já foram feitos diversos componentes essenciais para construção de um circuito óptico, como filtros e divisores de feixes de luz, com o intuito de conseguir conectar fibras ópticas a um microchip e possibilitar que o componente processe informações na forma de luz.
A demonstração do conceito usado no dispositivo desenvolvido agora, contudo, pode contribuir para a criação de um dos principais “blocos” que ainda faltam para possibilitar, por exemplo, a construção da computação óptica: um isolador óptico, que controle o fluxo da luz usada para a realização de operações lógicas de forma unidirecional.
“A ideia é continuar os experimentos para desenvolver um isolador óptico completo, além de outros dispositivos básicos que faltam para a construção de circuitos fotônicos, compatíveis e integráveis com os materiais utilizados na indústria de semicondutores”, avaliou.
Material compatível com microchips
Segundo Almeida, já haviam sido demonstrados anteriormente outros dispositivos similares ao desenvolvido agora.
A escala desses componentes já existentes, no entanto, é de centímetros e eles são feitos de materiais não passivos (que não permitem obter ganhos ópticos) e não compatíveis e integráveis com o processo de fabricação CMOS usado na indústria de semicondutores.
“Este processo de fabricação, adotado há décadas pela indústria de semicondutores, permite apenas o uso de materiais como o silício, óxido de silício e alguns metais. Por isso, para desenvolver a fotônica em silício, é preciso elaborar dispositivos compatíveis e integráveis com os já utilizados pelos fabricantes de microchips”, explica Almeida.
O dispositivo desenvolvido agora pelo grupo internacional de pesquisadores é constituído de silício, dióxido de silício, germânio e cromo – todos materiais passivos e compatíveis com o processo CMOS.
O componente utilizado tem entre 20 a 30 mícrons de largura. Mas, de acordo com Almeida, é possível otimizá-lo de modo a reduzir ainda mais suas dimensões.
“Há empresas no exterior especializadas em desenvolver dispositivos para fotônica em silício que já poderiam utilizar esse componente que acabamos de desenvolver”, disse.
Manto de invisibilidade
Além de aplicação na fotônica, em escala microscópica, de acordo com Almeida, a técnica de fabricação do dispositivo e sua propriedade de refletir luz em apenas uma direção, demonstrada pela primeira vez, também podem ter outras utilidades em escala macroscópica.
Algumas delas consistem no desenvolvimento de dispositivos e sistemas sensores fotônicos, bem como os popularmente chamados “mantos de invisibilidade”, para diversos fins, inclusive de Defesa e aeroespacial.
Como o componente tem a capacidade de refletir luz somente em uma direção, ele permite a “invisibilidade” no sentido contrário. Além disso, também possibilita transmitir ondas eletromagnéticas – usadas para comunicação – nos dois sentidos.
Com isso, um novo material poderia ser sintetizado com base no princípio demonstrado pelo dispositivo para o desenvolvimento de estruturas de veículos com capacidade de reduzir ou anular a reflexão de ondas de radar emitidas em uma determinada faixa de frequência por um veículo “inimigo”, por exemplo, e, ao mesmo tempo, permitir que seus ocupantes se comuniquem com o mundo externo.
“O fato de o dispositivo ter sido desenvolvido com materiais relativamente comuns e inócuos para a segurança humana e de uma aeronave, por exemplo, torna essas possibilidades de aplicações ainda mais viáveis”, avaliou Almeida.
“Mas a gama das diversas possíveis aplicações desse dispositivo ainda não foi investigada em toda sua plenitude”, ponderou.
Colaboração internacional
O estudo é resultado de uma colaboração entre os pesquisadores do IEAv e do ITA, com um grupo do California Institute of Technology (Caltech), dos Estados Unidos, e da Nanjing University, da China.
Em 2011, os pesquisadores do IEAv – que desenvolvem pesquisas em fotônica há mais de 30 anos – enviaram o aluno de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Eletrônica e Computação do ITA William dos Santos Fegadolli para realizar um estágio sanduíche na área no Caltech.
Na época, o grupo de pesquisadores em fotônica da instituição de pesquisa norte-americana, liderado pelo professor Axel Scherer, realizava um trabalho semelhante, mas que não atingiu os resultados esperados.
Por meio da permanência de Fegadolli no Caltech, os pesquisadores do IEAv e do ITA auxiliaram o grupo de pesquisadores da instituição a direcionar os experimentos de maneira correta e, dessa forma, chegar aos resultados relatados no artigo da Nature Materials.
“A parte experimental de fabricação e caracterização do novo dispositivo foi feita por Fegadolli no Caltech. Mas a preparação para ele ir para o Caltech foi feita no ITA e no IEAv”, disse Almeida, que orienta a pesquisa de doutorado do estudante.
O professor do ITA José Edimar Barbosa Oliveira é co-orientador do aluno.
Convite para permanecer nos EUA
Fegadolli deve defender sua tese de doutorado no ITA em março.
Pelo desempenho apresentado durante o estágio de pesquisa no Caltech, o estudante foi convidado pelo professor Scherer a permanecer no grupo de pesquisadores em fotônica da instituição.
Além do prestigioso convite, o pesquisador brasileiro também já recebeu diversas outras propostas na área tecnológica de renomadas universidades e centros de pesquisas americanos.
“Eu tenho buscado outras características unidirecionais em dispositivos compatíveis com a tecnologia CMOS”, contou Fegadolli.
“Além disso, tenho investigado a área de sensores e sistemas integrados, baseados em fotônica em silício, com a finalidade de auxiliar os diagnósticos médicos por meio de microchip. Essa tecnologia é bastante promissora e promete revolucionar a área de diagnóstico médico nas próximas décadas, por meio de uma abordagem multidisciplinar”, afirmou.
Na avaliação de Almeida, Fegadolli ainda dará muitas contribuições para o avanço da pesquisa em fotônica.
“Provavelmente, no futuro próximo, ouviremos o nome dele relacionado com a produção de muitos outros dispositivos fotônicos”, estimou.
O artigo Experimental demonstration of a unidirectional reflectionless parity-time metamaterial ar optical frequences (doi: 10.1038/NMAT3495), de Fegadolli e outros, pode ser lido por assinantes da Nature Materials em www.nature.com/naturematerials.
Agência FAPESP
Fonte: Planeta Universitário