Cientistas do INPE e do NMT, nos Estados Unidos, gravaram raro vídeo do fenômeno e voltaram os olhos da comunidade científica e de jornais como o The New York Times para a cidade.
Por meio de um estudo de observação de raios em zonas altamente povoadas, Pesquisadores do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) conseguiram um raro registro do encontro entre um raio e um para-raio durante uma tempestade em São José dos Campos.
A demonstração em fotos e vídeos do fenômeno chamou a atenção de cientistas e voltou as atenções da comunidade internacional para a cidade, que foi destacada em textos dos jornais The New York Times (EUA) e El Espectador (Colômbia) .
Impressionantes, as imagens em “slow motion” foram feitas com uma câmera Phantom V2012 (que captura cerca de 40 mil quadros por segundo) instalada no alto de um edifício joseense a aproximadamente 150 metros do “ponto de encontro”.
Trecho da gravação dos pesquisadores do INPE, de 2021, alguns momentos antes da conexão dos raios e para-raios no topo dos edifícios em São José (Foto: Reprodução/Marcelo Saba e Diego Rhamón)
Os para-raios são compostos por uma haste com pontas, geralmente feitas de metais como alumínio ou cobre, e são colocados no ponto mais alto dos prédios para atrair os raios.
Quando um raio atinge uma construção, ele preferencialmente passa pela haste – o caminho de menor resistência – e depois por fios conectados ao solo, protegendo o edifício e todo o seu interior das altas correntes elétricas geradas.
Estas descargas elétricas que os raios carregam costumam ser tão rápidas que é difícil observar quando houve o desvio do raio em direção ao para-raios. Por conta disso é que o feito dos pesquisadores é tão grandioso.
A equipe do projeto, que publicou um artigo com uma ampla explicação sobre o caso em dezembro do ano passado na revista Geophysical Research Letters , foi composta por Marcelo Saba e Diego Rhamon da Silva , ambos do INPE, além de John Pantuso e Caitano da Silva , do Instituto de Mineração e Tecnologia do Novo México (NMT), nos EUA.
Assista ao vídeo do encontro entre raio e para-raio em São José
A captação das imagens foi realizada em 2021 e mostra nitidamente os momentos que antecedem a conexão entre raio e a descarga emitida pela haste do para-raio (algo em torno de 25 microssegundos), quando um clarão toma conta do céu.
A partir dos registros, o grupo pôde verificar detalhes que jamais haviam sido notados anteriormente em relação ao fenômeno e entender melhor a atuação dos para-raios.
Como as descargas elétricas acontecem
Antes de entender quais foram as conclusões do estudo e o que pôde ser observado com os frames dos momentos antes do encontro definitivo entre raios e para-raios em São josé, é importante contextualizar como funciona uma descarga elétrica.
Em resumo, o fenômeno ocorre quando há um desequilíbrio de cargas elétricas em um determinado ponto.
Essas cargas elétricas podem se acumular em um objeto ou em uma nuvem, por exemplo. Quando a diferença de potencial elétrico entre esses pontos atinge um limite crítico, ocorre uma descarga elétrica.
Durante uma tempestade com raios, a atmosfera fica carregada eletricamente, e isso pode causar um desequilíbrio de cargas entre a nuvem e o solo.
No momento em que a diferença de potencial elétrico entre esses pontos fica muito alta, então é gerada uma descarga elétrica, que nada mais é do que o próprio raio.
O que é um raio
O raio é uma descarga elétrica muito forte que viaja da nuvem até o solo e pode também ser acompanhado por trovões.
A eletricidade percorre o caminho de menor resistência, por isso o raio geralmente atinge o objeto mais alto ou mais condutor em uma determinada área.
É por isso que as pessoas são orientadas a evitar ficar em áreas abertas durante uma tempestade, pois são locais que atraem raios.
As etapas de um raio
De acordo com o INPE, a primeira etapa de um raio (propagando no sentido nuvem-solo) é chamada de líder escalonado.
“Sobre a influência do campo elétrico estabelecido entre a nuvem e o solo, as cargas negativas (elétrons) do líder escalonado se movem em etapas de dezenas de metros de comprimento. Cada etapa tem uma duração típica de um microssegundo, com uma pausa entre elas de 50 microssegundos. Após alguns milissegundos, o líder escalonado surge da base da nuvem, movendo-se em direção ao solo”, explica o instituto.
As ramificações que observamos nas extremidades dos raios relâmpagos, parecidas com galhos em árvores, são formadas porque algumas cargas seguem novos caminhos ao longo do movimento em direção ao solo por influência de cargas na atmosfera ao redor do canal.
As cargas no canal movem-se rumo ao chão em etapas com uma velocidade média de cerca de 100 quilômetros por segundo.
Este movimento produz uma fraca luminosidade em uma região com diâmetro entre 1 e 10 metros ao longo do qual a carga é depositada.
“À medida que as cargas do líder se propagam ao longo do canal rumo ao solo, variações de campo elétrico e magnético são também produzidas. Ao todo, um líder escalonado transporta 10 Coulomb de carga (ou mais) e alcança um ponto perto do solo em dezenas de milissegundos, dependendo da tortuosidade de seu caminho. A corrente média do líder escalonado é de cerca de 1 kA e é transportada em um núcleo central do canal com alguns centímetros de diâmetro”, diz explicação do INPE.
Encontro entre raio e para-raio: resultados e conclusões do estudo
Nomeado “Close View of the Lightning Attachment Process Unveils the Streamer Zone Fine Structure” (em português, “Visão aproximada do processo de anexação do Lightning revela a estrutura fina da zona de streamer”), o estudo base do registro da conexão entre raio e para-raio em São José levou a uma série de atualizações com relação ao que se sabe sobre o fenômeno.
Com a gravação e as fotos tiradas durante a tempestade puderam ser observados um total impressionante de 31 canais precursores de raios (os chamados líderes), lançados dos para-raios dos edifícios em uma tentativa de interceptar os líderes negativos que vinham das nuvens.
As descargas elétrica emitidas pelos para-raios se propagaram quase em linha reta, não se ramificam e exibem uma “pincel corona” (descarga masi tênue na extremidade da líder) uniformemente luminosa em suas pontas.
Em contraste, os líderes negativos que descem das nuvens apresentaram ramificações significativas e numerosos filamentos (chamados streamers) saindo de suas pontas.
As imagens de alta velocidade e alta resolução obtidas também revelaram que, em alguns casos, as lideres negativas apresentam uma formação luminosa com cerca de 2 metros de comprimento e distância em torno de 4 metros do canal principal.
“Essas observações consistem em um dos raros avistamentos dessas formações luminosas conhecidas na literatura revisada por pares como “troncos espaciais”. Entende-se que os caules espaciais desempenham um papel fundamental na propagação escalonada de líderes negativos. Nessas observações, parece que eles dificultam a propagação do líder, fazendo com que o líder de conexão ascendente intercepte um ramo descendente diferente, que originalmente estava mais distante do ponto de impacto”, esclarece o estudo.