Pesquisadores do Instituto de Biociências (IB) da Universidade de São Paulo (USP) catalogaram fósseis de uma preguiça gigante que foram encontrados em perfeito estado em Apiaí e Iporanga, no Vale do Ribeira. A ossada pertence a uma espécie que conviveu na região há 10 mil anos e, conforme os estudiosos, provavelmente pode der caído e ficado presa em um local conhecido como Abismo Iguatemi, que está localizado na região. Outra peça estudada foi encontrada em uma caverna no Abismo Ponta de Flecha, que fica na mesma região. Hoje, ambos são considerados sítios paleontológicos.
Os materiais foram estudados durante dois anos por pesquisadores do Laboratório de Estudos Evolutivos da Humanos (LEEH) da USP. Em seguida, eles foram catalogados em um artigo que foi publicado neste ano, pelo pesquisador Artur Chahud.
Uma das ossadas que estava no acervo do Laborário de Palentologia Sistemática do Instituto de Geociências (IGc) da universidade é constituída por um braço, parte do antebraço e um osso do dedo. Conforme Chahud, ela pertence a espécie adulta de preguiça Catonyx cuvieri, da família Scelidotheriidae , e foi encontrada durante a primeira expedição feita ao Abismo Iguatemi, em Apiaí, em 1999.
Ele explica que o local é uma caverna vertical. Chahud acredita que a preguiça-gigante tenha caido, mas ficou bem protegida, apesar de não estar inteira, pois o abismo que favoreceu a preservação das peças.
“Há hipóteses de que nos últimos 14 mil anos já haveria floresta na região, porém se ela estivesse consolidada dificilmente esses animais a habitavam. O que dá a entender que o bioma estaria em fase transicional de floresta com o Cerrado, favorecendo a entrada desses animais maiores, que se alimentam de vegetações típicas do Cerrado”, explica Chahud.
Outra peça estudada foi encontrada por pesquisadores em uma caverna no Abismo Ponta de Flecha e 1980. Hoje o local fica dentro do Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (Petar), em Iporanga. De acordo com Chahud, o material é composto por um único fêmur de um representante do gênero Nothrotherium que até então só havia sido observado na Argentina. O fóssil ficou cerca de 40 anos sem identificação no acervo da universidade, até que foi requisitado para o estudo.
“A importância de se trabalhar com esse material é que são ótimos registros de espécies pouco conhecidas. Então todos os dados obtidos são importantes para os conhecimentos delas e no entendimento de como era o ambiente no Vale do Ribeira na época em que viveram”, comenta o pesquisador.
Como nem todos os artigos produzidos sobre os fósseis foram publicados, as peças ainda devem permanecer no instituto. Logo, a expectativa é de que outros estudos sejam feitos com o material.
"Elas estão registradas na Coleção Científica do IGc-USP e fazem parte do acervo paleontológico daquela instituição. Elas estarão abertas para a pesquisa de outros paleontologos que queiram continuar, por isso ainda não serão expostas", informou Chahud.
Aprendizado
Gabriella Pereira é aluna da graduação de biologia na USP, mas também foi uma das autoras do artigo que catalogou as espécies. Junto com Chahud, ela realizou os estudos, identificação e curadoria dos materiais.
O trabalho começou em 2022 e o pesquisador foi o orientador de Gabriela durante o estagio preparatório para a minha Iniciação Cientifica. "A gente trabalhou com esses fósseis e eu auxiliei ele principalmente a fazer todas as medições do trabalho, as identificações e elaborar os artigos", relatou.
Ela afirma que a análise de materiais fósseis foi desafiadora, pois nem todos os ossos estavam íntegros, e apresentavam partes quebradas e com incrustações. “Ficamos horas e horas analisando o material, pensando ‘isso é do osso mesmo ou será que aconteceu alguma coisa no ambiente que danificou esse material? É um trabalho de comparação", explicou a estudante.
A vontade de participar do projeto veio da disciplina de paleontologia no primeiro semestre da graduação para Gabriella. "Eu acabei me interessando sobre o assunto e busquei um laboratório que trabalhava com megafauna".
Com isso, ela conheceu o LEEH, onde ficou por cerca de um ano. Porém, até o fim do ano passado, ela continuou trabalhando em artigos junto com a equipe. "Acho que participar desse trabalho me ajudou bastante a ingressar no meio acadêmico, tanto na parte de leitura de artigos quanto na elaboracao de projetos e trabalhos científicos, além de ter sido uma importante parte da minha formação como bióloga", comentou Gabriella.
Berço de estudos
Hoje os locais onde foram encontrados os fósseis são considerados sítios paleontológicos. Chahud afirma que no laboratório já foram realizados trabalhos com todos os tipos de fauna extinta e vivente e que ainda ocorre no Vale do Ribeira. Ele conta que já foram publicados artigos de estudos feitos com tatus, porcos do mato e cervos, além de outros animais da megafauna que podem ter habitado a região na mesma época das preguiças-gigantes.
“O local é um total desconhecido ainda e poucas foram as pesquisas por lá. Apenas duas cavernas já revelaram tantas coisas importantes e provavelmente deve existir muito potencial de estudo por lá. O Vale do Ribeira é um lugar especial e importante pela natureza exuberante que lá existe e para a história natural do país”, finaliza Chahud.