Enquanto a maioria dos países se prepara para iniciar campanha de vacinação contra a covid-19, doença que já matou mais de 1,2 milhão de pessoas em todo o mundo, crescem, inclusive no Brasil, a desinformação e as teorias conspiratórias que alimentam movimentos antivacina.
Especialistas têm reforçado que, além de dispor do imunizante, de seringas, ampolas, refrigeradores, profissionais de saúde e definir logística de distribuição, é essencial também uma campanha de comunicação sobre a importância da vacinação, para que seja possível alcançar a meta de ter, pelo menos, 60% da população imunizada.
“Estamos observando uma espécie de batalha assimétrica. Os grupos antivacina no Brasil cresceram consideravelmente durante a pandemia, reaproveitando conteúdos prévios de fake news que já tinham sido produzidos e foram adaptados para a covid-19. É muito mais barato e fácil produzir notícias falsas com análises conspiratórias e sem nenhum comprometimento do que um estudo com embasamento científico”, disse João Henrique Rafael, idealizador da União Pró-Vacina, grupo de pesquisadores que tem monitorado grupos antivacina no Facebook.
A iniciativa do IEA (Instituto de Estudos Avançados) Polo Ribeirão Preto da USP (Universidade de São Paulo) conta com a parceria do CTC (Centro de Terapia Celular) e do CRID (Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias), dois CEPIDs (Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão) financiados pela Fapesp. Também integram a União Pró-Vacina a Ilha do Conhecimento, a Vidya Academics, o Gaming Club da FEA-RP, o Instituto Questão de Ciência e o Pretty Much Science.
“Nos últimos anos, tem-se observado a tendência de quedas constantes nos índices vacinais no Brasil. O último ano bom foi 2015. Apesar de o movimento antivacina ser um tema multifacetado, havia um forte indício de que a desinformação e a falta de comunicação e educação sobre a importância dos imunizantes eram elementos que estavam afetando a queda vacinal”, disse Rafael.
O projeto de pesquisa foi iniciado em novembro de 2019, quando nem se imaginava que 2020 seria marcado por uma pandemia. Desde o início, o objetivo dos pesquisadores era identificar quem estava produzindo conteúdo antivacina, por onde isso circulava e quais eram os principais mitos. A partir desse levantamento, os pesquisadores passaram a produzir conteúdos baseados em evidências científicas para educar sobre a importância no nível individual e coletivo da vacina e também impedir que essa desinformação ganhasse corpo no país.
“Já estávamos estruturando as análises sobre esses grupos desde novembro do ano passado. Quando veio a pandemia já tínhamos todo esse aparato pronto, o que tornou muito mais fácil fazer o monitoramento e enxergar como esses grupos se comportavam e ganhavam novos adeptos”, disse Rafael.
No entanto, de acordo com o pesquisador, a pandemia se mostrou muito propícia para o crescimento desses grupos, sobretudo por ser também um fenômeno comunicacional. “Esses grupos vinham crescendo e se articulando há anos, já tinham um público cativo e as redes sociais serviram como ferramenta poderosa de distribuição de desinformação difícil de ser revertida”, diz.
De acordo com os pesquisadores da USP, o crescimento desses grupos ocorreu tanto aqui como nos Estados Unidos, onde registrou aumento de milhões de usuários. No Brasil, onde há um longo histórico de campanhas de vacinação, o movimento é menor. “Mesmo assim, o movimento antivacina cresceu 18% por aqui durante a pandemia, reunindo agora mais de 23 mil usuários apenas no Facebook”, disse Rafael.
ESPAÇOS VAZIOS
Outro aspecto importante, destacado pelo pesquisador, foi o vácuo deixado pelas grandes plataformas digitais. “Medidas como banimento, desmonetização ou simplesmente apagar conteúdos mentirosos demoraram muito para ocorrer e foram desproporcionais ao volume de desinformação. Além disso, instituições conhecidas por tratar de assuntos ligados à imunização não estavam lidando de maneira eficiente nas plataformas digitais”, disse.
Um dos exemplos investigados é da página sobre vacinas que o Ministério da Saúde administra no Facebook. “A comunicação do Ministério da Saúde e de outros órgãos não estava sendo suficiente para desmistificar conteúdos falsos e criar confiança na população sobre a importância da imunização. A página do ministério específica para vacinação no Facebook, com mais de um milhão de usuários, ficou parada. Durante o inicio da pandemia o canal, que já era importante dentro do Facebook, ficou três meses sem nenhuma atualização de conteúdo”, disse Rafael. Durante o período analisado, os pesquisadores identificaram três eixos principais entre os divulgadores de conteúdos falsos antivacina e integrantes dos grupos analisados. O mais predominante deles é o chamado eixo ideológico, formado por pessoas que realmente acreditam nas teorias antivacina e transformam suas vidas em uma missão.
Há ainda o que os pesquisadores denominaram como eixo comercial, que, de acordo com as análises, pode ser notado mais facilmente no You- Tube, onde não existem canais exclusivamente antivacina, mas canais que propagam desinformação e, esporadicamente, produzem vídeos com informações falsas sobre vacinas para gerar visualizações e lucrar com isso. “O terceiro eixo, que começou no Brasil mais recentemente, é um dos mais problemáticos, pois tem o viés político da vacina. Ele surgiu da politização e da polarização com a pandemia”, disse Rafael.
A análise conduzida pela União Pró-Vacina da USP confirmou ainda que conteúdos com teorias da conspiração Q-Anon também estão ganhando espaço e se mesclando com os grupos antivacina. O Q-Anon é um movimento que surgiu em fóruns de extrema direita na deep web após a eleição de 2016 nos Estados Unidos. O movimento tem como base teorias da conspiração que se mesclam e ligam celebridades à pedofilia e ao satanismo.