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Pesquisadores brasileiros descobrem como o vírus da covid altera RNA de células infectadas (43 notícias)

Publicado em 14 de setembro de 2022

Por admin

AGÊNCIA FAPESP – Pela primeira vez, cientistas da Universidade Federal de São Paulo () conseguiram mostrar que a infecção pelo vírus SARS-CoV-2, que causa covid-19, altera o padrão de funcionamento dos RNAs celulares. Para fazer isso, eles examinaram 13 conjuntos de dados obtidos em quatro estudos que analisaram o RNA viral, bem como o de células animais e humanas.

O mais recente deles, publicado na revista Fronteiras em Microbiologia Celular e Infecciosa, examinaram o epitranscriptoma de células Vero (derivadas de macacos) e a linhagem Calu-3 humana usando uma técnica de sequenciamento direto de RNA. O epitranscriptoma corresponde ao conjunto de modificações bioquímicas do RNA (por exemplo, a adição de um grupo metil à molécula, fenômeno conhecido como metilação) dentro de uma célula.

“Nossa primeira descoberta importante neste trabalho é que a infecção por SARS-CoV-2 aumenta o nível geral de metilação semelhante a m6A no pool de RNA da célula (N6-metiladenosina), em comparação com células não infectadas”, conta à Agência FAPESP Marcelo Briones, pesquisador do Centro de Bioinformática Médica da Escola Paulista de Medicina (EPM-Unifesp) e coordenador da pesquisa.

A metilação é uma modificação bioquímica que ocorre na célula pela ação de enzimas capazes de transferir parte de uma molécula para outra. Isso altera o comportamento de proteínas, enzimas, hormônios e genes. Os pesquisadores demonstraram as alterações no RNA das células infectadas de forma quantitativa, analisando todo o conjunto de RNAs nelas; e, de forma qualitativa, indicando individualmente em um mapa o número de metilações por região de base dos nucleotídeos que compõem o RNA dessas células.

O estudo é continuação de um trabalho publicado em 2021, que analisou o epigenoma do vírus e mostrou o padrão da metilação em seu RNA (leia mais em: agencia.fapesp.br/36729/).

Os nucleotídeos são compostos por quatro bases nitrogenadas diferentes (adenina, guanina, citosina e uracila) distribuídas ao longo das fitas de RNA encontradas em cada célula. A equipe também observou que diferentes cepas do vírus apresentam variações na sequência de bases nitrogenadas que compõem seus nucleotídeos. “Dessa forma, algumas cepas podem ser melhor metiladas que outras e, assim, proliferam melhor dentro das células”, diz Briones.

Também foi observado que uma sequência de nucleotídeos conhecida como “DRACH”, receptor de metilação m6A, é ligeiramente diferente nos RNAs do SARS-CoV-2 em comparação com os RNAs das células. Nesta sigla, muito utilizada em estudos do tipo, a letra D indica as bases nitrogenadas adenina, guanina ou uracila; a letra R indica adenina ou guanina; a letra A é o resíduo metilado; a letra C corresponde à citosina; e a letra H indica adenina, citosina ou uracila.

Como o vírus usa as enzimas da célula para sua própria metilação, isso promove a pressão evolutiva para que os vírus adaptem suas sequências “DRACH” para serem mais semelhantes às células. As cepas virais que melhor fazem essa adaptação também serão mais eficientes na evasão do interferon.

Após concluir a análise da ação do SARS-CoV-2 no binômio patógeno-hospedeiro em relação à modificação m6A, o próximo passo para os cientistas será analisar os dados armazenados para traçar uma correlação entre o nível de metilação do RNA viral e o tamanho da explosão do vírus. vírus, ou seja, o quociente de multiplicação viral.

“Quanto mais metilado for o vírus, mais ele crescerá no citoplasma da célula e maior será o tamanho do seu burst”, explica Briones. Em uma situação normal, sem estímulos, uma partícula viral se replica em milhares de outras. “As descobertas abrem caminho para novos tratamentos para a covid-19 e o reposicionamento de medicamentos conhecidos”, diz o pesquisador. Além disso, traz elementos para uma melhor compreensão da capacidade das sublinhas de escapar do sistema imunológico.

Cientistas da Unifesp usaram um método de sequenciamento direto de RNA chamado Nanopore (Oxford Nanopore Technologies). Uma das vantagens dessa escolha, segundo os pesquisadores, é evitar as modificações feitas na leitura da fita de RNA pelo método convencional, RT-PCR (polimerase transcriptase reversa).

Para passar por um teste de RT-PCR, a molécula de RNA é copiada e convertida em um DNA complementar, o cDNA. Nesse processo, a molécula que antes tinha uma única fita de nucleotídeos agora tem duas fitas. Em seguida, as moléculas de cDNA são amplificadas, gerando bilhões de clones.

Na visão de Briones, como muitos laboratórios estão fazendo as sequências do coronavírus a partir do cDNA, isso pode gerar alguns vieses e confundir os pesquisadores. “Alguns pensam que as trocas de nucleotídeos realmente ocorrem porque havia uma base epigeneticamente modificada lá. Isso precisa ser investigado e de forma sistemática”, diz o pesquisador.

O aumento global da metilação nas células foi mapeado por um programa de detecção de m6A conhecido como m6anet, que usa a tecnologia de aprendizado de máquina de aprendizado de várias instâncias (MIL). Em seguida, os achados foram validados por um segundo programa, EpiNano, que utiliza a técnica de máquina de vetor de suporte (SVM).

O estudo foi realizado no âmbito do Projeto Temático “Investigação de elementos induzidos pela resposta vacinal em indivíduos submetidos a ensaios clínicos com a vacina ChAdOx1 nCOV-19”, coordenado pelo professor Luiz Mário Janini. Também participaram os pesquisadores Juliana Maricato, Carla Braconi e Fernando Antoneli. O primeiro autor, João HC Campos, é bolsista de pós-doutorado da FAPESP. O estudo também contou com a participação, como segundo autor, de Gustavo V. Alves, graduando em tecnologia da informática em saúde.