Agência Fapesp
Para tentar combater tais problemas, pesquisadores do Instituto de Química (IQ) da Universidade de São Paulo (USP) têm estudado as funções intestinais desses organismos com o objetivo de desenvolver novos métodos de controle.
Segundo eles, compreender o sistema digestivo dos insetos é essencial para o desenvolvimento de métodos de controle que possam agir por meio de seus intestinos. Esses órgãos estão menos protegidos do que a superfície externa desses animais e, por isso, podem ser alvo de agentes para sua eliminação.
Em estudos apoiados pela FAPESP na modalidade Auxílio a Pesquisa – Projeto Temático, um grupo coordenado pelos professores Walter Terra e Clélia Ferreira, do Departamento de Bioquímica do IQ, aponta caminhos para outras formas de controle dos insetos que não envolvam o uso de inseticidas químicos.
Segundo eles, o desenvolvimento seguro de formas alternativas de controle deve se nortear por conhecimentos básicos, entre os quais a bioquímica da digestão dos artrópodes.
Para tanto, são estudados detalhadamente insetos-modelo dispostos em pontos relevantes da árvore filogenética, empregando técnicas enzimológicas, proteômicas e transcriptômicas, a fim de produzir generalizações que possam valer para outros insetos de interesse.
Entre outros enfoques, os trabalhos avaliam a organização do processo digestivo dos insetos por meio do estudo da distribuição de enzimas nas diferentes partes do intestino, além de fazer análises morfológicas dos tecidos intestinais para o isolamento e caracterização de enzimas representativas.
“Esses estudos mostraram, por exemplo, que o processo digestivo nos insetos é organizado em padrões filogeneticamente determinados e não em função da dieta, como se pensava anteriormente, permitindo o levantamento de hipóteses sobre o papel da membrana peritrófica e das membranas perimicrovilares dos Hemíptera, mais conhecidos como percevejos, cigarras e pulgões”, disse Terra à Agência FAPESP.
A membrana peritrófica é a estrutura anatômica que separa o alimento da superfície intestinal dos insetos, e as perimicrovilares, por sua vez, são membranas lipoproteicas que recobrem as microvilosidades (projeções microscópicas da membrana celular) intestinais.
“Alguns estudos desenvolveram plantas transgênicas que geram inibidores de enzimas digestivas. Os insetos morrem de indigestão ao comer essas plantas. A grande questão, no entanto, é que o maior desenvolvimento dessas e de outras tecnologias ainda está limitado devido ao pouco conhecimento que se tem sobre o tubo digestivo dos insetos”, afirmou Terra.
Na digestão, as moléculas do alimento são quebradas em moléculas menores, que são absorvidas pelo tecido intestinal. Algumas dessas enzimas digestivas estão tendo seus cDNA (DNA complementar) codificantes clonados pelos pesquisadores da USP e as proteínas recombinantes submetidas a estudos funcionais e cristalográficos, entre elas enzimas conhecidas como tripsina, quimotripsina, catepsinas, trealase e betaglicosidase.
“Os experimentos têm permitido entender por que algumas dessas enzimas digestivas não são afetadas pelos inibidores das plantas. Entendendo melhor a resistência dessas proteínas poderemos criar novos mecanismos para confrontar essa resistência e eliminar o inseto”, disse Terra.
Nesse contexto, outro avanço do trabalho é a demonstração de que essas enzimas apresentam muitas peculiaridades, tais como as mudanças nos sítios ativos das tripsinas para evitar inibidores vegetais.
“Nossos estudos apontam, por exemplo, que os sítios ativos das tripsinas das lagartas e dos besouros são bem diferentes, fazendo com que as enzimas dos besouros sejam inibidas por muitos inibidores vegetais, o que não ocorre com as lagartas. Com isso, estamos mais preparados para criar plantas transgênicas mais resistentes a esses insetos”, apontou.
Devoradores de biomassa vegetal
Terra calcula, de acordo com levantamentos realizados por seu grupo de pesquisa do Laboratório de Bioquímica de Insetos do IQ e também com base em consulta na literatura científica, que os insetos, que consomem cerca de 10% da biomassa vegetal das plantações agrícolas, representem 75% das espécies animais e 57% das espécies vivas, considerando também as plantas e os protozoários.
Esse grande número é decorrente da capacidade de adaptação e diversidade: existem cerca de 400 mil espécies de insetos que podem se alimentar de 300 mil espécies de plantas vasculares.
Terra reconhece que a fisiologia molecular do processo digestivo está se tornando uma ciência desenvolvida e seus métodos, nos dias de hoje, são avançados o suficiente para assegurar um progresso constante nesse campo de pesquisa.
O crescimento do conhecimento em bioquímica da digestão de insetos teve início nas primeiras décadas do século passado, mas decaiu após o desenvolvimento dos inseticidas químicos sintéticos na década de 1940.
“Com os problemas ambientais causados pelos inseticidas químicos, novos métodos de controle de insetos foram investigados. Os estudos da função intestinal foram particularmente estimulados após a conscientização, há cerca de 20 anos, de que o tubo digestivo é uma interface grande e pouco protegida entre o inseto e o meio ambiente”, disse.
Por conta disso, uma compreensão da função intestinal vem sendo considerada essencial pela comunidade científica para o desenvolvimento de métodos de controle.
Como sugestão de pesquisas futuras, Terra acredita que o desenvolvimento do setor passa pela ampliação do conhecimento dos eventos moleculares subjacentes aos fenômenos fisiológicos intestinais, o que requer a compreensão de enzimas digestivas em detalhe estrutural e de proteínas associadas a outras funções intestinais.
“Várias lacunas permanecem, mas é aparente que, nas próximas décadas, o conhecimento da biologia estrutural e da função das enzimas digestivas e do controle de expressão de enzimas alternativas e seus mecanismos de secreção, assim como da bioquímica das microvilosidades intestinais, apoiará o desenvolvimento de métodos mais efetivos e específicos para o controle dos insetos”, disse.
Os estudos são conduzidos em parceria com pesquisadores do Centro de Microscopia Eletrônica do Instituto de Biociências da USP, do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) e da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), entre outras instituições.
O estudo liderado pelo professor Terra teve início em 1979 com apoio da FAPESP, inicialmente como Auxílios a Pesquisa – Regulares e depois por meio de Projetos Temáticos sucessivos, até chegar ao que está em andamento, intitulado A digestão nos insetos: uma abordagem molecular, celular, fisiológica e evolutiva.
“Nesse período foram publicados 154 trabalhos que foram citados 3.183 vezes na literatura internacional até o momento. E, em breve, também deveremos começar a trabalhar em parceria com pesquisadores do BIOEN [Programa FAPESP de Pesquisas em Bioenergia] para a criação de mecanismos de proteção da planta da cana-de-açúcar”, disse.
Mais informações sobre o Laboratório de Bioquímica de Insetos do IQ: www.iq.usp.br/wwwdocentes/warterra